Considerações sobre mim mesmo
Ando, ultimamente, possuído pelo que Nelson Rodrigues chamou
de “complexo de vira latas”. Para
começar, afora trocar lâmpadas, sou absolutamente incapaz de realizar tarefas
domésticas. Minha esposa é uma espécie de “faz
tudo” dentro de casa: conserta aparelhos domésticos danificados, recompõe
fiação elétrica, recupera móveis antigos, cujos componentes se romperam e até
pinta paredes. Enquanto ela faz tudo isto, eu a contemplo com olhar bovino e
nem ouso oferecer ajuda, porque serei olhado e afastado com profundo desprezo.
Tenho amigos – alguns até já safenados – que ainda jogam tênis, montam a
cavalo, voam de asa delta e eu, goleiro medíocre aposentado (o “medíocre”, aqui, é mera figura de
linguagem, porque, na verdade, “eu era
bom nisso”), limito-me a dar algumas voltas, no parque, aqui ao lado, assim
mesmo em passos comedidos. Na área da informática, sou o mais retumbante
desastre. Não navego na internet, ando de jangada. Outro dia, meu neto de 06
anos, desafiou-me para uma partida de futebol, no vídeo game. Sabe aquele
Brasil e Alemanha, de melancólica lembrança? Pois é, eu fui Brasil. No campo
intelectual, babo-me de inveja de meu irmão, morador do interior da Bahia e com
quem travo porfias políticas. Ele vive citando autores, que desconheço e
filósofos, cujas obras percorri, na longínqua juventude, mas cujo conteúdo
esqueci, por completo. Outro dia, ele citou Epicuro. Eu já ouvi esse nome, só
não recordo se era ponta direita ou meio campo, se jogava no Flamengo ou Fluminense.
Ou estarei confundindo com Cafuringa, este, tenho certeza, foi filosofo grego,
só não lembro o que ele filosofou. Tio – pergunta-me a sobrinha – você me ajuda
a resolver essa equação de 2º grau? Lembro-me, vagamente (ou terá sido
sonho-pesadelo?) que estudei isso, mas, hoje, sem a ajuda da maquininha de
calcular, não realizaria nem mesmo as 04 operações (se ainda continuam sendo
04). No campo musical. Como diz minha mulher, ainda estou na “bossa nova” e, se a musica for
clássica, acho tudo muito bonito, mas não sei se Rubinstein é pianista ou marca
de piano. Chego, assim, à última idade, tendo esquecido tudo do pouco que
aprendi e sem ter aprendido nada de novo. Outro dia, andando no parque, fiquei
a me imaginar na Roma antiga, com os conhecimentos, que tenho hoje. Para
começar, do latim só me recordo de algumas expressões, mas isto seria detalhe
menor. O que eu poderia fazer para deixar estupefatos os romanos? Não
fabricaria automóveis, não inventaria a luz elétrica, o telefone, o cinema.
Enfim, pela minha absoluta ignorância e, como estrangeiro, incapaz até de se
comunicar, seria atirado ao Coliseu, enquanto a turba ignara apontaria o
polegar para baixo.
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