Uma sexta feira para recordar.
Ainda que vivesse mil anos, ele não esqueceria aquele fim de
tarde de sexta feira. O dia quente de verão empurrava as pessoas para os bares,
com cadeiras na calçada, a atravancarem o ir e vir. Por algum motivo não
identificado, a não ser o hábito de só chegar em casa com a noite, seguia,
preguiçosamente, em direção oposta a do seu estacionamento, onde deixava seu
carro. De repente, como se saísse do chão, ela surgiu a sua frente, falando
alto, com aquela inconfundível voz rouca, que lhe fizera subir o sangue. Apesar
do tempo implacável, ainda era uma mulher bonita e atraente, a quem os quilos a
mais fizeram-lhe muito bem. Mentalmente, fez as contas e concluiu ter ela
chegado aos 45, ou quase. Conhecera-a há exatos 20 anos, na praia do Arpoador.
O mesmo falar alto, o mesmo porte elegante. Ficou fascinado pelas suas coxas
(sempre fora obcecado por coxas) e pelo seu ar despreocupado de puxar o
biquíni. De repente, seus olhos de cruzaram e os poucos segundos em que se
fixaram deram-lhe coragem para se aproximar dela, quando se encaminhava para o
mar. Foram dois anos de paixão intensa, que se desfez sem causa, nem magoa.
Mesmo morando na mesma cidade, trabalhando à curta distancia, nunca mais a
vira. É certo que mudara de praia: preferia a do Leme, mais calma, sem o
borburinho dos surfistas. Além do mais, o bairro tinha o ar interiorano com o
qual guardava mais identidade, questão de raízes. Vinte anos depois, ali estava
ela e alguma coisa mexeu com seu intimo. Como não o vira, ele a seguiu, a curta
distancia, ouvindo a sua voz, mas sem identificar o conteúdo da conversa, que
matinha com as suas companheiras. De repente, ela entrou na galeria que ligava
a Avenida Rio Branco à Rua do Ouvidor e buscou uma loja de sapatos. Era a
oportunidade de simular um encontro imprevisto. Pela vitrine, viu-a
experimentar vários deles, escolher um, ir até o caixa, pagar e se dirigir à
saída. Foi quando ele procurou a mesma porta, quase provocando uma “colisão”.
Sentiu-a estupefacta, respiração presa. Passado o susto, falaram-se aquele
“olá, como vai,” de sempre. Dispensadas as amigas, seguiram os dois caminhando
até a Cinelândia. Poderia tê-la convidado para um chopp, ou até mesmo oferecido
uma carona. Mas os três quarteirões percorridos foram suficientes para que
ambos soubessem que o passado era um morto, definitivamente enterrado.
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