sexta-feira, 29 de agosto de 2014

Uma sexta feira para recordar.

Ainda que vivesse mil anos, ele não esqueceria aquele fim de tarde de sexta feira. O dia quente de verão empurrava as pessoas para os bares, com cadeiras na calçada, a atravancarem o ir e vir. Por algum motivo não identificado, a não ser o hábito de só chegar em casa com a noite, seguia, preguiçosamente, em direção oposta a do seu estacionamento, onde deixava seu carro. De repente, como se saísse do chão, ela surgiu a sua frente, falando alto, com aquela inconfundível voz rouca, que lhe fizera subir o sangue. Apesar do tempo implacável, ainda era uma mulher bonita e atraente, a quem os quilos a mais fizeram-lhe muito bem. Mentalmente, fez as contas e concluiu ter ela chegado aos 45, ou quase. Conhecera-a há exatos 20 anos, na praia do Arpoador. O mesmo falar alto, o mesmo porte elegante. Ficou fascinado pelas suas coxas (sempre fora obcecado por coxas) e pelo seu ar despreocupado de puxar o biquíni. De repente, seus olhos de cruzaram e os poucos segundos em que se fixaram deram-lhe coragem para se aproximar dela, quando se encaminhava para o mar. Foram dois anos de paixão intensa, que se desfez sem causa, nem magoa. Mesmo morando na mesma cidade, trabalhando à curta distancia, nunca mais a vira. É certo que mudara de praia: preferia a do Leme, mais calma, sem o borburinho dos surfistas. Além do mais, o bairro tinha o ar interiorano com o qual guardava mais identidade, questão de raízes. Vinte anos depois, ali estava ela e alguma coisa mexeu com seu intimo. Como não o vira, ele a seguiu, a curta distancia, ouvindo a sua voz, mas sem identificar o conteúdo da conversa, que matinha com as suas companheiras. De repente, ela entrou na galeria que ligava a Avenida Rio Branco à Rua do Ouvidor e buscou uma loja de sapatos. Era a oportunidade de simular um encontro imprevisto. Pela vitrine, viu-a experimentar vários deles, escolher um, ir até o caixa, pagar e se dirigir à saída. Foi quando ele procurou a mesma porta, quase provocando uma “colisão”. Sentiu-a estupefacta, respiração presa. Passado o susto, falaram-se aquele “olá, como vai,” de sempre. Dispensadas as amigas, seguiram os dois caminhando até a Cinelândia. Poderia tê-la convidado para um chopp, ou até mesmo oferecido uma carona. Mas os três quarteirões percorridos foram suficientes para que ambos soubessem que o passado era um morto, definitivamente enterrado. 

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