quarta-feira, 13 de agosto de 2014

Uma aventura aérea
Mal decolara do Santos Dumont, o avião mergulhara em densas nuvens escuras, sem lhe dar tempo de saborear a visão do “Leme”, bairro que fora sua terra encantada por tantos anos. Pela centésima ou mais vezes fazia o percurso Rio - São Paulo e, apesar de um certo desconforto, o tempo chuvoso não lhe trazia temores. Partia do principio lógico de que, se o piloto colocava a aeronave no ar, era porque não havia risco a se considerar. Seguindo velho hábito, foi um dos primeiros a embarcar e, cinto afivelado, abriu o jornal, não prestando a menor atenção nos demais passageiros que faziam enorme tumulto com suas bagagens de mão. Viu, apenas de relance, que, na poltrona do corredor, deixando vaga a do meio, sentara-se uma mulher, sem se deter nos detalhes. Até ultrapassar as nuvens espessas, o avião parecia dentro de um liquidificador, sensação inúmeras vezes experimentada por ele, o que, fora o desconforto, não o intensificava, até porque sabia que logo estaria em céu azul. A viagem prosseguiu tranquila até se aproximar de São Paulo, quando nuvens, ainda mais espessas e negras jogaram o avião para baixo e para o lado. De repente, ele notou a mulher a seu lado, com indisfarçável pavor, suando no rosto, quase a gritar por socorro. Teria, quando muito, uns 40 anos, bastante bonita e seu pânico a impedia de constatar que sua saia subira, deixando à mostra exuberante par de coxas. Ela o fitou angustiada e ele, quase mecanicamente, tomou-lhe as mãos, que ela apertou agradecida. O aviso de “afivelar cintos” deixou-a mais aflita e ele, meigamente, procurou acalmá-la, que era assim mesmo e que em alguns minutos estariam pousando em Congonhas. A seu pedido, a comissária trouxe um copo d’água que, metade, ela derramou na saia. O gesto de enxugar as coxas, com as mãos deixou-o excitado, o que era impróprio para as circunstâncias. Mas ele era obcecado por coxas, fora por elas que se apaixonara por Maria Clara e depois por Priscila. Finalmente, após meia hora de solavancos, os prédios da cidade apareceram e, cortando o resto de nuvens, o avião pousou, deslizando suave pela pista. Ela se despediu dele com tímido sorriso e saiu, ou melhor, fugiu entre os apressados de sempre. Foram se reencontrar na esteira de bagagens e ela tomou a iniciativa de se aproximar dele, desculpando-se pelo incomodo causado e ele, por mero galanteio, disse-lhe que gostaria que todas as viagens fossem como aquela. A chuva caia torrencialmente e a fila do táxi era interminável. Ele a convidou para um uísque, até o tempo e o movimento diminuírem, o que ela aceitou, de pronto. Chamava-se Andréia e era executiva de uma empresa de informática, que tinha filial no Rio. Separada – o único filho morava com o pai – vivia exclusivamente para o trabalho. Ele, habilmente, conduziu a conversa para o lado da solidão, que o amor, apesar dos dissabores, era essencial à vida e, para impressionar, recitou um trecho de poema de Camões, que fala do tema. Ela riu mais solta – estavam na segunda dose – e, meigamente, segurou suas mãos.

 Dois anos se passaram de sexo e encantamento. Andréia era, na cama, um vulcão em ebulição. Ele, entrando nos 60, parecia ter recuperado a juventude. Uma manhã, após noite frenética, ela, debruçada em seu ombro, falou em casamento. Foi a última vez que se viram e ali, naquele mesmo bar do aeroporto, ele, agora sozinho, esperava outra chuva passar.

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