O Botafogo e Shakespeare
Júlio Cesar tomba morto, assassinado a punhais que foi pelos
seus algozes, aos pés da estatua de Pompeu. Brutus, seu filho adotivo e um dos
assassinos, fala ao povo, justificando a morte do Imperador. Aplaudido,
retira-se, acompanhado de seus comparsas, deixando Marco Antonio, sobrinho de
Cesar, com a incumbência de fazer o elogio fúnebre. E começa, compungido, voz
embargada: “Romanos, compatriotas,
prestai-me atenção: “se tendes lágrimas, preparai-vos para derramá-las...”
E o discurso segue em um crescendo, até “virar
o jogo”, com a multidão saindo em perseguição aos assassinos. Lembro-me
sempre deste começo do “Júlio Cesar”,
de Shakespeare, quando me deparo com noticia – qualquer uma – que pode me levar
às lágrimas. Um esclarecimento relevantíssimo: sou torcedor do Botafogo desde a
mais tenra idade. E só do Botafogo, acima, até da seleção brasileira. Nos 10
anos que morei no Rio, ouso dizer que assisti a, pelo menos, 90% dos jogos do
Botafogo. Vi Garrincha, Didi, Gerson, Jairzinho, Nilton Santos, Manga, Paulo
César Caju e dezenas de outros craques de verdade. Suspenses, alegrias e
tristezas eu vivi, como aquele campeonato de 1971, perdido por culpa do juiz
José Marçal Filho, (jamais esquecerei o nome daquele gatuno) e de minha mulher.
Sobre esta explico: passei todo o campeonato indo ao jogo com a mesma roupa,
incluindo a mesma cueca e o mesmo par de meias, sem lavar, tudo guardado em uma
sacola. Exatamente no dia da decisão ela mandara lavar minhas meias e a cueca.
Não sou supersticioso, mas tivesse eu com aquelas peças (que não estavam tão
mal cheirosas, como alegado por ela), o Fluminense não teria feito aquele
irregular gol da vitória aos 41 minutos do 2º tempo. Apesar de ser
emocionalmente equilibrado, chorei, descabelei-me (naquela época eu os tinha em
abundancia) e fui o último a sair do Maracanã, já às escuras. Mas, o que me fez
relembrar Shakespeare, relacionando-o ao Botafogo, tanto tempo depois? É que me
deparo com a seguinte manchete no “Google
noticias”: “Mancini admite receio de
debandada no Botafogo”. E, a matéria disserta sobre a possibilidade de
vários jogadores abandonarem o clube, pelo atraso no pagamento dos salários. Li
e me preparei para derramar lágrimas de tristeza e humilhação. Viver é ir
morrendo aos poucos, ensina o poeta e, por conseqüência, quanto mais se vive,
mais se morre. Como ainda tenho lágrimas, deixo-as cair sobre o papel e morro
um pouco mais.
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