Agora, não me venha culpar por este abismo que se abriu,
entre nós, por este ensurdecedor silêncio que retumba neste casarão vazio. Já
não sentimos o hálito de nossas bocas, tão distantes estamos um do outro. É
claro que cometi erros. Por ação ou omissão. Vários, incontáveis até. Mas, e
você, não? Em suas lembranças, feitas amargas por tanto ressentimento, não
ficaram registrados momentos felizes? Aquela vez, em plena luz do dia, em que
transamos, na praia vazia, ou quase vazia, porque alguém nos olhava, à
distância e nós ríamos e transávamos e ríamos, porque, para nós, só nós
existíamos? E, antes ainda, quando, na escada do seu prédio, eu levantava seu
vestido e possuía suas coxas e você dizia louco, mas me apertava, sugando minha
saliva? E quantas vezes, em silêncio, apenas de mãos dadas, sentados no banco
da praia, olhávamos o sol moribundo tingir de vermelho o mar? E todos os
lugares que viajamos, rindo dos contratempos, como aquela vez que nos perdemos,
no interior da Alemanha, sem falar e entender uma mísera palavra em alemão? E
aquela praia, no nordeste, onde comemos – aliás, você comeu – um peixe absurdo,
depois de termos almoçado e você ter tido desarranjo, sem banheiro por perto? E
aquela nossa ida ao Maracanã, você, só para me contrariar, torcendo contra o
meu time, depois me pedindo desculpa e eu só desculpando, porque você me
beijava e dizia “eu quero” e eu quis,
mais ainda, ali no estacionamento, dentro do carro, gente passando e nós
queríamos e fazíamos, assim mesmo? E foi tanto fazer e tanto querer, até que um
dia você, ódio nos olhos, disse “não
quero nunca mais” e eu fiquei com cara de bobo, misturando raiva com culpa,
até deixar pra lá e viver nesta solidão que, de tanto doer, agora só dói de vez
em quando, porque já me conformei que vai ser assim, até o final do tempo, do
meu ou do seu, porque sou covarde, tenho medo de bater a porta e sair por aí,
sem rumo, como bêbado que não sabe onde fica sua/dele porta? Quem foi mesmo que
falou que procurava uma porta numa parede sem porta? Ah, lembrei, foi Fernando
Pessoa, mas não é hora de falar de poetas, pois não há poesia nesta tristeza,
eu, aqui, você, lá do outro lado da casa, fingindo que eu não existo, ou pior,
que sou insignificante, mais até que o motoqueiro que entra na rua para trazer
pizza. Minto que não sofro e acredito nesta mentira, até que ouço a música,
qualquer música, que me faz lembrar que já fomos felizes, almas e corpos
copulando. Agora, não vou dizer mais nada, porque não quero chorar e você vir
perguntar, como se não soubesse, porque estou chorando. Vou embora, só por
alguns momentos, até passar esta dor no peito, que bem podia ser infarto, e é
só angustia, mas antes de ir quero que você não me venha culpar por este abismo
que se abriu entre nós.
Nenhum comentário:
Postar um comentário