Maria Amélia era definitivamente uma solteirona, como se
dizia, antigamente. Mentia que o era, por convicção, pois homens, e dos
bons, passaram por sua vida, sem que ela
se apegasse a nenhum. Vinham logo com beijo na orelha, mão nas coxas, porque homem só pensa nessas coisas. Quando
ela dizia que não era vagabunda, eles desapareciam e ela até ficava aliviada.
Dizia isto, mas a mãe, as amigas sabiam que era conversa fiada, porque nunca a
viram acompanhada, a não ser por Ismênio,
que a cidade inteira sabia que era viado e pelo padre Roque que, além de padre,
já chegava aos 70. Maria Amélia não trabalhava fora. Ajudava a mãe, nas tarefas
domésticas, aos sábados ia à feira e, aos domingos, assistia a duas missas, não
por excesso de fé, mas para gastar o tempo. Quando tomava dois banhos, no mesmo
dia, a mãe já sabia: Maria Amélia estava ardendo, por dentro e a água-fria
ajudava a acalmar o fogo. Até que, de quando em vez, tentava, ela mesma,
apagá-lo, passando os dedos sobre a, digamos, fogueira, mas, sempre que isto
acontecia, parecia ouvir a voz do padre Roque: “pecado, minha filha, pecado!”
e ela unia os dedos e rezava, para afastar o demo. O tempo foi passando
e Maria Amélia murchando, por dentro e por fora. Já quase não falava e começou
a ter hábitos estranhos, como comer marmelada com carne moída. Deu que caiu uma
“tromba d’agua”, na cidade. Choveu
três dias e três noites e as beatas chegaram a imaginar o fim do mundo, tantas
vezes anunciado, por causa das porcarias dos homens, que só pensavam em
safadeza. Quando a chuvarada passou, o rio da cidade, que passava perto da casa
de Maria Amélia, tinha enchido tanto que encostou na ponte e olha que, da ponte ao rio, dava
mais de 50 metros. Todo mundo foi olhar aquela enormidade de água barrenta,
correndo a toda velocidade, arrastando móveis velhos, galhos de árvore, enfim,
tudo que encontrava pela frente. No meio da multidão, lá estava Maria Amélia,
olhando, hipnotizada, para o rio, que corria com tanta pressa, como ladrão
correndo da polícia. De repente, sem que ninguém pudesse impedir, Maria Amélia
arrancou o vestido e, apenas usando minúscula calcinha vermelha, atirou-se nas
águas e desapareceu. Após três dias de incessantes buscas, o corpo de Maria Amélia
foi encontrado sem a calcinha vermelha, e um enorme peixe, lá em cima, encaixado entre suas coxas.
Maria Amélia tinha, no rosto, indecente sorriso. Morreu em paz!
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