segunda-feira, 25 de setembro de 2017

A triste feliz história de Maria Amélia



Maria Amélia era definitivamente uma solteirona, como se dizia, antigamente. Mentia que o era, por convicção, pois homens, e dos bons,  passaram por sua vida, sem que ela se apegasse a nenhum. Vinham logo com beijo na orelha, mão nas coxas,  porque homem só pensa nessas coisas. Quando ela dizia que não era vagabunda, eles desapareciam e ela até ficava aliviada. Dizia isto, mas a mãe, as amigas sabiam que era conversa fiada, porque nunca a viram acompanhada, a não ser por  Ismênio, que a cidade inteira sabia que era viado e pelo padre Roque que, além de padre, já chegava aos 70. Maria Amélia não trabalhava fora. Ajudava a mãe, nas tarefas domésticas, aos sábados ia à feira e, aos domingos, assistia a duas missas, não por excesso de fé, mas para gastar o tempo. Quando tomava dois banhos, no mesmo dia, a mãe já sabia: Maria Amélia estava ardendo, por dentro e a água-fria ajudava a acalmar o fogo. Até que, de quando em vez, tentava, ela mesma, apagá-lo, passando os dedos sobre a, digamos, fogueira, mas, sempre que isto acontecia, parecia ouvir a voz do padre Roque: “pecado, minha filha, pecado!”  e ela unia os dedos e rezava, para afastar o demo. O tempo foi passando e Maria Amélia murchando, por dentro e por fora. Já quase não falava e começou a ter hábitos estranhos, como comer marmelada com carne moída. Deu que caiu uma “tromba d’agua”, na cidade. Choveu três dias e três noites e as beatas chegaram a imaginar o fim do mundo, tantas vezes anunciado, por causa das porcarias dos homens, que só pensavam em safadeza. Quando a chuvarada passou, o rio da cidade, que passava perto da casa de Maria Amélia, tinha enchido tanto que encostou  na ponte e olha que, da ponte ao rio, dava mais de 50 metros. Todo mundo foi olhar aquela enormidade de água barrenta, correndo a toda velocidade, arrastando móveis velhos, galhos de árvore, enfim, tudo que encontrava pela frente. No meio da multidão, lá estava Maria Amélia, olhando, hipnotizada, para o rio, que corria com tanta pressa, como ladrão correndo da polícia. De repente, sem que ninguém pudesse impedir, Maria Amélia arrancou o vestido e, apenas usando minúscula calcinha vermelha, atirou-se nas águas e desapareceu. Após três dias de incessantes buscas, o corpo de Maria Amélia foi encontrado sem a calcinha vermelha, e um enorme peixe,   lá em cima, encaixado entre suas coxas. Maria Amélia tinha, no rosto, indecente sorriso. Morreu em paz!

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