sexta-feira, 15 de setembro de 2017

A amarga renúncia



Rodolfo, meu querido pastor alemão, estica o pescoço pela grade da sala, com indisfarçável ar de surpresa, ao ver-me sentado no sofá, olhos perdidos no infinito, nesta  não manhã, as luzes dos postes ainda iluminando a rua. Eu preferia a quietude de estar só, sem ouvir qualquer ruído, mas seu doce e insistente olhar, obriga-me a colocá-lo para dentro. Ele sobe no sofá, a meu lado e apenas coloca a cabeça em meu colo. É seu jeito de dizer-me “ei,  amigo, não sei o que você tem, mas estou aqui para o que der e vier.” Aliso-lhe o pelo macio, como a lhe responder” sei disto!” Imagino como será o dia que não teremos um ao outro. Que ele não estará do lado de fora, ou eu, do lado de dentro, para os “bons dias” e “boas noites”. Ele resolve romper o silêncio: “afinal, o que você tem para, antes do sol nascer, já estar aqui, com esta cara de quem comeu e não gostou?” – “O problema é exatamente este, meu caro, comi e gostei e como gostei. Acabei de passar por dores terríveis, nas pernas e, se não fosse Renata me socorrer, não sei se teria suportado, principalmente, porque sempre fui bandido para dor. O fato é que, enquanto sofria com o Botafogo, devorei farta coleção de doce árabe, regado a mel. O resultado foi que, de repente, a glicemia encostou  nos 200, daí as dores infernais. O médico já me prevenira que eu deveria me afastar dos doces, vez que meus exames revelaram progressivo aumento da glicemia. Mas, eu pergunto: como me afastar de companheiros, de uma vida inteira? Nunca dei importância à comida salgada, como qualquer coisa, à exceção de quiabo, mas doce é doce, todos são ótimos, desde o “pé de moleque” de padaria, até os sofisticados, servidos, ao final das recepções, em casamentos. Outro dia mesmo, ganhei, de queridíssima amiga, um vidro grande de celestial doce de goiaba. Comecei comendo-o, com queijo, depois abandonei o queijo, pois percebi que estava ele roubando o gosto do doce, cuja maravilhosa calda bebi, escorrendo pelo queixo. Bombons, como-os trancado no quarto ou no banheiro, para não ter que dividi-los, principalmente com netos, que têm muito tempo de vida para saborear essas delícias. Agora, tenho que reprogramar meu cérebro e paladar. Como fazer isto? De que vale a vida sem bomba de chocolate, arroz doce com canela, leite condensado, bebido na lata, chantili com açúcar? Foram esses pensamentos que me tiraram, tão cedo, da cama! Pensar, como diz o tango “que é um sopro esta vida" e vamos acumulando perdas, ter que fazer renuncias! Já não basta ser tirada a juventude, os prazeres “lá de baixo” e ainda temos que fechar a boca? Você não acha injusto?”
Rodolfo, em resposta, lambeu meu rosto e uma lágrima dos olhos  nos rolou.

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