Rodolfo, meu querido pastor alemão, estica o pescoço pela
grade da sala, com indisfarçável ar de surpresa, ao ver-me sentado no sofá, olhos
perdidos no infinito, nesta não manhã,
as luzes dos postes ainda iluminando a rua. Eu preferia a quietude de estar só,
sem ouvir qualquer ruído, mas seu doce e insistente olhar, obriga-me a colocá-lo
para dentro. Ele sobe no sofá, a meu lado e apenas coloca a cabeça em meu colo.
É seu jeito de dizer-me “ei, amigo, não sei o que você tem, mas estou aqui
para o que der e vier.” Aliso-lhe o pelo macio, como a lhe responder” sei disto!” Imagino como será o dia que
não teremos um ao outro. Que ele não estará do lado de fora, ou eu, do lado de
dentro, para os “bons dias” e “boas noites”. Ele resolve romper o
silêncio: “afinal, o que você tem para,
antes do sol nascer, já estar aqui, com esta cara de quem comeu e não gostou?”
– “O problema é exatamente este, meu
caro, comi e gostei e como gostei. Acabei de passar por dores terríveis, nas
pernas e, se não fosse Renata me socorrer, não sei se teria suportado,
principalmente, porque sempre fui bandido para dor. O fato é que, enquanto
sofria com o Botafogo, devorei farta coleção de doce árabe, regado a mel. O
resultado foi que, de repente, a glicemia encostou nos 200, daí as dores infernais. O médico já
me prevenira que eu deveria me afastar dos doces, vez que meus exames revelaram
progressivo aumento da glicemia. Mas, eu pergunto: como me afastar de companheiros,
de uma vida inteira? Nunca dei importância à comida salgada, como qualquer
coisa, à exceção de quiabo, mas doce é doce, todos são ótimos, desde o “pé de
moleque” de padaria, até os sofisticados, servidos, ao final das recepções, em
casamentos. Outro dia mesmo, ganhei, de queridíssima amiga, um vidro grande de
celestial doce de goiaba. Comecei comendo-o, com queijo, depois abandonei o
queijo, pois percebi que estava ele roubando o gosto do doce, cuja maravilhosa
calda bebi, escorrendo pelo queixo. Bombons, como-os trancado no quarto ou no
banheiro, para não ter que dividi-los, principalmente com netos, que têm muito
tempo de vida para saborear essas delícias. Agora, tenho que reprogramar meu
cérebro e paladar. Como fazer isto? De que vale a vida sem bomba de chocolate,
arroz doce com canela, leite condensado, bebido na lata, chantili com açúcar?
Foram esses pensamentos que me tiraram, tão cedo, da cama! Pensar, como diz o
tango “que é um sopro esta vida" e vamos acumulando perdas, ter que fazer
renuncias! Já não basta ser tirada a juventude, os prazeres “lá de baixo” e
ainda temos que fechar a boca? Você não acha injusto?”
Rodolfo, em resposta, lambeu meu rosto e uma lágrima dos
olhos nos rolou.
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