terça-feira, 19 de setembro de 2017

O desencontro do adeus



A internet realizou o milagre de destruir a privacidade e descobrir pessoas, perdidas, no tempo e no espaço, dentre tantas outras consequências. Não é que recebo e-mail de desconhecida pessoa, a contar-me imprevisível história! Descobrira-me – afirma – através do site da Ordem dos Advogados e até admirou por estar eu ainda vivo e trabalhando, o que, admito, também me causa admiração. Diz-me que fomos colegas, no curso ginasial, ambos com 14 anos e fora seu primeiro namorado. Depois, cada qual seguiu seu rumo, ela se formou, em medicina veterinária, casara, tivera filhos – 04 -, netos, 06, ficara viúva e agora, acometida daquela doença maldita, via seu caminho terminar, mas que não queria “ir embora”, sem antes de se despedir de pessoas, que, de modo especial, tivessem passado pela sua vida. E eu fora especial, apenas por ter sido seu primeiro namorado. Recosto-me na cadeira e tento ligar o nome à pessoa. Busco, na memória remota, a imagem do nome. Se já é difícil ver-me com 14 anos, muito mais  lembrar de, em tão distante idade, ter tido namorada. Eram tempos ingênuos, acho, até, que nem pensava nestas complicações de amores e desamores. O tempo vago – que era muito – gastava-o jogando futebol ou tomando banho, no rio. Aos sábados, o “cine poeira” (oficialmente, denominado “Império”) oferecia duas imperdíveis sessões de “bang bang”, onde mulher não entrava. Como ter podido abrir mão de tão prazerosos folguedos, substituindo-os por um namoro, onde, à época, o simples pegar na mão já caracterizava grave ilicitude? É claro que não devia ser eu o destinatário da dolorosa mensagem eletrônica, mas, como dizer isto a uma pessoa que envia adeus definitivo? Fiquei a imaginar a angustia da remetente, provecta senhora, perdida em reminiscências , à véspera da viagem sem volta. É claro que não podia dizer “desculpe-me, não era eu, você se enganou”. Por isso resolvi presentear-lhe com mentira, dizendo que ela marcou minha vida, que tinha boas recordações daqueles tempos e que confiasse em Deus, guia e Senhor das nossas vidas.
Mesmo sem ser personagem da história, fiquei abatido, a refletir sobre a obscura velocidade do tempo, que consome nossa vida. Baudelaire, o poeta francês de minha predileção, cantava que o “tempo é carrasco sem piedade”. Falou e disse!

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