A internet realizou o milagre de destruir a privacidade e
descobrir pessoas, perdidas, no tempo e no espaço, dentre tantas outras
consequências. Não é que recebo e-mail de desconhecida pessoa, a contar-me
imprevisível história! Descobrira-me – afirma – através do site da Ordem dos
Advogados e até admirou por estar eu ainda vivo e trabalhando, o que, admito,
também me causa admiração. Diz-me que fomos colegas, no curso ginasial, ambos
com 14 anos e fora seu primeiro namorado. Depois, cada qual seguiu seu rumo,
ela se formou, em medicina veterinária, casara, tivera filhos – 04 -, netos,
06, ficara viúva e agora, acometida daquela doença maldita, via seu caminho
terminar, mas que não queria “ir embora”,
sem antes de se despedir de pessoas, que, de modo especial, tivessem passado
pela sua vida. E eu fora especial, apenas por ter sido seu primeiro namorado.
Recosto-me na cadeira e tento ligar o nome à pessoa. Busco, na memória remota,
a imagem do nome. Se já é difícil ver-me com 14 anos, muito mais lembrar de, em tão distante idade, ter tido
namorada. Eram tempos ingênuos, acho, até, que nem pensava nestas complicações de
amores e desamores. O tempo vago – que era muito – gastava-o jogando futebol ou
tomando banho, no rio. Aos sábados, o “cine
poeira” (oficialmente, denominado “Império”)
oferecia duas imperdíveis sessões de “bang
bang”, onde mulher não entrava. Como ter podido abrir mão de tão prazerosos
folguedos, substituindo-os por um namoro, onde, à época, o simples pegar na mão
já caracterizava grave ilicitude? É claro que não devia ser eu o destinatário
da dolorosa mensagem eletrônica, mas, como dizer isto a uma pessoa que envia
adeus definitivo? Fiquei a imaginar a angustia da remetente, provecta senhora,
perdida em reminiscências , à véspera da viagem sem volta. É claro que não
podia dizer “desculpe-me, não era eu,
você se enganou”. Por isso resolvi presentear-lhe com mentira, dizendo que
ela marcou minha vida, que tinha boas recordações daqueles tempos e que
confiasse em Deus, guia e Senhor das nossas vidas.
Mesmo sem ser personagem da história, fiquei abatido, a
refletir sobre a obscura velocidade do tempo, que consome nossa vida.
Baudelaire, o poeta francês de minha predileção, cantava que o “tempo é carrasco sem piedade”. Falou e
disse!
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