sexta-feira, 29 de setembro de 2017

Lula, ao telefone!



Chego ao escritório e, como de hábito, aviso à secretaria que, enquanto não despachar com Jorge, meu fiel e competente escudeiro, não atendo ninguém. Estávamos, eu e ele, em pleno sorteio das contas a pagar, quando ela, assustada, invade minha sala, contrariando a orientação dada, dizendo que está na linha uma pessoa, dizendo ser o ex presidente Lula, querendo falar comigo. Por óbvio, imagino ser trote, quem sabe de meu irmão petista, lá do Sul da Bahia, com quem não falo, de larga data. Por isso, interrompo o sorteio e atendo o telefone. Inconfundível voz rouca, que meu irmão não seria capaz de imitar:
- “Doutor, aqui é o Presidente Lula, sei que o senhor me odeia, mas preciso de uns conselhos.”
- “Engana-se, Presidente. Não o odeio e ódio é sentimento que já excluí, faz muito tempo. Apenas acho que o senhor, embriagou-se pelo poder e pelo dinheiro e se esqueceu de seus compromissos com a classe trabalhadora, de onde veio. Mas, o que penso, não tem qualquer importância. Agora, não entendo como, com tantos advogados ilustres o cercando, o senhor precise de conselhos meus, que já estou na idade de desaprender o pouco que aprendi.”
- “É que estou com saco cheio de medalhões e que só falam o que eu quero ouvir. Como sei que o senhor torce para eu me ferrar, joga no time do Moro, por isso resolvi lhe procurar.”
- “Tudo bem, mas vamos esclarecer dois pontos: primeiro, não torço  para o senhor se ferrar, apenas que assuma a responsabilidade, pelos erros cometidos. Não tanto por mim, mas pelas milhões de pessoas, que acreditaram no senhor. Meu irmão, por exemplo, petista de carteirinha e que o tem (ou tinha), como o maior líder político dos últimos tempos, está tão deprimido que pensa, até, em mudar de nome, de cidade e, talvez, de País. O segundo ponto: no time do Moro, como o senhor diz, não sento nem no banco de reservas. Tenho, até, grandes restrições quanto ao modo de ele manejar as delações e prisões temporárias. Aliás, a própria palavra “delação”, provoca-me ânsia de vômitos. Mas, vamos lá, que conselhos o senhor quer?”
- “Primeiro, você acha – permita-me chamá-lo de você, afinal, fui Presidente – que vou me livrar das condenações e não ser preso?”
- “Desculpe a franqueza, Presidente, mas, pelo andar da carruagem, juntando todos os processos, sua pena vai passar dos 100 anos, mas, considerando nossa legislação,  sua idade, as possibilidades de redução da pena, em razão de atividades, a serem exercidas na prisão, concluo que o senhor ficará detido, no máximo, por uns 07, talvez 05 anos. E, desculpe-me a franqueza, aqueles recibos de aluguel, datados de 31 de junho e 31 de novembro, foi baita tiro, não no pé, mas no peito.”
- “então estou ferrado, nem sei se vou  aguentar tanto tempo, morro antes de cumprir a pena. O senhor tem alguma sugestão?”
- “Calma, presidente, não  se desespere. Tenho sugestão e, modéstia à parte, é muito boa, veja só: o senhor vai ficar preso, junto com presidentes das principais construtoras do País, além de quase todo o Congresso Nacional, isto sem falar nos executivos das principais empresas públicas, envolvidos na lava-jato e que, juntando tudo, vai passar de 500 pessoas. Lembra-se do acordo do Pablo Escobar feito com o Governo da Colômbia, de ele construir um presídio para ele mesmo? Pois esta é a ideia. O senhor escolhe uma área, de frente à praia de preferência no nordeste, onde não faz frio, nem chove muito e as construtoras (Norberto, Camargo, Andrade) constroem um confortável presídio, celas amplas, ar condicionado central, churrasqueira, campo de futebol, society, cinemateca, restaurante exclusivo, sendo que sua suíte (pelo menos, 100²) e as dos demais “presidentes” seriam voltadas para o mar. Além do mais, depois de certo tempo, mídia arrefecida, vocês poderão, escorrendo uma proprinazinha nos guardas do presídio (e nisto vocês são especialistas), sair ir à praia, dar uns mergulhos, o que sempre alivia a tensão.  O que o senhor acha?
- “magnífica ideia, mas será que o Moro concordaria?”
- “Por que não? Afinal, a construção não seria, pelo menos diretamente, paga pelo Poder Público, a manutenção, idem e, afinal, seria até constrangimento ilegal tirá-los, todos, de seus habituais confortos e enfiá-los, em imundas celas de 3x4, misturados com a ralé.”
Depois de prolongados segundos de silêncio, para entumecer meu ego, Lula encerrou a ligação:
puxa, doutor, eu devia ter conhecido o senhor, antes.”

quarta-feira, 27 de setembro de 2017

Ação, sem energia, é inação



Posso dar minha opinião, porque ocupei, por 03 anos, a cadeira de Diretor da Secretaria de Segurança Pública do Rio de Janeiro, sob o comando do General Edmundo Murgel. É claro que os tempos eram outros, o tráfico ainda não tinha se constituído na perigosa organização criminosa que se alastrou pelo País, constituindo verdadeiro governo paralelo. O certo é que, na época, dispúnhamos de informações, quanto à localização e movimentação dos chefes de quadrilhas, os quais eram encurralados e, como reagiam, eram “enviados ao arquivo”. Em nossa administração, o índice de criminalidade, no Rio de Janeiro, era um dos mais baixos do País. A partir do Governo Brizola que, para se eleger, fez pacto de convivência pacífica com os líderes das favelas, o tráfico de entorpecente e as milícias passaram a reinar. As favelas concentram cerca de 1/3 dos eleitores e, o que não nos interessava, passou a interessar. O filme “Tropa de Elite” retratou tal fato, com absoluta fidelidade: foram os interesses políticos que destruíram a segurança, no Rio. Fico estupefato que, após vários dias de ocupação das favelas cariocas, principalmente a “Rocinha”, haja poucos e inexpressivos marginais presos... e vivos. É inimaginável que o Exército, a Policia Militar e a Civil, dispondo de modernos sistemas de informação (que, nem de longe, dispúnhamos, à época), não sejam capazes de “higienizar” as favelas cariocas. Talvez fosse o caso de convocar, também, a Polícia Federal, cuja incontestável competência, vem sendo demonstrada na “operação lava-jato”, localizando contas secretas e interceptando mensagens telefônicas e eletrônicas. O Rio vive verdadeiro “estado de guerra”, onde não se deve ficar obstado em agir, por pruridos legais, como mandados de prisão e outras firulas que, se são necessárias para o cidadão comum, são irrelevantes para marginais, que não pensaram duas vezes, para executarem mais de 100 policiais. É inimaginável que o traficante “Nem”, preso, em presídio de segurança máxima, em Roraima, tenha comandado a guerra entre facções criminosas. Como e a quem deu ordem, são perguntas que já deviam estar esclarecidas. A violência, não só na “Rocinha”, mas também, nas demais favelas, coloca em risco a vida, principalmente, de seus moradores. Passou a hora de contemporizar. Talvez a melhor estratégia policial seja, determinar aos moradores da “Rocinha” que deixem suas casas por 72 horas – poderão ser abrigados, no Maracanã – e, na sequência, a Polícia e o Exército invadirem a favela, fazendo minudente pente-fino, nas moradias e nas matas, inclusive, respondendo fogo com fogo. Ação firme, na Rocinha, servirá de exemplo, para os marginais, ocupantes das demais favelas. Convém lembrar que, quando o furacão Irma estava por atingir a Flórida, o Governador daquele Estado determinou aos moradores das regiões de risco, que de lá se retirassem, sob pena de não lhes ser fornecido qualquer socorro, caso permanecessem. Parece-me que a situação da Rocinha é muito mais grave do que a passagem de um furacão.
Sem isto, quando o Exército retornar à base, a violência voltará, talvez, até, com mais intensidade.

terça-feira, 26 de setembro de 2017

Rodolfo e as Forças Armadas



Domingo, voltando, com Nara e Rodolfo, do passeio no parque, paramos na banca. Pertenço à última geração que lê jornal impresso, cujas notícias já chegam velhas, porque a internet e a televisão as dão, em tempo real. Mas o jornal tem outra serventia: é o “piso” da casa dos porquinhos da índia que habitam nossa residência. Pego o jornal e, antes de pagar, Rodolfo puxa-me pela guia (não sei se o guio ou sou guiado por ele) e pede-me para comprar a “Isto é”. Ia eu argumentar que era revista de segunda linha, mau escrita (à exceção da coluna do Boechat), mas, ponderei comigo mesmo, o que são 15 reais, perante tão gratificante amizade? Comprei, fomos para casa e, enquanto assistia ao jogo São Paulo x Corintians, ele ficou a ler a revista. Felizmente deu empate. Explico: meu filho Fernando, é corintiano fanático e minha filha, Aline, chora, quando o São Paulo perde. Encerrada a contenda, vou ao encontro de Rodolfo, que já me recebeu, no ataque: “então você escreveu no seu blog, propondo a intervenção das Forças Armadas, citou artigo da Constituição, mas, dolosamente, omitiu  que elas estão subordinadas à autorização suprema do Presidente. Que feio?” – “mas a que presidente você se refere, meu caro Rodolfo? Ao da escola de samba, ao do Botafogo? Porque a Constituição fala em “autoridade suprema”. Você acha mesmo que o Temer, envolvido até o pescoço em  robustas denúncias de corrupção, é “autoridade” e, ainda mais “suprema”? Na verdade, amado Rodolfo, o Poder, no sentido constitucional do termo, está vago e é neste vazio que as Forças Armadas têm a obrigação de ocupar. Como disse o General  Mourão (o atual), não será como em 1964. Será o tempo de afastar os responsáveis pela desmoralização pública. Depois, é convocar eleições, legislativas e executivas, das quais só possam participar aqueles que não tiverem comprometimento com este descalabro, que se instalou, no Brasil. O mundo moderno não mais aceita ditaduras, à esquerda ou à direita. A voz, que se espalha nos quartéis e já ecoa, nas ruas, nas redes sociais, nos bares e restaurantes, é da necessidade de fortalecer a democracia, que resta enfraquecida, dilacerada pela insegurança, no sentido mais largo do termo. Veja: o petismo ameaça-nos com guerra civil, caso Lula seja impedido de disputar as eleições presidenciais do próximo ano. Então, eu pergunto: quem, senão as Forças Armadas, têm a obrigação constitucional de manter a ordem interna, exigir que o Poder Judiciário funcione, punindo quem deve ser punido? O que se propõe, de imediato, para que atravessemos este abismo moral, que parece não ter fim, é exatamente que ele, o abismo, seja ultrapassado, Forças Armadas e Poder Judiciário, de mãos dadas”.
Rodolfo, calado, retirou-se a um canto, concentrado nas eleições alemãs, onde sua candidata, Ângela Merkel, era dada como vencedora.

segunda-feira, 25 de setembro de 2017

A triste feliz história de Maria Amélia



Maria Amélia era definitivamente uma solteirona, como se dizia, antigamente. Mentia que o era, por convicção, pois homens, e dos bons,  passaram por sua vida, sem que ela se apegasse a nenhum. Vinham logo com beijo na orelha, mão nas coxas,  porque homem só pensa nessas coisas. Quando ela dizia que não era vagabunda, eles desapareciam e ela até ficava aliviada. Dizia isto, mas a mãe, as amigas sabiam que era conversa fiada, porque nunca a viram acompanhada, a não ser por  Ismênio, que a cidade inteira sabia que era viado e pelo padre Roque que, além de padre, já chegava aos 70. Maria Amélia não trabalhava fora. Ajudava a mãe, nas tarefas domésticas, aos sábados ia à feira e, aos domingos, assistia a duas missas, não por excesso de fé, mas para gastar o tempo. Quando tomava dois banhos, no mesmo dia, a mãe já sabia: Maria Amélia estava ardendo, por dentro e a água-fria ajudava a acalmar o fogo. Até que, de quando em vez, tentava, ela mesma, apagá-lo, passando os dedos sobre a, digamos, fogueira, mas, sempre que isto acontecia, parecia ouvir a voz do padre Roque: “pecado, minha filha, pecado!”  e ela unia os dedos e rezava, para afastar o demo. O tempo foi passando e Maria Amélia murchando, por dentro e por fora. Já quase não falava e começou a ter hábitos estranhos, como comer marmelada com carne moída. Deu que caiu uma “tromba d’agua”, na cidade. Choveu três dias e três noites e as beatas chegaram a imaginar o fim do mundo, tantas vezes anunciado, por causa das porcarias dos homens, que só pensavam em safadeza. Quando a chuvarada passou, o rio da cidade, que passava perto da casa de Maria Amélia, tinha enchido tanto que encostou  na ponte e olha que, da ponte ao rio, dava mais de 50 metros. Todo mundo foi olhar aquela enormidade de água barrenta, correndo a toda velocidade, arrastando móveis velhos, galhos de árvore, enfim, tudo que encontrava pela frente. No meio da multidão, lá estava Maria Amélia, olhando, hipnotizada, para o rio, que corria com tanta pressa, como ladrão correndo da polícia. De repente, sem que ninguém pudesse impedir, Maria Amélia arrancou o vestido e, apenas usando minúscula calcinha vermelha, atirou-se nas águas e desapareceu. Após três dias de incessantes buscas, o corpo de Maria Amélia foi encontrado sem a calcinha vermelha, e um enorme peixe,   lá em cima, encaixado entre suas coxas. Maria Amélia tinha, no rosto, indecente sorriso. Morreu em paz!

sexta-feira, 22 de setembro de 2017

Rápida viagem ao passado remoto



Já é velho e batido dizer que a velhice enterra a memória recente e faz aflorar a remota. O que almocei ontem, se que é que  almocei? Pode ter sido aquele contra-filé acebolado, do restaurante ao lado do posto, ou o rodízio de carne e saladas, lá da Paulista, mas isto não importa.  Penso, até, em mandar fazer duas correntes, com meu telefone e endereço, uma para mim, outra para Rodolfo. Vai que saiamos a passeio e eu não encontre o caminho de volta? Ele é jovem, mas comete a tolice de confiar em mim, além do mais, quando caminhamos pelo parque e adjacências, não para de falar, não prestando atenção no trajeto percorrido. Mas, deixa pra lá, porque quero falar mesmo é da memória remota, fatos esquecidos em idades esquecidas e que, como em sonho, de repente, afloram. Já contei que, na distante e querida cidade, de onde vim, na época de eu menino, havia dois cinemas: o "Cine Vitória”, que passava os filmes tradicionais e com frequência  mais selecionada e o “Cine Império” que, apesar de nome pomposo, era conhecido como “Cine Poeira” e frequentado “pelo povo, em geral”. As “poltronas” – se é que se podia chamá-las assim -  eram de madeira, o piso era de cimento de péssima qualidade e a agitação do público, ao entrar e sair, fazia levantar pó, daí  o codinome da “casa de espetáculo”. Aos sábados, exibia, em sessão contínua, dois filmes de “bang bang”. Fui testemunha da morte de milhões de perversos índios, abatidos por mocinhos, cujos revólveres davam centenas de tiros, sem serem recarregados. Isto não importava,  vez que, para alegria geral, ao final, o cacique era obrigado a se render, os bandidos eram presos e o valente e destemido “cowboy”, que salvara a “mocinha”, com ela se casava. Eu estava lá, firme, todos os sábados, sentado na primeira fila, ainda usando calças curtas. Agora vem a história: a meu lado, quase sempre, sentava-se um senhor – mais ou menos 30 anos – modestíssimamente vestido e que não se contentava em “torcer” pelo “mocinho” e sua amada. Participava, ativamente, da trama, dialogando com os artistas, prevenindo-os de ataques pelas costas, indicando-lhes a melhor estratégia, para derrotar o inimigo. Comportava-se como general, no comando de sua tropa e, encerrados os filmes e acesas as luzes, ele se deixava, sentado, exausto, sorriso nos lábios, tendo absoluta certeza que, sem ele, o desenlace feliz seria impossível. Sua certeza transferiu-se para mim. Tanto que, quando eu lá chegava, procurava-o, até com ansiedade, pois sabia que, com a presença dele, a vitória de meus heróis estava garantida.
Se, à época, tivesse eu a previsibilidade de tantos perigos, a enfrentar, vida afora, tê-lo-ia trazido comigo, como irmão xipófago, para me livrar das  adversidades, tantos índios e bandidos (eu mesmo, bandido de mim), a atormentarem meu viver.