Chego ao escritório e, como de hábito, aviso à secretaria
que, enquanto não despachar com Jorge, meu fiel e competente escudeiro, não
atendo ninguém. Estávamos, eu e ele, em pleno sorteio das contas a pagar,
quando ela, assustada, invade minha sala, contrariando a orientação dada,
dizendo que está na linha uma pessoa, dizendo ser o ex presidente Lula,
querendo falar comigo. Por óbvio, imagino ser trote, quem sabe de meu irmão petista,
lá do Sul da Bahia, com quem não falo, de larga data. Por isso, interrompo o
sorteio e atendo o telefone. Inconfundível voz rouca, que meu irmão não seria
capaz de imitar:
- “Doutor, aqui é o
Presidente Lula, sei que o senhor me odeia, mas preciso de uns conselhos.”
- “Engana-se,
Presidente. Não o odeio e ódio é sentimento que já excluí, faz muito tempo.
Apenas acho que o senhor, embriagou-se pelo poder e pelo dinheiro e se esqueceu
de seus compromissos com a classe trabalhadora, de onde veio. Mas, o que penso,
não tem qualquer importância. Agora, não entendo como, com tantos advogados
ilustres o cercando, o senhor precise de conselhos meus, que já estou na idade
de desaprender o pouco que aprendi.”
- “É que estou com saco
cheio de medalhões e que só falam o que eu quero ouvir. Como sei que o senhor
torce para eu me ferrar, joga no time do Moro, por isso resolvi lhe procurar.”
- “Tudo bem, mas vamos
esclarecer dois pontos: primeiro, não torço para o senhor se ferrar, apenas que assuma a
responsabilidade, pelos erros cometidos. Não tanto por mim, mas pelas milhões
de pessoas, que acreditaram no senhor. Meu irmão, por exemplo, petista de
carteirinha e que o tem (ou tinha), como o maior líder político dos últimos
tempos, está tão deprimido que pensa, até, em mudar de nome, de cidade e,
talvez, de País. O segundo ponto: no time do Moro, como o senhor diz, não sento
nem no banco de reservas. Tenho, até, grandes restrições quanto ao modo de ele
manejar as delações e prisões temporárias. Aliás, a própria palavra “delação”,
provoca-me ânsia de vômitos. Mas, vamos lá, que conselhos o senhor quer?”
- “Primeiro, você acha
– permita-me chamá-lo de você, afinal, fui Presidente – que vou me livrar das
condenações e não ser preso?”
- “Desculpe a
franqueza, Presidente, mas, pelo andar da carruagem, juntando todos os
processos, sua pena vai passar dos 100 anos, mas, considerando nossa
legislação, sua idade, as possibilidades
de redução da pena, em razão de atividades, a serem exercidas na prisão,
concluo que o senhor ficará detido, no máximo, por uns 07, talvez 05 anos. E,
desculpe-me a franqueza, aqueles recibos de aluguel, datados de 31 de junho e
31 de novembro, foi baita tiro, não no pé, mas no peito.”
- “então estou ferrado,
nem sei se vou aguentar tanto tempo,
morro antes de cumprir a pena. O senhor tem alguma sugestão?”
- “Calma, presidente,
não se desespere. Tenho sugestão e,
modéstia à parte, é muito boa, veja só: o senhor vai ficar preso, junto com
presidentes das principais construtoras do País, além de quase todo o Congresso
Nacional, isto sem falar nos executivos das principais empresas públicas,
envolvidos na lava-jato e que, juntando tudo, vai passar de 500 pessoas.
Lembra-se do acordo do Pablo Escobar feito com o Governo da Colômbia, de ele
construir um presídio para ele mesmo? Pois esta é a ideia. O senhor escolhe uma
área, de frente à praia de preferência no nordeste, onde não faz frio, nem
chove muito e as construtoras (Norberto, Camargo, Andrade) constroem um
confortável presídio, celas amplas, ar condicionado central, churrasqueira,
campo de futebol, society, cinemateca, restaurante exclusivo, sendo que sua
suíte (pelo menos, 100²) e as dos demais “presidentes” seriam voltadas para o
mar. Além do mais, depois de certo tempo, mídia arrefecida, vocês poderão, escorrendo
uma proprinazinha nos guardas do presídio (e nisto vocês são especialistas),
sair ir à praia, dar uns mergulhos, o que sempre alivia a tensão. O que o senhor acha?
- “magnífica ideia, mas
será que o Moro concordaria?”
- “Por que não? Afinal,
a construção não seria, pelo menos diretamente, paga pelo Poder Público, a
manutenção, idem e, afinal, seria até constrangimento ilegal tirá-los, todos,
de seus habituais confortos e enfiá-los, em imundas celas de 3x4, misturados
com a ralé.”
Depois de prolongados segundos de silêncio, para entumecer
meu ego, Lula encerrou a ligação:
“puxa, doutor, eu devia
ter conhecido o senhor, antes.”