Rodolfo, eu e a reforma
da previdência
Rodolfo, meu politizado pastor alemão, anda me atormentando
com este projeto de reforma da previdência. Quer porque quer saber minha
opinião sobre tão tormentoso tema. Disse-lhe que sou contra, nos termos
propostos pelo governo, ele arregala os olhos, eriça o pêlo e parte para o
ataque:
- “você é louco! Os homens lá de cima estão dizendo que, se a
reforma não for feita, dentro de 10 anos, no máximo, não haverá recursos para
pagar aposentados e pensionistas. Como você pode ser contra?” Sem ser
especialista no assunto, dou meus argumentos:
- “não é bem assim, meu
caro Rodolfo. Em primeiro lugar, esse déficit da previdência é terreno
nebuloso. Dizem que a previdência está quebrada, mas, de quando em vez, o
governo toma “algum” do caixa da dita cuja. Se devolve, ninguém sabe. Seria
oportuno e transparente que, através de auditoria independente, esse déficit
fosse levantado e trazido a conhecimento público, inclusive para que
soubéssemos em quanto monta as
desonerações, a quem são concedidas e porque. Em segundo lugar, se todos são
iguais, perante a lei, a reforma deveria alcançar todos, civis e militares,
trabalhadores do serviço público e da iniciativa privada. Quando começam as
exceções, fica a impressão, quase certeza, que o governo sofreu pressão de quem
tem força para pressionar. Em terceiro lugar, no meu medíocre saber, há uma
questão jurídica, de absoluta relevância, que ainda não vi ser debatida: o
artigo 5º da nossa Constituição, que é
cláusula pétrea, vale dizer, não pode ser objeto de emenda constitucional,
afirma, lá no seu inciso XXXVI, que “a lei não prejudicará direito adquirido, o
ato jurídico perfeito e a coisa julgada”. Assim, por conclusão, a reforma só
alcançaria quem estivesse entrando no sistema previdenciário após ela, reforma,
porque quem já está no sistema, tem “o direito adquirido” de que sejam
respeitadas as regras vigentes”. Rodolfo empina as orelhas e diz “não
entendi” e eu procuro dar exemplo vulgar:
- “imagine, meu amado
Rodolfo, que você seja o goleiro de um time e a bola vem em sua direção. De
repente, um atacante adversário, que estava sendo atendido, por contusão, na
linha de fundo de sua meta, entra em campo, antecipa-se a você, pega a bola e
faz o gol e o árbitro valida o gol. Você corre para ele, dizendo que não pode,
que o atacante não podia entrar em campo, sem que ele autorizasse e, de
qualquer maneira, como não havia nenhum defensor antes dele, ele estava em
impedimento. Aí, para sua absoluta surpresa, o árbitro responderia que o gol
era válido, porque, meia hora antes, entrara em vigor nova regra, dizendo que,
naquelas circunstâncias, o gol passava a ser legal. O que você faria?
- “Daria uma boa
dentada nas pernas dele! Seu exemplo está bom, mas você não acha que o
interesse individual não pode prevalecer sobre o interesse coletivo e, neste
caso, não se aplica a regra do direito adquirido?”
- Até acho, Rodolfo e
há bons constitucionalistas que interpretam como você, todavia, aprendemos, no
começo da faculdade, que a norma clara, objetiva, não comporta interpretação.
Se o legislador constitucional quisesse estabelecer essa exceção, tê-lo-ia
(mesóclise em homenagem ao Temer) feito de forma expressa, através de parágrafo, introduzido naquela cláusula.
Você, Rodolfo, acha justo um trabalhador, que entrou na empresa como porteiro,
batalhou, estudou, chegou a Diretor, com salário de 50 mil reais, boa casa, bom
carro e, na hora de se aposentar, velho e cansado, passa a receber 5.331 reais?
Você não acha que seu padrão de vida,
fruto de seu esforço, vai desabar?” Rodolfo recostou na parede, deu rápida
coçada nas costas com a pata dianteira e ainda quis argumentar:
- “mas ele pode, ao
longo do tempo, fazer uma previdência privada, como afirmou o deputado, relator
da matéria”. Foi quando resolvi encerrar a discussão, até porque estava
sendo chamado para o jantar:
- “ai é que
eu sinto o cheiro de maracutaia, Rodolfo. Previdência privada é feita, através
das instituições financeiras, que pagam pífia remuneração e que, no frigir dos
ovos, serão os maiores, senão os únicos beneficiados pela reforma. Afinal, o
povo, como dizia aquela personagem do saudoso Chico Anísio, “o povo é tão somente um detalhe”.
Em tempo: Atendendo a diversos pedidos, divulgo minha foto.
Com carinho,
Rodolfo
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