quinta-feira, 9 de março de 2017

Porque preciso falar de meu pai!



Hoje vou me permitir falar do meu pai, falecido, aos 57 anos, em 09 de março do longínquo ano de 1962. Pertenço a uma geração em que os filhos mantinham distância quase intransponível, principalmente em relação ao pai. O amor era sinônimo de “temor reverencial”. Assim era comigo: amávamo-nos, mas sem troca de afeto. Em tempo de criança, por qualquer travessura, a mãe ameaçava-me “vou falar com seu pai!”. Eu tremia e aguardava severa punição... que nunca houve. Atravessei o tempo que convivemos, sem que ele nem mesmo levantasse a voz para mim, quanto mais  encostasse-me a mão. Em 1.960 migrei para São Paulo, a fim de continuar os estudos e nossos encontros passaram a ser esporádicos, nas férias de julho, já que as de janeiro eu as passava no Rio. Devo a ele muita coisa, especialmente a paixão pela leitura. Antes de “ganhar a noite”, exigia que eu lesse para ele. Começamos por Conan Doyle e navegamos por A. J. Cronin, Vitor Hugo até chegar a Eça de Queiróz, paixão que nos uniu para sempre, tanto que, antes de morrer, presenteou-me com as obras completas do “pobre homem de Póvoa de Varzim”. Muita vez eu tropeçava em palavras, então inusitadas para mim, ou em  conceitos do autor, que ele, didaticamente, me esclarecia. E não era mecânica leitura. Como se eu merecesse diálogo, ele discutia comigo comportamento dos personagens e solicitava minha opinião sobre a trama. Intelectualmente falando, se sou alguma coisa, devo a ele, como devo a ele a incontida paixão por cachorros, tantos os tivemos, inclusive os abandonados na rua. Olho para traz e imagino as agruras materiais daquele homem que,  com salário de gerente de banco, manteve, com extrema dignidade, esposa, 8 filhos, 4 sobrinhos e qualquer do povo que entrasse, porta sempre aberta, nas horas de refeição. Atormentado por doenças variadas desde sua juventude, não me lembro de ouvir dele lamúrias ou imprecações contra os da terra ou do céu. Hoje, além de guardá-lo na memória, tenho-o na fotografia da parede ao lado, seu último natal conosco. Não sei se vou encontrá-lo, quando também partir, mas, já carrego comigo os abraços e beijos que não nos demos, em vida. Logo mais, na missa, vou me desculpar com ele, pelos erros cometidos, por não ter sido quem ele gostaria que eu fosse. Com certeza, derramarei algumas lágrimas, pelo afeto, que não demonstrei, por, em qualquer dia, por qualquer motivo, não lhe foi dito: “pai, te amo!”.

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