Com a 4ª feira de cinzas, inaugura-se o mais importante
período sacro, para toda a cristandade. Jesus, após pregar “a verdade e a vida”, iniciou seu périplo
em direção a Jerusalém, onde viverá o sofrimento do calvário e a gloria da
ressurreição. Neste período quaresmal, a Igreja Católica, propõe-nos o jejum, a
oração e a caridade e, através do Evangelho de Mateus, (6,16-18) Cristo ensina-nos
a executar tais tarefas de modo contido, tendo Deus, como único espectador,
pois só ele pode nos dar a recompensa. Jejuar, com alegria; orar, com profunda
reflexão e partilhar, sem trombetas.
Qual o significado desses 03 atos? O que ganhamos, praticando-os?
Ouso dizer que neste período quaresmal estamos mais próximos de Cristo, de sua
teimosia em nos mostrar o caminho a seguir. Cristo, o divino, que expulsa
demônios e cura doentes, mas, também, Cristo, feito homem, a suportar
angustias, calunias e até a delação premiada de Judas. A que Cristo preferimos?
E mais: como temos retribuído todo o sacrifício feito por nós? Cristo exortou a
quem quisesse segui-lo que envergasse sua propria cruz. Por óbvio, não
pretendeu ele que nos vergássemos sob o peso do madeiro. Nossa cruz, a cruz que
ele nos propõe, é feita do desinteresse, com a qual somos tratados, quando
chegamos à velhice; com as injustiças que tornam longevos, quando não inúteis
nossos pleitos; o desengano, advindo de quem imaginávamos nos amar; a indiferença
dos que tem a obrigação de prover a coisa pública e que nos faz, a todos nós,
vitimas de administrações corruptas e inconsequentes. Todavia, não somos apenas
vitimas, carregadores de cruzes. Somos, com muito mais gravidade, algozes, que
espancam suas vitimas, fazendo-as vergar e sangrar, pela nosso egoísmo, que
nada enxerga, senão a nós mesmos. Quantas vezes pensamos, não querendo ver, a
mão estendida. Quantas vezes, escondendo a trava que obstrui nossos olhos,
apontamos para o cisco, que oprime nosso semelhante e, injetados pelo ódio,
gritamos “eu acuso!”. A criança
desnuda, que assalta, na esquina, não é problema nosso! O velho, que dorme, sob
pedaços de papelão, nas calçadas infectas, não é problema nosso! A mãe, que se
enrosca na fila do hospital, filho no colo, na esperança de atendimento medico,
não é problema nosso! Sem mudar de feição, trocamos de canal, que nos mostra
jovens serem trucidados na Siria, fugitivos da miséria e do horror de uma
guerra estúpida, para outro canal, que nos exibe um “big brother”, onde as pessoas se obrigam a exporem suas mazelas
morais, em troca de prêmios.
Afinal, a que reflexão nos propõe a quaresma? Com o jejum,
privamo-nos de algum alimento, que não nos faz falta, mas, por que não nos
lembrar dos desvalidos, a quem esse alimento, minimamente, saciaria a fome? Com
a oração, devotamente pronunciada, aproximamo-nos, pouca coisa mais, de
Deus-Pai e de Deus-Filho, mas por que não rezar pelos perseguidos,
brutalizados, e mortos, por causa de sua crença? Com a caridade, imitamos
Cristo, na ultima ceia, partilhando o pão! Por que não tirarmos do armário a
roupa, de pouca ou nenhuma serventia e, sem trombetas e holofotes, distribuí-la
aos necessitados? Por que não levar o leite e o pão à mãe que nos exibe o
esquálido filho? Olhemos nossas mãos! Além, muito além do afago, foram elas
feitas para o maior dos afetos que é o dar, sem desejar nada em troca, nem
mesmo um constrangido “obrigado”.
Pelo menos na quaresma, sejamos menos “nós” e mais “todos”. Por
certo, sentir-nos-emos melhor, porque, mesmo que não percebamos, Deus está “escondido” e ficará feliz por nos ter
feito a sua imagem e semelhança.
Nenhum comentário:
Postar um comentário