segunda-feira, 6 de março de 2017

A pichação e seus infortúnios



A respeito das pichações que têm atormentado o Prefeito João Doria, em seu afã de transformar nossa Capital em cidade, visualmente decente, tenho historia para contar. Faz uns três anos, Haddad era prefeito, fui procurado por um senhor, residente no “Jardim Lusitânia”, que fica nas imediações do Parque do Ibirapuera, e onde predominam casas de alto padrão. Local de “caixa alta”. Ele já era cliente antigo, proprietário, junto com o irmão, de uma das mais badaladas franquias de pizzarias do Estado que, inclusive leva seu carinhoso chamamento de infância. Pessoa alegre, de bem com a vida, bebedor e conhecedor de vinho, quando me procurava, sempre trazia uma garrafa de bom italiano, sobre cujas qualidades dissertava. Naquele dia, chegou de mãos vazias e com olhar sombrio. Com voz tremula e olhos marejados já chegou contando que matara um homem, fato inconcebível para mim, que convivia com sua doçura. Depois da água e do café, pouco mais calmo, contou-me o sucedido: como era noite de pôquer entre amigos, chegou em casa, madrugada avançada, rua deserta e em semi escuridão. Quando virou a esquina, meio quarteirão de sua casa, viu um homem, escalando o muro, quase do lado de dentro. Lembrou da esposa e filho, provavelmente dormindo, em hora tão tardia. Não pensou duas vezes: apanhou o revolver que, no transito, sempre deixava ao alcance da mão, e disparou, meio às cegas, contra o invasor que, com o impacto da bala, caiu na rua. Carregava, consigo, pequeno balde com piche, que se misturou ao sangue. Não carregava qualquer arma e, por certo, seu único objetivo era sujar o imaculado muro amarelo que fronteava a casa. Apavorado, ligou para um Delegado, amigo de longa data, que o orientou a sair do local, imediatamente. Dali para frente, ele, Delegado, assumia o problema. Foi para a casa do irmão, na região de Santo Amaro, onde chegou em pranto convulso. Coisa de italiano! Ali ficou por 02 dias, até ser orientado, pelo amigo Delegado, a se apresentar, no Distrito Policial do bairro, mas que o fizesse acompanhado de advogado. E para isto estava em meu escritório. Liguei para a Delegacia, combinando o horário da apresentação, sem imprensa para fazer sensacionalismo. Estabelecemos a óbvia linha de suas declarações; ele tinha todo o direito de imaginar que sua casa estava na iminência de ser invadida, colocando em risco seus familiares. Ao atirar, exerceu o que, em direito, chama-se “legítima defesa putativa”, aquela em que, por razões objetivas, é licito imaginar-se na iminência de sofrer injusta agressão. Alias, “putativa” vem do verbo latino “putare”, que significa, exatamente, julgar-se, imaginar-se. O inquérito foi instaurado, virou processo, mas meu cliente amigo nem foi a júri, absolvido, ainda, na primeira fase. O Promotor ainda recorreu, mas o Tribunal confirmou a absolvição, que recebe o nome técnico de “impronuncia”. Meu amigo, todavia, calabrês efervescente, precisou de varias sessões de terapia, para apascentar a culpa, que não teve. Não se acalmou enquanto não descobriu os pais da vítima, a quem, anonimamente, enviou gorda mala de dinheiro. Se não podia devolver-lhe o filho, pelo menos supriu suas necessidades.
Vivemos tempos cada vez mais perigosos e o estimulo a pichadores pode trazer consequências danosas, como a aqui narrada: pais, que perderam o filho e um homem bom e justo, que passou a viver com a alma atormentada. Por isso, saúdo o Prefeito João Doria!

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