Uma história (verdadeira) de
superação
Ao lado do prédio, onde funciona meu escritório, localiza-se
uma “clinica de massagem”, eufemismo
que se usa para... vocês sabem o quê. O manobrista, acima de tudo, é perfeito
relações públicas: oferece balas às crianças, que passam acompanhadas de sua
mães; ajuda os velhos a atravessarem a avenida, carregando-lhes suas compras.
Ficamos amigos. Um dia, precisou ele de meus serviços – regularização de
documentos – e eu o atendi, graciosamente, tantas as gentilezas que ele me faz,
estacionando o carro de meus clientes. De outra feita, pediu-me para atender
parente da recepcionista do “estabelecimento”.
Essas coisas de casamento mal terminado. Resolvido o problema, fui presenteado
com um litro de uísque, apreciador do liquido que sou. Algum tempo depois,
perguntou-me ele, meio constrangido, se eu atenderia uma das “massagistas” da casa. Dia e hora
marcados, recebo – chamêmo-la por nome fantasia – Milena. Loura, olhos claros,
nem alta, nem baixa. Como ainda não estava “produzida”
para a jornada, que começaria logo mais, não pude avaliar se era ou não bonita.
Parêntesis para informar que a casa começa a funcionar às 02 da tarde e vai até
às 10 da noite, mas o movimento atinge seu ápice ao cair da tarde, quando
carros de alto luxo inundam o estacionamento. A freqüência é essencialmente de
“orientais”. (Uso esse termo, porque
jamais consegui fazer a distinção entre japonês, coreano e chinês). Mas,
voltemos a Milena. Não tinha nenhuma questão jurídica, a resolver. Primeiro,
falou um pouco de sua vida. Era do interior, onde deixara uma filha, fruto de
aventura, ou melhor, desventura amorosa e viera tentar a vida, em São Paulo. A
mesma história de sempre: sem qualquer qualificação profissional, só
sub-emprego, cujo salário não dava para se manter e ainda ajudar na mantença da
filha. Daí a se transformar em “garota de
programa” foi um pulo. Tinha 19 anos então, mas a cabeça boa, sabia que
aquela vida não poderia ser para sempre. Fez vestibular e, sem muito esforço,
formou-se em Direito. Como tinha razoável poupança, deu um tempo em sua
atividade e foi trabalhar em escritório de advocacia. Salário pouco, mas ganhou
alguma experiência. De quando em vez, ainda fazia algum “programa”, para reforçar o caixa, cuja poupança se esvaía. Dois
anos depois, concluiu que a advocacia não lhe traria grande futuro, as despesas
da filha crescendo e muito mais a vontade de tê-la junto a si. Resolveu, então,
fazer concurso para carreira jurídica (que, por óbvio, não vou dizer qual). Largou
o escritório e arranjou emprego, aqui ao lado: garantia a renda, de que
necessitava e lhe sobrava tempo – o período da manhã – para se preparar para o
tal concurso. Estudava todos os dias, das 06 às 11 horas, mas sentia que andava
em circulo, o estudo não rendia, por isso queria conversar comigo, até porque o
advogado, com quem trabalhara, desconhecia essa sua outra, digamos, atividade.
Sugeri-lhe que fizesse um cursinho e até indiquei um, além de uma forma mais
organizada de estudar: não mais que dois livros, por assunto e relacionei
alguns. “Milena” se foi e eu me
esqueci do assunto. Essa conversa foi no começo do ano. Sexta feira, saio do
escritório e sou abordado pelo amigo, manobrista do estabelecimento. Entrega-me
um pacote, embrulhado para presente. Abro-o: um uísque de muitos anos, com um
cartão: “Obrigada por seus conselhos.
Passei, tomo posse na próxima semana, abraços, Milena.” Pensei comigo: será
excelente profissional, porque, além de determinada, conheceu, nas agruras da
vida, a miserável condição humana. E, sem saber porque, adaptei o cancioneiro
popular: “qualquer dia, qualquer hora, a
gente se vê, Milena, seja onde for.” E, nesse dia, eu, com toda a
reverencia e, provavelmente, com emoção, a chamarei de “Excelência.”
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