segunda-feira, 13 de outubro de 2014

Uma história (verdadeira) de superação
Ao lado do prédio, onde funciona meu escritório, localiza-se uma “clinica de massagem”, eufemismo que se usa para... vocês sabem o quê. O manobrista, acima de tudo, é perfeito relações públicas: oferece balas às crianças, que passam acompanhadas de sua mães; ajuda os velhos a atravessarem a avenida, carregando-lhes suas compras. Ficamos amigos. Um dia, precisou ele de meus serviços – regularização de documentos – e eu o atendi, graciosamente, tantas as gentilezas que ele me faz, estacionando o carro de meus clientes. De outra feita, pediu-me para atender parente da recepcionista do “estabelecimento”. Essas coisas de casamento mal terminado. Resolvido o problema, fui presenteado com um litro de uísque, apreciador do liquido que sou. Algum tempo depois, perguntou-me ele, meio constrangido, se eu atenderia uma das “massagistas” da casa. Dia e hora marcados, recebo – chamêmo-la por nome fantasia – Milena. Loura, olhos claros, nem alta, nem baixa. Como ainda não estava “produzida” para a jornada, que começaria logo mais, não pude avaliar se era ou não bonita. Parêntesis para informar que a casa começa a funcionar às 02 da tarde e vai até às 10 da noite, mas o movimento atinge seu ápice ao cair da tarde, quando carros de alto luxo inundam o estacionamento. A freqüência é essencialmente de “orientais”. (Uso esse termo, porque jamais consegui fazer a distinção entre japonês, coreano e chinês). Mas, voltemos a Milena. Não tinha nenhuma questão jurídica, a resolver. Primeiro, falou um pouco de sua vida. Era do interior, onde deixara uma filha, fruto de aventura, ou melhor, desventura amorosa e viera tentar a vida, em São Paulo. A mesma história de sempre: sem qualquer qualificação profissional, só sub-emprego, cujo salário não dava para se manter e ainda ajudar na mantença da filha. Daí a se transformar em “garota de programa” foi um pulo. Tinha 19 anos então, mas a cabeça boa, sabia que aquela vida não poderia ser para sempre. Fez vestibular e, sem muito esforço, formou-se em Direito. Como tinha razoável poupança, deu um tempo em sua atividade e foi trabalhar em escritório de advocacia. Salário pouco, mas ganhou alguma experiência. De quando em vez, ainda fazia algum “programa”, para reforçar o caixa, cuja poupança se esvaía. Dois anos depois, concluiu que a advocacia não lhe traria grande futuro, as despesas da filha crescendo e muito mais a vontade de tê-la junto a si. Resolveu, então, fazer concurso para carreira jurídica (que, por óbvio, não vou dizer qual). Largou o escritório e arranjou emprego, aqui ao lado: garantia a renda, de que necessitava e lhe sobrava tempo – o período da manhã – para se preparar para o tal concurso. Estudava todos os dias, das 06 às 11 horas, mas sentia que andava em circulo, o estudo não rendia, por isso queria conversar comigo, até porque o advogado, com quem trabalhara, desconhecia essa sua outra, digamos, atividade. Sugeri-lhe que fizesse um cursinho e até indiquei um, além de uma forma mais organizada de estudar: não mais que dois livros, por assunto e relacionei alguns. “Milena” se foi e eu me esqueci do assunto. Essa conversa foi no começo do ano. Sexta feira, saio do escritório e sou abordado pelo amigo, manobrista do estabelecimento. Entrega-me um pacote, embrulhado para presente. Abro-o: um uísque de muitos anos, com um cartão: “Obrigada por seus conselhos. Passei, tomo posse na próxima semana, abraços, Milena.” Pensei comigo: será excelente profissional, porque, além de determinada, conheceu, nas agruras da vida, a miserável condição humana. E, sem saber porque, adaptei o cancioneiro popular: “qualquer dia, qualquer hora, a gente se vê, Milena, seja onde for.” E, nesse dia, eu, com toda a reverencia e, provavelmente, com emoção, a chamarei de “Excelência.


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