quarta-feira, 29 de outubro de 2014

O Ocaso da Megera

Fazia dois anos que “Mama Doc” assumira a Presidência de Bananil e as coisas não podiam ir pior. A inflação crescente, a falta de gêneros alimentícios, as denúncias, quase diárias, de corrupção vinham provocando constantes manifestações de rua, estimuladas pelos governos estaduais, quase todos de oposição a ela. Nem mesmo contava com o apoio dos Sindicatos, incapazes de controlar a onda de desemprego. Para tornar péssimo o que já estava ruim, o Ministério Público descobrira contas no exterior e empresas fantasmas em nome de seus principais auxiliares, inclusive de seu guru, o homem que a tirara do limbo e que morrera um mês atrás, vítima de um câncer, que nunca conseguira extirpar. A conta secreta veio à tona pela insatisfação de uma amante do falecido, excluída da divisão do bolo. Logo ela, que correu mais riscos, arrecadando junto a fornecedores do governo! Deitada, à beira da piscina, naquela ensolarada manhã de domingo, Mama Doc lia a revista semanal, que trazia novas denúncias de corrupção. Seu assessor de comunicação, Franco Escobar, já a avisara sobre as denúncias e insistiu com a idéia de, antes da edição, ir para a rua, “empastelar” a editora. Ela não autorizara, não queria a imprensa internacional caindo de pau sobre ela. Para completar suas preocupações, ainda havia a história de traição de seu amante, Dante Mercado. Seu serviço secreto lhe informara que ele estava tendo um caso com uma jornalista que cobria o Palácio. Mostraram-lhe o retrato da moça, de biquíni, em uma praia do nordeste. Morena, alta, coxas torneadas, seios apontados para o alto. Instintivamente, passou a mão pela barriga proeminente, seios quase encostados. Pensou em demitir Dante, que ele fosse curtir a amante jovem às custas de outro, mas, pensando bem, ele era o único escudeiro fiel, que lhe restara e os prazeres da cama, de larga data, não lhe despertavam mais interesse. Na verdade, quase nenhum prazer lhe restava. Afora as vantagens do poder, o salamaleque dos puxa-sacos, o tripudiar sobre os subalternos, não ter que pagar contas, estava cansada de tudo. Das reuniões inúteis, dos ataques da oposição, a exigir sua renúncia, o que não seria má idéia, largar aquela chatice e terminar seus dias, naquela casa de praia, que ganhara daquela construtora, amiga do Dante. Mas iria resistir, era mulher de luta, sempre fora. Sozinha, naquele silencio sepulcral, já tendo bebido quase uma garrafa de vinho, ela dormiu profundamente. De repente, acordou com falta de ar, braço formigando e uma crescente dor que comprimia o peito. Quis gritar, mas a voz calou-se na garganta. Uma hora depois foi encontrada morta, enquanto, no braço da cadeira, um passarinho, da espécie “brasilis”, gorjeava, alegremente.

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