Rodolfo, meu politizado pastor alemão, andava de um lado para
o outro, quando cheguei, em casa, à noite. Algo estranho acontecera, pois seu
hábito era saudar-me, efusivamente, pulando em minha roupa e mordendo, com
carinho, minhas mãos. Nem precisei perguntar, ele foi logo se abrindo: - ‘’Você
viu o noticiário, hoje? O Ministério Público Federal vai investigar a morte do
Marighela.’’ Enquanto Nara, que odeia política e assuntos afins, refugiava-se
no fundo da garagem, tratei de encerrar o assunto: -‘’Estou cansado, Rodolfo e
sem paciência para papo furado. Marighela morreu lá se vão quase 50 anos, era
terrorista sanguinário, iludiu centenas de jovens e, além do mais, a lei da
anistia apagou todos os crimes cometidos à época, de ambos os lados. E com
tantos traficantes internacionais, soltos por aí, contrabandistas, pedófilos,
lavanderias de dinheiro, por que o Ministério Público Federal iria se preocupar
com Marighela?’’ – ‘’Não sei – ganiu Rodolfo -, mas um tal Andrey Borges,
respeitado Procurador da República, diz que sua obrigação, sendo Procurador, é
procurar a verdade, saber porque o mataram, como e onde.’’ – ‘’Você bebeu o
resto de cerveja, deixado nas latinhas de fim-de-semana, ô Rodolfo? Nunca ouvi
tanta bobagem! Qualquer imbecil sabe que Marighela, no final dos anos 60,
fundou uma organização terrorista, chamada ‘’Ação Libertadora Nacional’’, que
não libertou nada, porque não tinha armas, nem apoio popular e, com o auxílio
dos Padres dominicanos, o Delegado Fleury armou uma emboscada para ele e o encheu
de bala, ali na Alameda Casa Branca. Quem não viveu aquela época, pode
consultar os livros de historia. O que mais quer saber esse Procurador? Fleury,
o chefe da operação, já morreu e, muito provavelmente, os demais policiais, que
dela participaram. E, quanto ao crime, está duplamente prescrito, tanto pelo
Código Penal, quanto pela já citada lei da anistia. O Procurador falou que este
tipo de crime não prescreve, por que é crime contra a humanidade? Balela! E as
dezenas de pessoas que Marighela matou, em assaltos a banco, não pertencem à
humanidade? É mais um Procurador da República, querendo aparecer. E, além do
mais, o Supremo Tribunal Federal já liquidou o debate sobre o assunto, mandando
essas ações para o arquivo.’’
Enquanto eu falava, já no alto da escada, Rodolfo, em
absoluto silencio, olhava-me, abaixado, cabeça entra as patas. Sinal que estava
amedrontado. – ‘’Desculpe, chefe, não quis irritá-lo, apenas puxar conversa.
Você sabe, né, fico, aqui, na frente, tomando conta da casa, a Nara sempre de cara
amarrada, avançando no pobre do carteiro, do entregador de comida. Fico muito
sozinho!’’ – ‘’Tudo bem, Rodolfo. Vou trocar de roupa e iremos dar uma volta no
parque. Sem ressentimentos!’’
E ele, suavemente, passou a cabeça pelas minhas mãos, como a
se desculpar por tão desagradável assunto.
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