Sentado no bar do ‘’flat’’, Pedro Paulo mexia o gelo do copo,
com o dedo, enquanto esperava a mulher, que preencheria seu tempo muito e
consumiria sua energia pouca. Era a primeira vez, em mais de 40 de ativíssima
vida sexual, que pagaria por uma transa. Sempre tivera a mulher que quisera e,
até muitas, apenas pelas circunstancias de momento e sobre as quais não
demonstrara qualquer interesse. Fora, assim, desde os 15 anos, quando entregou
sua virgindade a Luzia, mulata de coxas alongadas, que trabalhava na casa de
sua tia. Cobiçada por muitos, que desprezava, um dia, arrastou Pedro Paulo para
seu minúsculo quarto e iniciou-lhe na arte da cama. Em dois anos, de fugas
constantes, com Luzia fez mestrado e doutorado, em sexo. Luzia foi despedida,
sumiu no mundo, Pedro Paulo rendeu-lhe onâmicas homenagens, mas depois resolveu
que era hora de soltar as amarras, até porque a vida não era feita só de Luzia.
Aos 17 anos conheceu Valéria, coroa de seus 30 anos. Tomava sorvete, em
sorveteria do shopping e a mulher, sentada, sozinha, na mesa defronte, não
tirava os olhos dele. Não era bonito, nem feio, tinha um jeito comum aos
rapazes de sua idade, mas era revestido de aspecto meio triste que ‘’despertava
o instinto maternal nas mulheres’’, como o definiu, mais tarde, a propria
Valéria, para cuja mesa passou, depois de, por quase um ano, transferir-se para
a sua cama. Recém-separada de um milionário, dono de famosa malharia, Valéria
morava com o filho, em magnífico apartamento, na Avenida Angélica. O filho –
viadíssimo – jamais foi empecilho para as noitadas, regadas a vinho branco. No
apartamento da Avenida Angélica, conhecera Vanny, amiga da Valéria e passou a
transar com as duas, separadamente ou em conjunto. Vanny era desvairada por
sexo e, depois de meia garrafa de uísque, qualquer lugar era lugar, inclusive
cubículo de banheiro feminino. No começo dos anos 70, País em ebulição,
repressão comendo solto, Pedro Paulo ingressou na Faculdade de Direito do Largo
de São Francisco. Não tinha ele convicções políticas determinadas e, desde que
não se lhe tirassem os privilégios, qualquer governo era bom. Filho de pais
classe média, viera do interior para estudar em São Paulo. Nos primeiros anos,
recebia pequena mesada, suficiente para os gastos, inclusive o aluguel de um
quarto e sala, que dividia com 3 colegas, em colorido prédio, defronte à Câmara
Municipal. Quando estava no 2° ano, seu pai morreu, a mesada minguou e, ele
achou que já estava na hora de correr atrás da vida. Arranjou estágio, em
importante escritório, especializado na área empresarial. Dedicado e
responsável, caiu no gosto do titular do escritório, que fez dele o filho, que
não tivera, e, depois, seu sucessor. No escritório, conheceu Sandra, por cujas
coxas se apaixonou, antes de se apaixonar por ela, sem, todavia, dar-lhe
exclusividade na cama, porque havia Cecília, Luana, Maria Clara e tantas
outras, cujo nome não conseguia lembrar. Mas Sandra também não era mulher de um
só homem e, quando ele descobriu isto, descobriu, também, a famosa dor de
corno. Sandra ainda quis confortá-lo: -‘’amor, o importante não é ser o único,
é ser o preferido e este é você’’! Mas o cristal estilhaçara-se e talvez tenha
sido a causa definitiva de jamais ter conseguido, depois de Sandra, ter se
entregado, inteiramente, a outra mulher. Como o ressentimento, pensava ele, o
desamor é coisa de momento, são chuvas de verão e seguiu em frente e houve
Beatriz, Helena, Virna... até que, um dia, constatou que chegara aos 50.
Financeiramente independente, profissionalmente respeitado, mas só, vazio
aquele espaço interior, quer ardia, dolorido, quando a noite chegava. Os
amigos, disponíveis como ele, cheiravam o guardado, corpos velhos em mentes
velhas, a falarem de um tempo, que não mais existia e que lhes levara a vida,
bueiro a dentro. Porisso e pela tristeza, que lhe dera as mãos, foi se
isolando, dividindo-se entre o trabalho diurno e o uísque noturno. Sua agenda
de telefones, agora eletrônica, emagrecera: poucos nomes de parentes, muitos de
clientes e quase nenhum de mulher. Adquirira o estranho e lúgubre hábito de, ao
cair suas tardes de sábado e domingo, passear pelas alamedas dos principais
cemitérios da cidade, lendo as mensagens, gravadas nos túmulos. Foi em um
domingo assim: depois de sair do cemitério do Araçá, resolveu caminhar até a
Avenida Paulista, ocupada por feira de artesanato, ambulantes e camelôs, de
todo o gênero. Ao atravessar a ‘’Dr. Arnaldo’’, um carro parou a seu lado. A
motorista, morena, qualquer coisa entre 30 e 40, buscava informação de como
chegar à Marginal Pinheiros. Como usava ela minúsculo short branco, Pedro Paulo
não deixou, sem olhar pedinte, de constatar a rigidez das coxas. Quando se
despediam, a mulher, sorriso quase obsceno, comentou, apontando para as
próprias coxas: - ‘’gostou?’’ Ele apenas sorriu e ela, estendendo-lhe um cartão
de visita, arrematou: ‘’gostei de você. Se quiser vê-las mais de perto,
telefone-me.’’ Pedro Paulo, ego intumescido, por se sentir desejado por mulher
tão mais jovem, guardou o cartão no bolso e deixou seguir seu dia. À noite,
quando foi guardar a calça usada, o cartão caiu do bolso. ‘’Por que não?’’,
perguntou a si mesmo e, ato continuo, teclou o número: ‘’oi, tudo bem? Aqui é
seu GPS de hoje cedo. Podemos nos ver?’’ – ‘’Legal você me ligar, mas hoje não
dá, pode ser amanhã, qualquer hora. Só tem uma coisa: são mil reais, período de
três horas, serviço completo.’’ Então era garota de programa! Nada de atração,
interesse. Olhou-se no espelho, sentiu-se ridículo, pelos brancos cobrindo-lhe
o peito, olhos embaçados, pele salpicada de manchas senis, como podia ter
imaginado que uma mulher jovem pudesse se interessar por ele? Nunca pagara para
transar, mas há sempre uma primeira vez para tudo. Lucienne – este era o nome
que dizia ter, mas que diferença fazia? – encontrou-o, no terceiro uísque e o
acompanhou até o 5º, depois subiram para o apartamento. A de nome Lucienne,
assim, com dois ns, esmerou-se para desempenhar seu papel, mas ele, diminuído
pela sua história, sentiu-se medíocre. Quando ela se despediu, com apressado
beijo e bateu a porta, ele se jogou no sofá, sentindo todo o peso do mundo, o
ponto final de seu orgulho. E, como não poderia haver amanhã, ele abriu a
janela e voou.
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