segunda-feira, 17 de outubro de 2016

Considerações superficiais sobre o projeto-de-lei que trata do abuso de autoridade.


Anuncia-se que o Senado Federal retomará o debate sobre o projeto-de-lei, tendo como objetivo coibir o abuso de autoridade, inclusive punindo agentes públicos, que se exacerbarem no exercício de suas funções. Dois pontos do projeto têm sido atacados, principalmente pelos integrantes da ‘’operação lava jato’’, que vê neles forma de inibir investigações e punir os responsáveis pelo formidável desvio de recursos públicos, que provocou a crise político-institucional vigente. Pode-se questionar a oportunidade – ou o oportunismo – da ressurreição do projeto, já que seu relator, Senador Romero Jucá, é citado em várias delações premiadas, como beneficiário da ‘’petropropina’’, todavia, sua relevância é indiscutível, uma vez que sedimentará importante principio, esculpido em nossa Constituição, qual seja o da ‘’presunção da inocência’’. O primeiro ponto do projeto, que vem sofrendo acirradas criticas, é o que proíbe a divulgação dos atos investigatórios, antes de instaurada a ação penal, isto é, na fase do Inquérito Policial. Na verdade, o sigilo das investigações já se encontra explicitado no artigo 20 do Código de Processo Penal: ‘’a autoridade assegurará no inquérito policial o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da sociedade’’. O inquérito policial, de natureza administrativa, objetiva apurar se houve o crime (materialidade) e quem o praticou (autoria). O sigilo, assim, possibilitará a justa identificação desses dois elementos, emitindo, tão somente, juízo de realidade. Como, ainda, não há acusado, o sigilo das investigações preserva o investigado de apriorístico  juízo de valor, condenatório ou absolutório, a se erigir no curso da ação penal, revestida pela ampla defesa do acusado. Daí pode-se afirmar que o sigilo das investigações constitui corolário do principio constitucional da presunção da inocência. De se concluir que, neste ponto, o projeto apenas confirma, talvez com mais higidez, o que já se encontra previsto, de larga data, em nossa lei processual penal, evitando que o investigado, na fase em que é mero suspeito, seja exposto à execração pública, pela divulgação dos fatos investigados. Lembremos que o Ministro Teori Zavascki já criticou, publicamente, o que chamou de ‘’espetacularização’’ de atos investigatórios da lava-jato que, se rendem dividendos à mídia, colocam em desequilíbrio a segurança jurídica do cidadão, seja ele quem for.
O segundo ponto, fortemente atacado, principalmente pelo Ministério Público Federal, é o impedimento, estabelecido pelo projeto, de se constranger o depoente, ameaçando-lhe ou, até mesmo, decretando-lhe a prisão, caso não promova ele a delação, nos termos pretendidos por quem investiga. Também, aqui, o projeto nada inova e, em boa hora, procura conter os excessos das autoridades policiais e judiciais. Com efeito, nos exatos termos do artigo 206 do Código de Processo Penal, ‘’a testemunha não poderá eximir-se da obrigação de depor’’ e, se faltar  com a verdade, poderá ser processada por falso testemunho (CPP, art. 211.) A condução coercitiva de testemunha, tal qual vem sendo executada pela operação lava jato, não encontra amparo em nossa legislação processual penal, já que, a teor do disposto no art. 218, a condução coercitiva, somente será determinada pelo Juiz, ‘’se, regularmente intimada, a testemunha deixar de comparecer, sem motivo justificado.’’ Em linguagem simples: a condução coercitiva da testemunha tal como vem sendo executada, pode caracterizar abuso de autoridade, a menos que ela, ‘’regularmente intimada, deixou de comparecer, sem motivo justificado’’.
 Finalmente, nunca é demais repetir, a prisão temporária, seja na modalidade provisória, seja na preventiva, é medida excepcional, que somente pode ser decretada nas hipóteses elencadas no artigo 312 do Código de Processo Penal e, exauridas as causas que a determinaram, exigem a imediata libertação do preso que apenas voltará à prisão, se confirmada sua condenação, em segunda instancia. Afastar-se deste regramento legal, é ato de arbítrio, que merece ser repelido.

A sociedade brasileira vive momentos de encantamento pela operação lava-jato, face aos inusitados resultados alcançados. Todavia, tais resultados não colocam seus operadores acima da lei. Enquanto a lava jato avança, milhares de outros processos tramitam e a busca da verdade, para condenar ou absolver, só pode resultar da prova produzida dentro dos princípios legais, que caracterizam o Estado de Direito. É a garantia de todos nós! 

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