sexta-feira, 21 de outubro de 2016

Despedida, com gosto de adeus


De tempo em tempo, adquiri o hábito de tirar férias das pessoas, das coisas e dos lugares que gosto e que fazem parte de meu cotidiano. Acho isto importante, para que eu não me canse delas e elas, os lugares, pessoas e coisas não se cansem de mim. Liga-me amiga querida e, por uma semana, não a atendo, peço para dizer que viajei, ou outra desculpa esfarrapada  qualquer. Tempos depois, sinto sua falta, sua risada larga, ligo para ela e ficamos jogando conversa fora. Moro ao lado de um parque que freqüento, com assuidade, desde quando por lá me instalei. Pois, às vezes, vejo-me compelido a me fazer ausente e, quando retorno, tenho a impressão – e a pretensão – que as folhas das árvores farfalham, alegremente, saudando-me, de volta. O mesmo acontece com os livros: leitor compulsivo – até por falta de melhor e saudosa opção – leio, simultaneamente, dois, por semana, um de ficção, outro, via de regra, de história, sem contar os de Direito, tediosa obrigação. Todavia, de quando em vez, deixo-os, repousando em paz e fico, a nada fazer, arrumando papeis velhos, roupas velhas, vendo filmes dos anos 80, ou, até mesmo, a primeira versão da ‘’Escolinha do Professor Raimundo.’’ Agora, resolvi que meu período ‘’sabático’’ será o de escrever aqui. Tudo bem, sei que meus escritos são mancos e que falta não farão. O problema é a ausência de assuntos novos, o que periga em auto-fulanizar a conversa, falar do meu cansaço, físico e mental, de minha desesperança, em relação ao mundo, ao Brasil e a mim mesmo, ainda esperando, como diria o Pessoa, que se me abra porta, ao pé de parede sem porta. Junto tudo isto, encolho os dedos e, por tempo indefinido, dou paz a todos. Qualquer dia, qualquer hora, a gente se fala, sobre a reforma, que não virá, sobre o despotismo, que não se vai e, até mesmo para contar historias do cotidiano, historias que ouço e vivo.

Até mais! 

quarta-feira, 19 de outubro de 2016

Pequena ode a um grande amor





Amei-te, desde a primeira vez que te vi, imponente, iluminada, absurdamente superior a mim, rústico e envergonhado caipira, que ousou pousar os olhos em ti. Segui te amando, com mais fervor, quando me permitis-te tomar-te pelas mãos e percorrer teu corpo, dos pés à cabeça, indo e vindo, como batuta de canhestro maestro. E maior foi meu muito querer, quando, por não poder ficar contigo e em ti, repousei meu corpo, então viril corpo, em outra, mais jovem, mas sem teu perfume e teu calor. Chorei, baixinho, quando te rasgaram o ventre e teu sangue, em vermelho desbotado, fez-te menos bela. Como insano, gritei teu nome, quando tu te prostituiste pela liberdade e meu grito era pouco para tanto amor. Ontem, noite chegante, miseráveis mãos, bocas rescendendo a bodum percorreram teu corpo e tu, acostumada a estes desprezíveis seres, imundos seres, tu te deixaste levar, com a grandeza dos que se sabem superior. E eu, também ali estava, não para aviltar-te, mas para mostrar-te meu incomensurável amor, Avenida Paulista, amor de todos os meus tempos.

terça-feira, 18 de outubro de 2016

Ascensão e Queda de um Garanhão



Sentado no bar do ‘’flat’’, Pedro Paulo mexia o gelo do copo, com o dedo, enquanto esperava a mulher, que preencheria seu tempo muito e consumiria sua energia pouca. Era a primeira vez, em mais de 40 de ativíssima vida sexual, que pagaria por uma transa. Sempre tivera a mulher que quisera e, até muitas, apenas pelas circunstancias de momento e sobre as quais não demonstrara qualquer interesse. Fora, assim, desde os 15 anos, quando entregou sua virgindade a Luzia, mulata de coxas alongadas, que trabalhava na casa de sua tia. Cobiçada por muitos, que desprezava, um dia, arrastou Pedro Paulo para seu minúsculo quarto e iniciou-lhe na arte da cama. Em dois anos, de fugas constantes, com Luzia fez mestrado e doutorado, em sexo. Luzia foi despedida, sumiu no mundo, Pedro Paulo rendeu-lhe onâmicas homenagens, mas depois resolveu que era hora de soltar as amarras, até porque a vida não era feita só de Luzia. Aos 17 anos conheceu Valéria, coroa de seus 30 anos. Tomava sorvete, em sorveteria do shopping e a mulher, sentada, sozinha, na mesa defronte, não tirava os olhos dele. Não era bonito, nem feio, tinha um jeito comum aos rapazes de sua idade, mas era revestido de aspecto meio triste que ‘’despertava o instinto maternal nas mulheres’’, como o definiu, mais tarde, a propria Valéria, para cuja mesa passou, depois de, por quase um ano, transferir-se para a sua cama. Recém-separada de um milionário, dono de famosa malharia, Valéria morava com o filho, em magnífico apartamento, na Avenida Angélica. O filho – viadíssimo – jamais foi empecilho para as noitadas, regadas a vinho branco. No apartamento da Avenida Angélica, conhecera Vanny, amiga da Valéria e passou a transar com as duas, separadamente ou em conjunto. Vanny era desvairada por sexo e, depois de meia garrafa de uísque, qualquer lugar era lugar, inclusive cubículo de banheiro feminino. No começo dos anos 70, País em ebulição, repressão comendo solto, Pedro Paulo ingressou na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco. Não tinha ele convicções políticas determinadas e, desde que não se lhe tirassem os privilégios, qualquer governo era bom. Filho de pais classe média, viera do interior para estudar em São Paulo. Nos primeiros anos, recebia pequena mesada, suficiente para os gastos, inclusive o aluguel de um quarto e sala, que dividia com 3 colegas, em colorido prédio, defronte à Câmara Municipal. Quando estava no 2° ano, seu pai morreu, a mesada minguou e, ele achou que já estava na hora de correr atrás da vida. Arranjou estágio, em importante escritório, especializado na área empresarial. Dedicado e responsável, caiu no gosto do titular do escritório, que fez dele o filho, que não tivera, e, depois, seu sucessor. No escritório, conheceu Sandra, por cujas coxas se apaixonou, antes de se apaixonar por ela, sem, todavia, dar-lhe exclusividade na cama, porque havia Cecília, Luana, Maria Clara e tantas outras, cujo nome não conseguia lembrar. Mas Sandra também não era mulher de um só homem e, quando ele descobriu isto, descobriu, também, a famosa dor de corno. Sandra ainda quis confortá-lo: -‘’amor, o importante não é ser o único, é ser o preferido e este é você’’! Mas o cristal estilhaçara-se e talvez tenha sido a causa definitiva de jamais ter conseguido, depois de Sandra, ter se entregado, inteiramente, a outra mulher. Como o ressentimento, pensava ele, o desamor é coisa de momento, são chuvas de verão e seguiu em frente e houve Beatriz, Helena, Virna... até que, um dia, constatou que chegara aos 50. Financeiramente independente, profissionalmente respeitado, mas só, vazio aquele espaço interior, quer ardia, dolorido, quando a noite chegava. Os amigos, disponíveis como ele, cheiravam o guardado, corpos velhos em mentes velhas, a falarem de um tempo, que não mais existia e que lhes levara a vida, bueiro a dentro. Porisso e pela tristeza, que lhe dera as mãos, foi se isolando, dividindo-se entre o trabalho diurno e o uísque noturno. Sua agenda de telefones, agora eletrônica, emagrecera: poucos nomes de parentes, muitos de clientes e quase nenhum de mulher. Adquirira o estranho e lúgubre hábito de, ao cair suas tardes de sábado e domingo, passear pelas alamedas dos principais cemitérios da cidade, lendo as mensagens, gravadas nos túmulos. Foi em um domingo assim: depois de sair do cemitério do Araçá, resolveu caminhar até a Avenida Paulista, ocupada por feira de artesanato, ambulantes e camelôs, de todo o gênero. Ao atravessar a ‘’Dr. Arnaldo’’, um carro parou a seu lado. A motorista, morena, qualquer coisa entre 30 e 40, buscava informação de como chegar à Marginal Pinheiros. Como usava ela minúsculo short branco, Pedro Paulo não deixou, sem olhar pedinte, de constatar a rigidez das coxas. Quando se despediam, a mulher, sorriso quase obsceno, comentou, apontando para as próprias coxas: - ‘’gostou?’’ Ele apenas sorriu e ela, estendendo-lhe um cartão de visita, arrematou: ‘’gostei de você. Se quiser vê-las mais de perto, telefone-me.’’ Pedro Paulo, ego intumescido, por se sentir desejado por mulher tão mais jovem, guardou o cartão no bolso e deixou seguir seu dia. À noite, quando foi guardar a calça usada, o cartão caiu do bolso. ‘’Por que não?’’, perguntou a si mesmo e, ato continuo, teclou o número: ‘’oi, tudo bem? Aqui é seu GPS de hoje cedo. Podemos nos ver?’’ – ‘’Legal você me ligar, mas hoje não dá, pode ser amanhã, qualquer hora. Só tem uma coisa: são mil reais, período de três horas, serviço completo.’’ Então era garota de programa! Nada de atração, interesse. Olhou-se no espelho, sentiu-se ridículo, pelos brancos cobrindo-lhe o peito, olhos embaçados, pele salpicada de manchas senis, como podia ter imaginado que uma mulher jovem pudesse se interessar por ele? Nunca pagara para transar, mas há sempre uma primeira vez para tudo. Lucienne – este era o nome que dizia ter, mas que diferença fazia? – encontrou-o, no terceiro uísque e o acompanhou até o 5º, depois subiram para o apartamento. A de nome Lucienne, assim, com dois ns, esmerou-se para desempenhar seu papel, mas ele, diminuído pela sua história, sentiu-se medíocre. Quando ela se despediu, com apressado beijo e bateu a porta, ele se jogou no sofá, sentindo todo o peso do mundo, o ponto final de seu orgulho. E, como não poderia haver amanhã, ele abriu a janela e voou. 

segunda-feira, 17 de outubro de 2016

Considerações superficiais sobre o projeto-de-lei que trata do abuso de autoridade.


Anuncia-se que o Senado Federal retomará o debate sobre o projeto-de-lei, tendo como objetivo coibir o abuso de autoridade, inclusive punindo agentes públicos, que se exacerbarem no exercício de suas funções. Dois pontos do projeto têm sido atacados, principalmente pelos integrantes da ‘’operação lava jato’’, que vê neles forma de inibir investigações e punir os responsáveis pelo formidável desvio de recursos públicos, que provocou a crise político-institucional vigente. Pode-se questionar a oportunidade – ou o oportunismo – da ressurreição do projeto, já que seu relator, Senador Romero Jucá, é citado em várias delações premiadas, como beneficiário da ‘’petropropina’’, todavia, sua relevância é indiscutível, uma vez que sedimentará importante principio, esculpido em nossa Constituição, qual seja o da ‘’presunção da inocência’’. O primeiro ponto do projeto, que vem sofrendo acirradas criticas, é o que proíbe a divulgação dos atos investigatórios, antes de instaurada a ação penal, isto é, na fase do Inquérito Policial. Na verdade, o sigilo das investigações já se encontra explicitado no artigo 20 do Código de Processo Penal: ‘’a autoridade assegurará no inquérito policial o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da sociedade’’. O inquérito policial, de natureza administrativa, objetiva apurar se houve o crime (materialidade) e quem o praticou (autoria). O sigilo, assim, possibilitará a justa identificação desses dois elementos, emitindo, tão somente, juízo de realidade. Como, ainda, não há acusado, o sigilo das investigações preserva o investigado de apriorístico  juízo de valor, condenatório ou absolutório, a se erigir no curso da ação penal, revestida pela ampla defesa do acusado. Daí pode-se afirmar que o sigilo das investigações constitui corolário do principio constitucional da presunção da inocência. De se concluir que, neste ponto, o projeto apenas confirma, talvez com mais higidez, o que já se encontra previsto, de larga data, em nossa lei processual penal, evitando que o investigado, na fase em que é mero suspeito, seja exposto à execração pública, pela divulgação dos fatos investigados. Lembremos que o Ministro Teori Zavascki já criticou, publicamente, o que chamou de ‘’espetacularização’’ de atos investigatórios da lava-jato que, se rendem dividendos à mídia, colocam em desequilíbrio a segurança jurídica do cidadão, seja ele quem for.
O segundo ponto, fortemente atacado, principalmente pelo Ministério Público Federal, é o impedimento, estabelecido pelo projeto, de se constranger o depoente, ameaçando-lhe ou, até mesmo, decretando-lhe a prisão, caso não promova ele a delação, nos termos pretendidos por quem investiga. Também, aqui, o projeto nada inova e, em boa hora, procura conter os excessos das autoridades policiais e judiciais. Com efeito, nos exatos termos do artigo 206 do Código de Processo Penal, ‘’a testemunha não poderá eximir-se da obrigação de depor’’ e, se faltar  com a verdade, poderá ser processada por falso testemunho (CPP, art. 211.) A condução coercitiva de testemunha, tal qual vem sendo executada pela operação lava jato, não encontra amparo em nossa legislação processual penal, já que, a teor do disposto no art. 218, a condução coercitiva, somente será determinada pelo Juiz, ‘’se, regularmente intimada, a testemunha deixar de comparecer, sem motivo justificado.’’ Em linguagem simples: a condução coercitiva da testemunha tal como vem sendo executada, pode caracterizar abuso de autoridade, a menos que ela, ‘’regularmente intimada, deixou de comparecer, sem motivo justificado’’.
 Finalmente, nunca é demais repetir, a prisão temporária, seja na modalidade provisória, seja na preventiva, é medida excepcional, que somente pode ser decretada nas hipóteses elencadas no artigo 312 do Código de Processo Penal e, exauridas as causas que a determinaram, exigem a imediata libertação do preso que apenas voltará à prisão, se confirmada sua condenação, em segunda instancia. Afastar-se deste regramento legal, é ato de arbítrio, que merece ser repelido.

A sociedade brasileira vive momentos de encantamento pela operação lava-jato, face aos inusitados resultados alcançados. Todavia, tais resultados não colocam seus operadores acima da lei. Enquanto a lava jato avança, milhares de outros processos tramitam e a busca da verdade, para condenar ou absolver, só pode resultar da prova produzida dentro dos princípios legais, que caracterizam o Estado de Direito. É a garantia de todos nós! 

sexta-feira, 14 de outubro de 2016

A urgente reforma do ensino.



Depois de tantos erros acumulados, em razão da demagógica proposta ‘’Universidade para Todos’’, iniciada no governo FHC e extremada nos 13 anos de lulopetismo, propõe-se, agora, reforma do ensino médio, o que tem gerado críticas, à esquerda e à direita. Venho de uma geração, onde o ensino era bem definido: primário (fundamental); ginásio (1° grau) e colegial ( 2º grau) e este ainda se subdividia em curso científico, voltado para a área de ciências exatas e biomédicas e curso clássico, voltado para a área de humanas. A escola era essencialmente pública e de excelente qualidade. Vindo de pequena cidade do interior, passando por escolas públicas, ingressei em colégio particular, de elevado padrão, onde fiz o curso clássico, tendo sido, modéstia a parte, excelente aluno. Sem dificuldade, como conseqüência da base adquirida, ingressei na Faculdade de Direito da PUC e na de Filosofia e Letras, da USP, ainda instalada na Rua Maria Antonia. Minha trajetória não foi exceção, ao contrário, foi caminho trilhado por todos os jovens, com objetivo definido, e a escola abria-nos esse caminho, independentemente de nossa condição sócio-econômica. O ingresso, em uma Faculdade, passava por um funil de conhecimento rigoroso, de modo que se se não estivesse adequadamente preparado, ficaria de fora. A partir de determinado ponto, alguns luminares decidiram ‘’democratizar’’ o ingresso às Universidades e, para tanto, duas caolhas medidas foram tomadas: facilitou-se a proliferação de Faculdades e abrandaram-se as exigências dos ensinos fundamental e médio. Daí para a progressiva decadência do ensino foi um pulo. Lecionei Português para alunos de 2º grau e era lamentável desconhecerem eles fundamentos do idioma, que eu e meus colegas dominavam, desde o curso primário. Assim, salvo honrosas exceções, o aluno medíocre do curso secundário, passou a ser o aluno medíocre da Universidade, que passou a ‘’vomitar’’ profissionais sem capacitação técnica para enfrentarem o mercado de trabalho. A escola pública, com a perda de qualidade, passou a ser ‘’gueto’’ dos hipossuficientes que, para ascenderem, precisaram de cotas e outros artifícios sociais, que constituem a negação da meritocracia. Agora, diante da balburdia instalada, o Governo Temer propõe-se a colocar o dedo na ferida. Mas, por onde começar? Como a destruição começou de cima para baixo, sugere-se impedir a criação de novas Faculdades e cassar o funcionamento daquelas que não têm condições de proporcionar ensino de qualidade. É inconcebível que o Brasil, sozinho, tenha mais Faculdades de Direito que todos os países do mundo, reunidos. É desastroso que o Governo, qualquer Governo, tenha autorizado a instalação de Faculdades de Medicina, em cidades do interior, onde não há nem mesmo hospitais. Enquanto isto, nossos poucos centros de pesquisas carecem de insumos essenciais e sobrevivem graças à abnegação de nossos cientistas. O ensino Superior gratuito é falácia, que deveria ser extirpada. Estatística da própria USP revela que 60% de seus alunos pertencem à classe econômica, cuja renda familiar é superior a 20 salários mínimos. A instituição de bolsas de estudo aos comprovadamente pobres, com o pagamento de mensalidades, para os que o possam, seria fórmula adequada para equipar a Universidade. Quanto ao ensino fundamental e médio outra solução não há a não ser sua total municipalização. O Estado, enquanto Unidade Federativa e a União não têm capacidade de gerir escolas espalhadas nos quase 6 mil municípios brasileiros, que é onde as pessoas vivem e trabalham, com suas diversidades sociais e culturais. O ministério da Educação e as respectivas Secretarias Estaduais deveriam ser entes meramente normativos e fiscalizadoras, respeitadas as características de cada região. Estabelecer, como regra geral, por exemplo, ‘’horário integral’’ na escola é desconhecer a necessidade de o filho menor, com o seu trabalho, ajudar na mantença da família. Outra celeuma desnecessária, que se criou, foi a concernente às ‘’disciplinas facultativas’’, a critério do próprio aluno. Como, por exemplo, tornar obrigatória a educação física, em escolas, cujo ‘’centro esportivo’’ consiste em raquítica quadra de futebol-de-salão? Por que não todas as matérias serem obrigatórias, mas com peso diferenciado, para aprovação do aluno? A reforma do ensino brasileiro é urgente e essencial e, acima de tudo, deve se distanciar de debates ideológicos e passar ao largo de interesses meramente políticos. A realidade, triste realidade, é que, em matéria de ensino, situamo-nos nos últimos degraus da escada mundial e, sem rápida e eficaz ascensão, jamais deixaremos de ser apenas País emergente. 

quinta-feira, 13 de outubro de 2016

O fantasma que aparece, mas não assusta.




Outro dia, conversando com um peso-pesado da política nacional, ex-Ministro, deputado federal por três legislaturas, surpreendeu-me ele com a informação de que, como ‘’vingança contra o País’’, que promoveu a derrocada do lulopetistmo, Lula estaria preparando uma ‘’frente de esquerda’’, para lançar Ciro Gomes, como candidato à presidência, em 2018. Achei a informação desfocada da realidade, já que Ciro Gomes é uma espécie de fantasma, na política, aparece, de quando em vez, leva umas cacetadas, submerge e, quando menos se espera, volta à tona. Mas não é que meu amigo tinha razão? Leio, hoje, que Ciro Gomes chegou atirando no Presidente Temer, em FHC, em Serra e no próprio Lula. Ciro é homem de cabeça confusa. Andou por ‘’Harvard’’ e, como provavelmente seu inglês fosse manco, não entendeu as lições, que lhe foram ministradas e suas entrevistas são puro besteirol. ‘’Filhote da ditadura’’, como se dizia antigamente, surgiu, na política, pelas mãos do então Governador, Tasso Jereissati, a mais importante liderança cearense da época. Ciro ingressou no PDS, partido do regime militar e que sucedeu à ARENA. Depois passou, literalmente, por todos os partidos, à direita e à esquerda, ocupou, de forma opaca, alguns Ministérios e, candidato a Presidente da República, sempre levando pau. Seu grande feito foi ter se casado com importante atriz, bonita, competente e que, enquanto lutava, bravamente, contra o câncer, ele a diminuiu, em um programa de televisão, dizendo que, caso fosse eleito, a ela estariam destinadas, exclusivamente, funções domésticas. Ou porisso, ou por outras razões ela o mandou passear, ele perdeu as eleições e ela continua, linda como nunca, competente, como nunca. Ciro, o fantasma de idéias confusas, ressurge, ao que consta, querendo captar as abstenções, ocupar o vácuo, deixado pelo PT e, a partir daí, pavimentar sua estrada para o Planalto. Se esta for a ‘’vingança’’, planejada pelo Lula, como me confidenciou o ilustríssimo amigo, não atingirá ninguém. O Brasil – como ensinaram as últimas eleições – mudou de rumo, não mais dando espaços para políticos de idéias velhas, independentemente da idade cronológica dos mesmos. O Estado assistencialista emite seus últimos suspiros, dando lugar ao Estado responsável, enxuto, que só gasta o que arrecada, com políticas públicas, realmente voltadas para os menos favorecidos e sem interesses eleitoreiros. Ciro Gomes representa, ainda, o velho caciquismo nordestino que, só porque tomou banho, passou perfume e vestiu ‘’jeans’’, imagina-se moderno. Parece que Ciro Gomes quer ser o Vladimir Putin tupiniquim. Até que, fisicamente, eles se parecem... e se merecem. Vade retro! 

terça-feira, 11 de outubro de 2016

Meu pastor alemão e Marighella



Rodolfo, meu politizado pastor alemão, andava de um lado para o outro, quando cheguei, em casa, à noite. Algo estranho acontecera, pois seu hábito era saudar-me, efusivamente, pulando em minha roupa e mordendo, com carinho, minhas mãos. Nem precisei perguntar, ele foi logo se abrindo: - ‘’Você viu o noticiário, hoje? O Ministério Público Federal vai investigar a morte do Marighela.’’ Enquanto Nara, que odeia política e assuntos afins, refugiava-se no fundo da garagem, tratei de encerrar o assunto: -‘’Estou cansado, Rodolfo e sem paciência para papo furado. Marighela morreu lá se vão quase 50 anos, era terrorista sanguinário, iludiu centenas de jovens e, além do mais, a lei da anistia apagou todos os crimes cometidos à época, de ambos os lados. E com tantos traficantes internacionais, soltos por aí, contrabandistas, pedófilos, lavanderias de dinheiro, por que o Ministério Público Federal iria se preocupar com Marighela?’’ – ‘’Não sei – ganiu Rodolfo -, mas um tal Andrey Borges, respeitado Procurador da República, diz que sua obrigação, sendo Procurador, é procurar a verdade, saber porque o mataram, como e onde.’’ – ‘’Você bebeu o resto de cerveja, deixado nas latinhas de fim-de-semana, ô Rodolfo? Nunca ouvi tanta bobagem! Qualquer imbecil sabe que Marighela, no final dos anos 60, fundou uma organização terrorista, chamada ‘’Ação Libertadora Nacional’’, que não libertou nada, porque não tinha armas, nem apoio popular e, com o auxílio dos Padres dominicanos, o Delegado Fleury armou uma emboscada para ele e o encheu de bala, ali na Alameda Casa Branca. Quem não viveu aquela época, pode consultar os livros de historia. O que mais quer saber esse Procurador? Fleury, o chefe da operação, já morreu e, muito provavelmente, os demais policiais, que dela participaram. E, quanto ao crime, está duplamente prescrito, tanto pelo Código Penal, quanto pela já citada lei da anistia. O Procurador falou que este tipo de crime não prescreve, por que é crime contra a humanidade? Balela! E as dezenas de pessoas que Marighela matou, em assaltos a banco, não pertencem à humanidade? É mais um Procurador da República, querendo aparecer. E, além do mais, o Supremo Tribunal Federal já liquidou o debate sobre o assunto, mandando essas ações para o arquivo.’’
Enquanto eu falava, já no alto da escada, Rodolfo, em absoluto silencio, olhava-me, abaixado, cabeça entra as patas. Sinal que estava amedrontado. – ‘’Desculpe, chefe, não quis irritá-lo, apenas puxar conversa. Você sabe, né, fico, aqui, na frente, tomando conta da casa, a Nara sempre de cara amarrada, avançando no pobre do carteiro, do entregador de comida. Fico muito sozinho!’’ – ‘’Tudo bem, Rodolfo. Vou trocar de roupa e iremos dar uma volta no parque. Sem ressentimentos!’’

E ele, suavemente, passou a cabeça pelas minhas mãos, como a se desculpar por tão desagradável assunto. 

segunda-feira, 10 de outubro de 2016

Eu, Rodolfo e as eleições cariocas, em uma manhã de domingo

Na calma da manhã de domingo, lia eu ‘’O Globo’’, tendo ao lado Rodolfo, meu politizado pastor alemão, a quem repassava as páginas lidas. Em determinado momento, ele, bem a seu estilo, ergueu-se, abruptamente e foi logo me questionando: - ‘’você, que morou tanto tempo no Rio, que tem amor até exagerado pelo Rio, dá para me explicar a origem da alma rebelde do carioca, meio na base ‘’si hay gobierno, soy contra? Veja você: o Eduardo Paes revolucionou a cidade, fez uma Olimpíada de deixar o mundo de boca aberta e o candidato dele a Prefeito fica em terceiro lugar, e a eleição vai ser disputada entre um evangélico, ligado ao Edir Macedo e um deputado estadual do PSOL, o partido que quer o Estado mandando em tudo.’’ Recosto no sofá, reforço o uísque, para buscar inspiração e explico, ou melhor, justifico, da melhor maneira possível: - ‘’o carioca é assim mesmo, tem a alma boemia e, como todo boêmio, é contraditório – ama e odeia, com facilidade – e irreverente: diverge, apenas pelo pretexto do boteco. E não é de hoje este comportamento. Vou lhe dar apenas dois exemplos: quando ainda se chamava ‘’Estado da Guanabara’’, o Rio foi administrado por Carlos Lacerda, o político mais competente e sério que este País já produziu. Lacerda trouxe o Rio do século 19 para a modernidade, tantas as obras realizadas e que privilegiaram, essencialmente, a classe mais pobre. Pois, quando da escolha de seu sucessor, o povo escolheu Negrão de Lima, um embaixador já caquético, que usava chapéu ‘’gelô’’, (depois explico), achava que o Rio começava no Leblon, onde morava e terminava no ‘’Copacabana Palace’’, onde almoçava. E nem carioca era. Era mineiro.’’ Outro exemplo: ao final do regime militar e o retorno dos exilados, realizaram-se as primeiras eleições para governadores. Quem ganha no Rio? Brizola, que era gaúcho e que, para se eleger, fez acordo com os traficantes, de modo que a Polícia Militar não subisse aos morros, para reprimir o tráfico. Posso falar isto de cadeira, porque, no governo anterior, eu era Diretor da Secretaria de Segurança Pública e, com muito empenho, fôramos implacáveis no combate à criminalidade, que reduzimos, de modo substancial. Aí veio o Brizola com seu populismo de beira de esquina, e destruiu todo o nosso trabalho. Deu no que deu e a bandidagem, bem postada nos morros, domina a cidade. Veja você, amado Rodolfo, que o reduto eleitoral do candidato do PSOL é exatamente a zona Sul, onde Eduardo Paes introduziu os mais importantes melhoramentos. Todavia, o Rio, pela proteção do Cristo Redentor, resiste a todas as maluquices do carioca, e, como diz Gilberto Gil, ‘’continua lindo.’’

Rodolfo olhou-me com um ar de ‘’não sei, não’’ e foi ao ‘’caderno de esportes’’, procurar notícias do Botafogo, que era nossa maior preocupação do dia. 

sexta-feira, 7 de outubro de 2016

Ainda cedo para comemorar

Leio que, por decisão do Ministro do Supremo Tribunal Federal, Teori Zvascki, Lula passou a ser alvo de investigação, na operação ‘’lava jato’’, em inquérito que, agora, passa a ter 66 indiciados. Dependendo do ângulo em que se contemple a noticia, há motivos para alegria ou tristeza. Finalmente, o sobrinho de Lula surge como a ponta do novelo que pode levar ao envolvimento do ex-presidente, no famigerado esquema do ‘’petrolão’’. Esta é minha visão, como cidadão, já que, na visão de advogado, vejo qualquer decisão judicial, condenatória ou absolutória, fora da vista de alcance de qualquer pessoa, com mais de 60 anos. Explico: o processo penal tem um prazo de duração, fixado em lei. Para não deitar falação ‘’juridiquês’’, que considero esnobismo inútil, procurarei explicar, de modo simples: na verdade, esse prazo de duração está dividido em dois ‘’tempos’’: um, que vai da data em que o crime foi praticado, até a data em que, encerrado o inquérito policial, a denuncia, oferecida pelo Ministério Público, é recebida pelo Juiz e aí se inicia a ação penal; e o outro, que vai da denuncia até a sentença definitiva, isto é, aquela contra a qual não cabe mais nenhum tipo de recurso. Esses prazos, fixados em nossa legislação penal, variam, em função da gravidade do crime. Se o julgamento ultrapassar esse lapso de tempo, o Estado perde o direito de punir e o processo é arquivado. É o que se denomina prescrição. Vamos, agora, ao caso de Lula. Junto com ele foram indiciadas mais de 65 pessoas. Se todas elas se transformarem em réus, no processo-crime, que é a fase subseqüente ao inquérito policial, cada uma delas poderá arrolar até 08 testemunhas, o que dá o astronômico número de 528 testemunhas de defesa, a serem ouvidas, em juízo, além daquelas que serão arroladas pelo Ministério Público. De observar que a testemunha que mora fora do local, onde tramita o processo, será ouvido pelo Juiz da cidade, onde reside, em qualquer lugar do Brasil. Se a testemunha residir fora do País, é através do Juiz desse País que a testemunha será ouvida, desde que o acusado demonstre a relevância de tal depoimento. No caso de Lula, ele está sendo acusado, dentre outras coisas, de ter praticado crime de tráfico de influencia, a favor da Construtora Odebrecht, em Angola e Cuba. Assim, pelo menos a meu juízo, poderá ele requerer que sejam ouvidos os Presidentes daqueles países. E, para completar, as altas autoridades dos governos, federal e estadual, (Presidente, Vice Presidente, deputados federais, Ministros de Estado, Governadores, Secretários, membros do Poder Judiciário e assemelhados, ‘’serão inquiridos em local, dia e hora previamente ajustados entre eles e o Juiz’’ (Código de Processo Penal, art. 221). É fácil imaginar quantas estratégias, absolutamente legais, poderão ser empregadas, para levar o processo à prescrição. Além de tudo isto, todos os réus deverão ser interrogados e poderão requerer a produção de outras provas, afora a testemunhal, e interpor recurso intermediários, tudo isto antes de o Juiz proferir sentença.
Faço tais considerações, para que não haja exacerbação de entusiasmo. Aliás, processo-crime com 66 réus, é tudo que um advogado almeja, principalmente se os réus tiverem defensores diferentes.


quinta-feira, 6 de outubro de 2016

O parto das urnas



Recebo alguns e-mails, cobrando-me considerações sobre a eleição do último domingo. Quase nada a acrescentar a tudo o que foi dito pela mídia, em geral. Mesmo a vitória de João Doria, já no primeiro turno, era previsível, vez que, além de ser o confronto do ‘’novo’’, em face do ‘’velho’’, Doria simbolizava anti-petismo, que sempre esteve na alma do paulistano. Aliás, o resultado do pleito, em todo o Brasil, comprovou que o eleitorado, convenientemente informado, traduz, nas urnas, sua insatisfação com os desmandos provocados pelos maus administradores públicos. Por outro lado, as limitações dos gastos com a campanha, obrigaram os candidatos a mostrarem suas idéias e, por elas, foram julgados. Agora, algumas considerações de ordem, eminentemente políticas, produto, apenas, dos fevereiros acumulados e de quem se interessa pelo assunto: primeira, se é verdade que a vitoria de Doria, em nossa Capital, fortalece o prestígio do Governador Alckmin, por outro lado, tal fato não lhe escancara as portas para a corrida presidencial de 2018. Alckmin é importante líder regional, mas essa liderança míngua, consideravelmente, quando ultrapassa os limites do Estado de São Paulo. Se se confirmar a vitoria de João Leite, em Belo Horizonte, Aécio recupera o prestígio no Estado, que lhe tirou a faixa presidencial, mas sua opaca atuação no episodio do impeachment, traz negativos reflexos numa nova corrida em direção ao Planalto. E ainda há que se considerar a retumbante vitoria de ACM Neto, em Salvador e que o introduz, como peça essencial, no jogo político, marcado para 2018. A última, mas relevante consideração, que tenho a pretensão de fazer, diz respeito à consolidação do PSOL, que surge, ocupando o espaço, desastrosamente deixado pelo PT, como o novo representante da esquerda brasileira. Não discuto o anacronismo de seu ideário, mas me parece que um partido político, com as características do PSOL, é essencial ao bom funcionamento da democracia. O eleitorado brasileiro, que, no Rio, levou Marcelo Freixo ao segundo turno e que, em São Paulo, fez de Eduardo Suplicy o vereador mais votado, com o dobro dos sufrágios do segundo colocado, mostrou que ainda há espaço para uma esquerda, de valores morais e intelectuais sérios. Na base do puro ‘’achômetro’’, entendo que o PSOL, em pouco tempo, ocupará o mesmo espaço, outrora ocupado pelo PT, com mais abrangência, pois recepcionará todos os políticos sérios, jovens e velhos, que, além do próprio PT, deixarão os partidos satélites deste. Chegaremos, assim, por combustão espontânea, a uma reforma política, formada por três ‘’centrões’’: o de ‘’esquerda’’, liderado pelo PSOL; o de ‘’centro’’, liderado pelo PMDB e o de ‘’direita’’, liderado pelo PSDB. É uma função desta modesta análise que eu, como membro da direita progressista (epíteto, a mim atribuído pelo meu querido José Paulo de Andrade e que incorporei, com grande satisfação) saúdo a entronização do PSOL no cenáculo político. Finalmente, alguém, à altura, para enfrentar. Que vença o melhor! 

quarta-feira, 5 de outubro de 2016

O Direito e o ‘’Massacre do Carandiru’’




Não é comum, mas, de quando em vez o Direito e a Justiça dão-se as mãos e a sociedade sente-se mais segura. Falo da corajosa decisão do Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Ivan Sartori, que propôs a absolvição dos réus, condenados no processo, conhecido como o ‘’Massacre do Carandiru’’. Cerca de 70 policiais militares, chamados a intervirem em rebelião, deflagrada pelos detentos daquele presídio, foram recebidos, com extrema violência, pelos presos, armados de facas, estiletes, pedaços de pau e até revólveres. Os policiais, em estrito cumprimento de um dever legal – reprimir o ato de rebeldia – obedecendo ordem hierarquicamente superior, e em inequívoco estado de legitima defesa, atiraram contra os amotinados, matando cerca de uma centena deles. Dentre os mortos, não havia um único que não tivesse, em seus registros policiais, pelo menos dois crimes hediondos e a fúria, com que enfrentaram os policiais, não deixava dúvida que estavam dispostos e prontos para um confronto mortal. As circunstâncias objetivas indicavam que não tivessem os policiais repelido à injusta e iminente agressão perpetrada pelos marginais, todos estariam mortos. Indiscutível a caracterização da legítima defesa, como bem sustentou o ilustre Desembargador, Ivan Sartori. Infelizmente, vivemos tempos obtusos ,onde os criminosos são transformados em ‘’vítimas sociais’’, e a polícia é execrada, mesmo no cumprimento do dever. No caso do Carandiru, os policiais foram acusados de ‘’uso desmedido de força’’, como se fosse possível, naquele estado de tensão, mensurar a força a ser empregada, para reprimir o levante. Também não se pode responsabilizar os policiais pelas degradantes condições da prisão, o que teria sido o estopim da rebelião dos presos. Essas ‘’condições degradantes’’ devem ser debitadas ao Poder Público que mantém um sistema penitenciário, equivalente às masmorras da Idade Média. E igualmente degradante são as condições de trabalho do policial, baixos salários, armamento inadequado, pressão psicológica adversa, tudo a transformar o seu trabalho, em defesa da sociedade, em verdadeiro ato de heroísmo. A Imprensa – apenas a má Imprensa – quer mudar os papeis, transformando em vítimas os marginais presos e em bandidos, os policiais que, atendendo a uma ordem superior, adentraram ao Carandiru com a única certeza de que não sabiam se de lá sairiam com vida. Enquanto não nos conscientizarmos que bandido deve ser tratado como bandido, independentemente de sua cor ou condição social, crescerá o nosso receio de sair à rua, seja para trabalhar, seja para o lazer. Não é por outra razão que a vitimização do marginal coloca a segurança pública no topo das preocupações do brasileiro. 

terça-feira, 4 de outubro de 2016

Por causa de São Francisco de Assis




Hoje, 04 de Outubro, reverenciamos São Francisco de Assis que, ao dispor de todos os seus bens, a favor dos pobres e passar a viver para eles, ensinou-nos lição de humildade e caridade, que teimamos em não aprender. Cumprimentei-o, através da imagem, que tenho, em minha sala e, logo mais, farei minhas orações na Igreja, que fica no ‘’Largo de São Francisco’’. Quase sem querer, passo os olhos em sua ‘’Oração da Paz’’, pregada na parede... e me envergonho, porque ali está gravado tudo que não sou e nem faço. Coisas simples, como ser ‘’instrumento da paz’’, ‘’levar a verdade’’, ‘’amar mais que ser amado’’. Envergonho-me, porque, ao longo da vida, que se faz noite, as mais das vezes exigi ser amado, ser perdoado, ser compreendido, querendo receber, sem quase nada dar. Perdido no egoísmo de ter, muito além do necessário, contemplo, como se fosse parte da paisagem, o velho, roto, talvez faminto que, na calçada rescendendo a urina, dorme, coberto por pedaços de papelão. Desço a calçada, porque o cheiro me incomoda, porque a própria presença daquele homem me incomoda. Não imagino, nem por um instante que, um dia, quando jovem, aquele homem, tenha tido um sonho, qualquer sonho que, por certo, não era o de estar ali, jogado, num canto de calçada, agredindo-me, porque, em sua miséria física, mostra-me minha miséria moral. Logo estarei longe dali, no conforto e segurança de minha casa, ou  na imponência do Tribunal, ou na sofisticação do restaurante e aquele velho homem continuará lá, abraçado a sua miséria. Não fui capaz de levar-lhe o amor, a esperança, a alegria, a luz. Leio, com a emoção, que leva a lágrimas, a ‘’Oração da Paz’’, ditada por São Francisco. Quero tudo o que lá está gravado: a paz, o amor, o perdão, a esperança, a alegria, a luz, mas, no meu egoísmo, nada dou em troca, a não ser o trôco que, sem serventia, carrego no bolso. São Francisco, sei que já se faz noite em minha vida, mas me ajude a conseguir a misericórdia divina, pelo amor, que não retribuí; pelo consolo, que não proporcionei, pela esperança, que não dei, pela alegria, que não levei, negações sintetizadas naquele velho, por quem passei, como se fosse apenas incômoda paisagem.