sexta-feira, 20 de março de 2015

Terça-feira me lembrou Elis e algumas andanças
Terça-feira última, se viva fosse, Elis Regina estaria fazendo 70 anos. Conhecia-a (eu a ela e não ela a mim), ao raiar dos anos 60, em casa noturna, (se minha memória não me falha), chamada ‘’Au Bon Gourmet’’, situada no Rio, ali pelas imediações da Prado Junior. Cantava, como pano de fundo para conversas. Era o que se chamava ‘’crooner’’. Depois, virou ícone de toda uma geração. E como Pelé, quem não a viu cantar, e agora, apenas, escuta gravações, tem, apenas, vaga idéia de sua magnitude. Aliás, uma das coisas que apascenta a amargura da velhice, é constatar que pertenci a uma geração privilegiada, em todos os sentidos. Vi Garrincha, Pelé, Jairzinho e Zico, e tantos outros, de igual cepa, que me perderia em enumerá-los. Balé fantástico, a encantar o Maracanã e o Brasil, de todas as torcidas. Na música, assisti ao nascimento e gloria da própria Elis, além de Gal, Caetano, Chico, para falar apenas de alguns de meus favoritos. Tom e Vinicius já eram gigantes, apenas não tinham seu ‘’gigantismo’’ reconhecido e proclamado. A ‘’bossa nova’’ explodia, principalmente no eixo Rio – São Paulo e, por aqui, seus ‘’templos’’ eram o ‘’Estão Voltando as Flores’’, do Capinam, que ficava ali na Avanhadava, o ‘’Ela, Cravo e Canela’’ e o ‘’João Sebastião Bar’’, na Major Sertório. No teatro, pelo ‘’TBC’’ e pelo ‘’Maria Della Costa’’, vi passarem a própria, Cacilda Becker, Fernanda Montenegro, Maria Fernanda (sublime, em ‘’Um Bonde Chamado Desejo’’), Juca de Oliveira (magnífico, em ‘’A Cozinha’’) e outras ‘’feras’’ de igual expressão. Surpreendo-me que, ainda na faculdade, com o habitual magérrimo salário de Professor, pudesse percorrer as duas Capitais intelectuais – boemias do País. E, para completar, vivi os agitados dias pré e pós 64, na militância estudantil, do ‘’lado direito’’ do rio, o que não me impedia de ter diletos amigos ‘’do outro lado’’ como o falecido Ministro Paulo Renato, apenas para citar um dos mais ilustres. Era época de divergências fraternas, onde os grandes debates ideológicos eram travados entre uma cerveja e outra. Depois de 68, todos já formados, a prudência recomendava a ‘’encolha’’, vez que qualquer lado do rio estava sujeito a alagamentos. Mas termino por onde comecei, por Elis Regina, voz e interpretação inigualáveis, levada cedo pela incapacidade de dourar seus próprios monstros. Como diria o poeta: ‘’meninos, eu vi’’.

P.S.: hoje, sexta-feira, dia de pura melancolia. O verão fecha suas portas, guardando atrás de si, o suor, que purifica o corpo e, é claro, o magnífico espetáculo das coxas torneadas. Delas haverá, por óbvio, mas escondidas sob calças e saias compridas, o que será como se não existissem. O outono é como a ausência de temperatura, de que nos fala a Bíblia: ‘’porque és morto, eu te vomitarei de minha boca’’. Nem a exuberância do verão, nem o encolhimento do inverno. Mas, outro verão virá (virá?) e eu, seu amigo fraterno, estarei (estarei?) aqui para recebe-lo: ‘’entra, verão, a casa é sempre e sempre será sua, ainda que eu não mais more nela’’.

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