segunda-feira, 9 de março de 2015

Sagrado Retorno.

Volto ao Rio, após 03 longos anos de ausência. Ainda no avião, ao sobrevoar a Restinga da Marambaia, lembrei Tom: ‘’minha alma canta, vejo o Rio de Janeiro...’’ e olha que eu nem o via, ainda, mas era o encontro marcado com um grande amor, que se afastara por conta dessa coisa insensível chamada destino. Mas o céu azul, mostrando o Pão de Açúcar na cabeceira da pista, dizia que eu era bem vindo. E nem poderia ser diferente, porque era o reencontro de uma avassaladora paixão. Quantas vezes pousei neste aeroporto? Centenas, mas sempre com o mesmo deslumbramento, coração aceso, batendo acelerado no peito. Afinal, aqui deixei os melhores anos de minha vida, desde quando, caipira amedrontado, 50 anos atrás, cheguei ao apartamento de minha irmã, ali na Rua Paissandu, onde as palmeiras imperiais se beijam à primeira ventania e de onde sairia, anos depois, na pretensão de defender meu ídolo político, Carlos Lacerda. Na saída do aeroporto, olho para frente, procurando o Relógio da ‘’Mesbla’’. Ele (e ela) não existem mais, mas eu o vejo, enorme, dominando a paisagem, porque o ver maior – já ensinava Santo Tomás de Aquino – não é o que se vê com os olhos, mas o que se contempla com o coração. O taxi desliza pelo ‘’Aterro do Flamengo’’, até me deixar no caminho de minha sobrinha que, apesar de idas e vindas, amamo-nos desde ela criança, lá na mesma Paissandu. Bato pernas soltas, presente e passado, pelo meu querido Leme, onde me imortalizarei, deixando minhas cinzas. Paradoxalmente, chego ao apagar do verão, em que dele fui feito, ali, naquele curto espaço de praia, entre a pedra e a Princesa Isabel. Não vou atrás de memórias ou recordações. Os fatos estão presentes, basta buscá-los: o correr no calçadão; o mergulhar nas ondas; o jiboiar na areia, a tentativa inglória de ler o jornal que o vento confundia as páginas e o chopp no ‘‘Sereia’’, que ninguém é de ferro. Enganam-se os que afirmam que as coisas e os lugares já não são os mesmos, pois lá está a ‘’Sorrento’’, a ‘’Fiorentina’’, o ‘’Bar Shirley’’, a padaria da esquina da ‘’Anchieta’’, o ‘’Pub’’ da Antonio Vieira, por onde eu e Renata começávamos nossas noites. Pois enxergo tudo, nos mínimos detalhes, coração e mente com o frescor de sempre. Sigo até a Praça do Lido, com suas barracas de ‘’souvenirs’’ e o frango assado com polenta, comido no balcão. À noite, na ‘’Fossa’’ ouço e danço sob a voz de ‘’Marisa gata mansa’’ e Silvio César, Ribamar ao piano. Estico até a Lagoa e no ‘’Chico’s bar’’ extasio-me com o piano de Luizinho Eça e a voz rouca de Leni Andrade. Depois, é só atravessar a porta de vidro e jantar no ‘’Castelo da Lagoa’’. Se a madrugada não teimar em ir embora, passar no ‘’706’’ da Ataulfo de Paiva, para, mãos dadas e rosto colado, ouvir Emílio Santiago. Como o dia insiste em amanhecer, terminemos com um pão torrado na chapa e café com leite, naquela padaria – a primeira a se oferecer ao publico -, na ‘’Viveiros de Castro’’. Tudo real, presente, como sonho que não se interrompe, porque a tempo, mesmo carrasco sem piedade, não consegue apagar a beleza e o sentido da vida que os sonhos reais possuem. Até logo, despeço-me, como sempre, com os olhos lacrimejantes. O avião decola, fazendo uma curva, à direita, dando-me tempo de contemplar uma nesga de ‘’minha praia’’. E claro que volto, qualquer dia, eu mesmo, inteiro, como agora, ou sob forma de cinzas, mas, com certeza, voltarei.


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