Sagrado Retorno.
Volto ao Rio, após 03 longos anos de ausência. Ainda no
avião, ao sobrevoar a Restinga da Marambaia, lembrei Tom: ‘’minha alma canta, vejo o Rio de Janeiro...’’ e olha que eu nem o
via, ainda, mas era o encontro marcado com um grande amor, que se afastara por
conta dessa coisa insensível chamada destino. Mas o céu azul, mostrando o Pão
de Açúcar na cabeceira da pista, dizia que eu era bem vindo. E nem poderia ser
diferente, porque era o reencontro de uma avassaladora paixão. Quantas vezes pousei
neste aeroporto? Centenas, mas sempre com o mesmo deslumbramento, coração
aceso, batendo acelerado no peito. Afinal, aqui deixei os melhores anos de
minha vida, desde quando, caipira amedrontado, 50 anos atrás, cheguei ao
apartamento de minha irmã, ali na Rua Paissandu, onde as palmeiras imperiais se
beijam à primeira ventania e de onde sairia, anos depois, na pretensão de
defender meu ídolo político, Carlos Lacerda. Na saída do aeroporto, olho para
frente, procurando o Relógio da ‘’Mesbla’’.
Ele (e ela) não existem mais, mas eu o vejo, enorme, dominando a paisagem,
porque o ver maior – já ensinava Santo Tomás de Aquino – não é o que se vê com
os olhos, mas o que se contempla com o coração. O taxi desliza pelo ‘’Aterro do Flamengo’’, até me deixar no
caminho de minha sobrinha que, apesar de idas e vindas, amamo-nos desde ela
criança, lá na mesma Paissandu. Bato pernas soltas, presente e passado, pelo
meu querido Leme, onde me imortalizarei, deixando minhas cinzas. Paradoxalmente,
chego ao apagar do verão, em que dele fui feito, ali, naquele curto espaço de
praia, entre a pedra e a Princesa Isabel. Não vou atrás de memórias ou
recordações. Os fatos estão presentes, basta buscá-los: o correr no calçadão; o
mergulhar nas ondas; o jiboiar na areia, a tentativa inglória de ler o jornal
que o vento confundia as páginas e o chopp no ‘‘Sereia’’, que ninguém é de ferro. Enganam-se os que afirmam que as
coisas e os lugares já não são os mesmos, pois lá está a ‘’Sorrento’’, a ‘’Fiorentina’’,
o ‘’Bar Shirley’’, a padaria da
esquina da ‘’Anchieta’’, o ‘’Pub’’ da Antonio Vieira, por onde eu e
Renata começávamos nossas noites. Pois enxergo tudo, nos mínimos detalhes,
coração e mente com o frescor de sempre. Sigo até a Praça do Lido, com suas
barracas de ‘’souvenirs’’ e o frango
assado com polenta, comido no balcão. À noite, na ‘’Fossa’’ ouço e danço sob a voz de ‘’Marisa gata mansa’’ e Silvio César, Ribamar ao piano. Estico até a
Lagoa e no ‘’Chico’s bar’’ extasio-me
com o piano de Luizinho Eça e a voz rouca de Leni Andrade. Depois, é só
atravessar a porta de vidro e jantar no ‘’Castelo
da Lagoa’’. Se a madrugada não teimar em ir embora, passar no ‘’706’’ da Ataulfo de Paiva, para, mãos
dadas e rosto colado, ouvir Emílio Santiago. Como o dia insiste em amanhecer,
terminemos com um pão torrado na chapa e café com leite, naquela padaria – a primeira
a se oferecer ao publico -, na ‘’Viveiros
de Castro’’. Tudo real, presente, como sonho que não se interrompe, porque
a tempo, mesmo carrasco sem piedade, não consegue apagar a beleza e o sentido
da vida que os sonhos reais possuem. Até logo, despeço-me, como sempre, com os
olhos lacrimejantes. O avião decola, fazendo uma curva, à direita, dando-me
tempo de contemplar uma nesga de ‘’minha praia’’. E claro que volto, qualquer
dia, eu mesmo, inteiro, como agora, ou sob forma de cinzas, mas, com certeza,
voltarei.
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