quarta-feira, 28 de março de 2018

Considerações sobre a Via-Sacra


A Via-Sacra, do latim “Via Crucis”, que significa caminho da cruz, é o trajeto seguido por Jesus Cristo, carregando sua pesada cruz, desde o Pretório (tribunal) de Poncio Pilatos até o Monte Calvário (ou gólgota, “lugar do crânio”, em hebraico), em Jerusalém. Tal exercício, comum em tempo de quaresma, teve origem na época das Cruzadas (séculos XI a XIII). O número de “estações”, (passos ou etapas dessa caminhada nas quais se faz uma parada para meditar e rezar)  foi sendo definido, paulatinamente, chegando a quatorze estações no século XVI, a que se acrescentou uma 15ª, alusiva à ressurreição de Cristo. Tenho, para mim, que o tríduo pascal constitui o momento maior do Cristianismo. Na “Ceia do Senhor”, que culmina com a cerimônia do “lavapés”, Cristo nos dá, não só lição de humildade, mas mostrou que o valor do ser humano está no ato de servir. Para mim, o momento maior da semana, que comove às lágrimas, é a procissão do Senhor Morto. O canto-lamento de Verônica é a dor incomensurável  de Maria, que assiste ao sofrimento e morte de seu Filho. Impossível não voltar os olhos para as mães, que, cotidianamente, perdem seus filhos, vitimados por balas perdidas ou em conflitos com organizações criminosas. Somente este ano, entrando em seu  quarto mês, 20 jovens policiais tombaram em confronto com marginais. Também para as mães deles, Verônica cantará seu lamento. Domingo marca a ressurreição de Cristo, a vida vencendo a morte, o amor vencendo o ódio.
A semana santa é tempo de reflexão. Certa feita, Jesus perguntou a seus discípulos: “quem disse que eu sou?” Tentemos, nesta quadra, responder a essa complexa pergunta, porque, se acreditamos Nele, não podemos dar as costas a nosso semelhante, vitimado pelas vicissitudes. Não podemos pregar o sectarismo e seu filho mais torpe, os conflitos armados. Jesus foi amor. O que estamos fazendo com esse legado? Jesus serviu, sempre, até na última ceia. A quem temos servido, sem esperar nada em troca?
Feliz e santa páscoa a todos.

terça-feira, 27 de março de 2018

Considerações sobre a delinquência juvenil


Há cerca de dois anos, defendi menor, 15 anos, que ajudou o namorado de 17, a matar a mãe dele, esquartejar o corpo, colocar as partes em sacos de lixo e desová-los, em terreno baldio. Minha cliente, por ter sua participação se limitado a lavar o sangue da vítima, foi condenada a 01 ano e meio de prisão e o namorado a 03 anos, pena máxima estabelecida pelo ”ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente”. Minha cliente já está em liberdade e o namorado o estará em Maio, isto é, dentro de dois meses. Foi minha primeira experiência, na defesa de menor, mas fiquei estarrecido com a frieza com  que o crime foi narrado, em mórbidos detalhes, pelo seu autor. Encontra-se ele recolhido à CASA, antiga Febem, que, como sabemos, é verdadeira “faculdade” do crime.
O “Estatuto da Criança e do Adolescente” veio à luz em 1990, (lei 8.069, de 13.7.1990) e foi complementando pelo “Estatuto da Juventude”, (lei 12.852, de 05.08.2013). Ambos os diplomas legais estabelecem políticas públicas, a serem instituídas para os jovens, especificando seus direitos, e se omitindo quanto às obrigações. São verdadeiras peças de ficção, por considerarem o menor brasileiro, como habitante de País, onde os índices de criminalidade, envolvendo esses menores, aproximam-se de zero. Chega ser suprema ingenuidade acreditar que o menor, enquanto preso, recebe tratamento adequado à sua recuperação e, quanto às políticas públicas, estabelecidas no “Estatuto”, não se tem notícia de terem elas saído do papel.
O primeiro passo, para conter a criminalidade, envolvendo o menor, é a redução da maioridade penal. Nosso Código, que fixou idade de 18 anos para início da responsabilidade penal, é de 1940 e, por óbvio, não se pode comparar o menor de hoje com o de quase 80 anos atrás. Ao longo deste lapso de tempo, a criminalidade, além de se sofisticar, com utilização de armamentos de alta precisão, aumentou, atingindo índices inimagináveis. Por outro lado, sabemos, é grande o número de menores, a integrarem organizações criminosas.
O segundo, boato a merecer especial atenção, diz respeito aos limites de penas, estabelecidos, pelo “Estatuto”, que, no §3º do artigo 121 estabelece que, “em nenhuma hipótese, o período máximo de internação excederá a 3 (Três) anos”. Ora, se a internação deverá levar em conta “a condição, peculiar da pessoa em desenvolvimento”, como preceitua a cabeça do artigo, tal apenação deve ser majorada, além do limite estabelecido, quando o menor mata, com requintes de crueldade, como no caso, aqui narrado.
Quanto aos direitos, especificados na lei 12.852/13 (Estatuto da Juventude) estão eles distanciados da precária condição financeira da  União  e dos Estados – membros.
Urge serem esses direitos retirados do campo da ficção e trazidos parar a realidade. O ensino público, de primeiro e segundo graus, acha-se abandonado, pelos governos estadual e municipal e são frequentes as agregações de alunos menores aos professores. É induvidoso que qualquer política pública, envolvendo a juventude, passa, necessariamente, pela melhoria das condições do ensino secundário.
Assim, permito-me concluir que, sem adoção das medidas, aqui preconizadas, continuaremos expostos à sanha de menores delinquentes que, por mais bárbaro que sejam os crimes cometidos, ficarão presos, no máximo, por 03 anos.

segunda-feira, 26 de março de 2018

O Supremo Tribunal Federal, essa instituição desacreditada


Sexta-feira chego em casa, quase oito da noite. Rodolfo, meu politizado pastor alemão, patas levantadas sobre o portão, cara de poucos amigos, foi logo perguntando: “onde você estava? Sumiu o dia inteiro e eu e a Nara ficamos a esperá-lo para nosso habitual passeio no parque.” “Você está louco, Rodolfo, hoje é dia útil, trabalhei até agora”, respondi. Ele fez cara de incrédulo e atacou; “Como, trabalhou! O Supremo, que é o Supremo, não trabalhou. Só falta você me dizer que vai trabalhar durante a semana santa.” Respondi-lhe que se trata de privilégio estabelecido por aquela Corte e que nós outros, que carregamos este disforme piano, chamado Brasil, não gozamos de tal privilégio e a semana-santa começa na quinta, à noite, com a cerimônia do “lavapés” e termina no domingo de páscoa. Ele não se deu por satisfeito: “mas  aquele Ministro de nariz em pé, o tal de Barroso, não bateu no Lula, dizendo que ele não é melhor do que os demais brasileiros, que todos são iguais etc., etc.?” Fui logo explicando: “Demagogia pura, meu caro. O Ministro Barroso joga para a plateia, não pode ser levado a sério. Ademais, o cotidiano nos mostra – como ensinava Rui Barbosa – que a verdadeira lei da igualdade consiste em estabelecer regras para a desigualdade. Como um homem, que ocupou, por duas vezes, a presidência da República pode ser igual ao gari, que vem recolher nosso lixo? Na verdade a confusão toda foi armada pela Ministra Carmen Lúcia, que insistiu em não colocar na pauta de julgamento a ação direta de constitucionalidade, tendo por objeto rever a decisão anterior, sobre a prisão em segunda instância, abrangente, que despersonalizava o alcance ao Lula.” Rodolfo, sempre atualizado, mas ainda um pouco ingênuo, no que diz respeito às coisas do Brasil, foi em frente: “você não acha exagero a Carmem Lúcia dizer que estender o julgamento, além das 18 horas, poderia comprometer a saúde dos Ministros? E por que eles não trabalham às sextas-feiras, como todo mundo e por que a semana –santa deles começa na segunda?” Respondi-lhe que são privilégios consolidados que confirmam estarem eles acima de nós, mortais comuns. Já no alto da escada, chave na porta, Rodolfo insiste em última indagação: “E o que você achou do bate-boca entre o Luiz Roberto Barroso e o Gilmar Mendes? Não vulgariza a Corte Suprema? “ Encerro a conversa, já com o pé na porta: que tudo se pode esperar deste melancólico Supremo, cuja composição é a mais medíocre de nossa história. Não será surpresa se, na próxima sessão, os Ministros citados saírem nos tapas. Rodolfo desce a escada, resmungando e lamentando o descrédito no Poder Judiciário. Rodolfo, vindo de plagas distantes, onde as instituições funcionam, ama o Brasil, que tem tudo para dar certo, mas seus “comandantes” esmeram para que tudo dê errado.

sexta-feira, 23 de março de 2018

A demagogia ao alcance de todos


De repente, as avenidas de São Paulo recebem recapeamento,  leve camada de asfalto sobre o velho, programa que, para enganar os incautos, denomina-se “asfalto novo”. O Prefeito João Dória deu seguidos “passa moleque” na população e sua administração constitui verdadeiro fiasco. Sua malfadada reforma previdenciária municipal quer penalizar servidores públicos municipais, aumentando-lhes a alíquota de contribuição, como se já não fossem pífios os salários de professores e médicos, dentre outros. O ensino está ruim e a saúde relegada a plano secundário. Não há idealismo que resista a um roncar na barriga. Dória, neste pouco tempo que passou pela Prefeitura, apareceu, vestido de gari, limpando rua; pintou paredes e até aplicou injeção, com aquele ar de nojo, bem próprio dos que repudiam o “cheiro de povo”. Consta que desviou, exatamente, recursos da educação e da saúde para este extemporâneo “asfalto novo”, obra de efeito, que dá visibilidade, passando a falsa impressão que se trata de uma administração, com realizações relevantes. É a velha escola de Paulo Maluf que afirmava que obra escondida não dava voto. A diferença é que Maluf realmente realizava, enquanto Dória limita-se a produzir “factoides”.
Agora, traindo seu “criador”, Geraldo Alckmin, lança-se candidato, pelo PSDB, a Governador, rompendo aliança, já firmada, com o Vice, Marcio França, que, também, saíra candidato a Governador, pelo seu PSB. O resultado dessa ruptura, provocada por Dória, Prefeito que desonra os votos, que o elegeram, poderá  ser a derrota de Alckmin,  promovendo a ascensão, ao Planalto de Lula (ou seu “poste”) ou de Bolsonaro.
Espero e desejo que o eleitor paulista tenha bom senso para derrotar Dória e devolvê-lo à “intermediação de negócios”, onde fez fortuna.

quarta-feira, 21 de março de 2018

Para ler e refletir


Pessoa querida que, agora, entrou em minha família, irradiando alegria, presenteou-me com opúsculo denominado “Felicidade foi-se embora?” (Editora Vozes, 2016), onde Frei Betto, Leonardo  Boff e Mario Sergio Cortella discorrem sobre o sentido da “felicidade”. Frei Betto (de quem, sou admirador, apesar de seu “cristianismo socialista”) enfoca o tema, sob a ótica social e política;  Boff, emérito Professor de Filosofia e que introduziu, no Brasil, a ”teologia da libertação”, estabelece co-relação entre felicidade e preservação do meio-ambiente. “Felicidade:- diz Boff – não é correr atrás das borboletas, mas cuidar do jardim para atraí-las”: Cortella, de sólida cultura, habitual frequentador marcante da mídia, estabelece a dicotomia “felicidade, uma presença eventual, um desejo permanente.” O pequeno livro (130 páginas) é manancial de ensinamento, escrito em linguagem simples. Remédio seguro para quem padece de conflitos existenciais. E quem não os tem, ou teve em qualquer fase da vida? Ao terminar a leitura, indaguei a mim mesmo: “minha felicidade foi-se embora?” Antes de encontrar a resposta, tive que me perguntar se a felicidade era bem permanente ou transitório. E claro que ninguém é permanentemente, feliz ou infeliz. Sempre relacionei felicidade com paz interior, em se estar em harmonia consigo mesmo, apesar de todos os azares, que nos cercam: a ingratidão, o desprezo para com os hipossuficientes, esta coisa incompreensível, chamada “guerra”, onde se legitimiza o direito de matar. Desliguei o abajur e, imerso no silêncio e na escuridão, fiz a “média” dos momentos felizes vividos, comparando-a com “média” dos momentos infelizes. Os momentos felizes ganharam de 7x1. Como mensuro o grau de felicidade ou infelicidade? Reúno seus componentes: alegrias, tristezas, amarguras, decepções, recompensas etc., etc. e faço a avaliação. Ao final, voltei a me perguntar “felicidade foi-se embora?” “Claro que não! O simples fato de ainda estar por aqui, razoavelmente sadio, trabalhando, abraçando esposa, filhos, netos, amigos e, é claro, meus cachorros, já é suficiente para responder: “a felicidade está a meu lado e dentro de mim”.
Fica a “dica” do livro e da reflexão.

segunda-feira, 19 de março de 2018

Para falar de crimes e como cometê-los


Recebo, pelas redes sociais, a informação de que a Vereadora Marielle estaria ligada ao Comando Vermelho, que a elegeu, com a finalidade específica de denegrir a imagem da Polícia, Civil e Militar, perante a opinião pública e a mídia, tolhendo, assim, o combate ao tráfico de entorpecentes, dominado, nas favelas do Rio pelo Comando Vermelho. Distante do Rio, não posso avaliar se tais informações são verdadeiras, por isso não as endosso. De qualquer maneira, o assassinato da Vereadora do PSOL foi transformado em grande comoção nacional, com direito a passeata e, até,  cantoria de Caetano Veloso, em parque do Rio de Janeiro. A morte de alguém, por meio violento, é sempre lamentável, mas, infelizmente, tal fato banalizou-se, naquela cidade. Crianças são, quase rotineiramente, vítimas de balas perdidas e não se tem notícia de homenagens a elas feitas.
A ação dos criminosos (milicianos e traficantes, principalmente) só será arrefecida quando às forças armadas, encarregadas da intervenção na segurança, no Estado do Rio, forem outorgados poderes para caçar os marginais, onde eles estiverem e, até, liquidá-los, em caso de resistência. Enfrentá-los com a Constituição,  e direitos humanos debaixo do braço, é piada, por sinal, de péssimo gosto.

sexta-feira, 16 de março de 2018

Para falar de livros



Pertenço a uma geração (a última) que foi educada, sob a influência cultural da França e, no meu caso específico, essa influência se acentuou por ter cursado o colegial (antigo “curso clássico”) no “Liceu Pasteur”, ali na Vila Mariana. Lembro-me de que franceses eram os professores desse idioma, com aulas todos os dias da semana. Aprendi a navegar pela literatura francesa e por tudo que dissesse respeito à França. Ancorei meu pouco saber em dois atores franceses, Emile Zola, na prosa e Baudelaire, na poesia. Com frequência, visito as “Oeuvres Completes”, reunião dos poemas deixados pelo mais importante representante do “mal du siècle”, aquela tristeza infinita, que marcou a geração dos poetas, na segunda metade do século XIX. Lembro-me de que comprei tal livro, tanto tempo faz, numa livraria, ao lado do hotel, em que me hospedei, quando, pela primeira vez, perdido em emoções, fui a Paris, onde visitei o túmulo de Baudelaire no cemitério de Montparnasse. Minha geração se foi,  a influência cultural norte-americana veio para ficar e a literatura francesa foi substituída, pelo que posso chamar, um gosto pelo “fast food” de autores, sem maiores “mergulhos”, como, por exemplo John Grisham, livros que podem ser lidos, enquanto se assiste a um programa de televisão. A poesia, como gênero literário, praticamente desapareceu e se expressa como letra de música.
Eis que não mais que de repente, amigo dileto fala-me de um romance, autora francesa, Nina George, que, no meu limitado saber, não conhecia. O livro, “A livraria Mágica de Paris”, é imperdível. O personagem principal, “Jean Perdu”, instala sua livraria, em barco, ancorado às margens do Rio Serra, mas quem escolhe o livro a comprar não é o cliente, mas ele, Perdu, que, perscrutando a alma do comprador, indica o livro a ser lido, que é espécie de remédio, para os males interiores. Por isto mesmo, sua livraria chama-se “Farmácia Literária”. E, em torno da essência do livro, ainda desenrolam-se histórias de amores e desamores.
Para quem gosta de coisa boa, fica a “dica”.

segunda-feira, 12 de março de 2018

Curitiba: sede do arbítrio


A reunião de um promotor, de pouca capacitação técnica e querendo aparecer na mídia, com um Juiz que se julga representante exclusivo de Deus, na terra, eis formada a dupla “Batman e Robin”, que expediu o arbitrário mandado de busca e apreensão na residência e no  escritório do ex-Ministro Delfim Netto. Delfim, que chegará aos 90 anos, no próximo 1º de maio, desde 1985 não exerce qualquer cargo no Poder Executivo e se desligou do Legislativo, em 2006, quando encerrou sua última legislatura, como deputado federal, não tendo, assim, direta ou indiretamente, poderes para influenciar, licitação pública. Por isso, falar em “propina” é, juridicamente, incomensurável impropriedade. É claro que a “dupla dinâmica” curitibana não sabe disto, pois, voltada para o próprio umbigo, desconhece o que é um bom banho de legalidade, quer aparecer na “mídia”, como os salvadores da pátria. Todas as pessoas bem informadas deste triste País, sabem que, de larguíssima data, o ilustre ex-Ministro, de seu escritório no Pacaembu, presta  consultoria a empresas, inclusive à nossa poderosa “Federação das Indústrias”. É claro que a “dupla dinâmica” curitibana não sabe disto, porque está mais preocupada em rasgar a lei, denunciando e condenando, sem prova material, valendo-se de depoimentos, prestados em delações premiadas, repetindo os “feitos gloriosos” de Hitler e Mussolini. Todavia, além de consultoria, Delfim profere palestras, participa de programas radiofônicos, escreve para jornais e revistas, e dá aconselhamento (gratuito, é bom que se assinale) para políticos e particulares, como este canhestro escriba. É claro que a “dupla dinâmica não sabe disto, porque ignorante em história recente do Brasil, nem desconfia que Delfim guiou a economia deste desonrado País, por mais de 10 anos e, dele, nunca se falou nada que pudesse arranhar sua dignidade e sua incomensurável sapiência. É certo que, durante o governo Geisel, montou-se um tal “Relatório Saraiva”, querendo envolvê-lo em “maracutaia” internacional. Entretanto, tal relatório, com dados flagrantemente falsos, teve o destino da lata de lixo. Como Ministro, foi obrigado, por duas vezes, a provocar a desvalorização da moeda, oportunamente impar para se enriquecer... e muito. Delfim Netto –saiba, capengas arremedos de “justiceiros”-, já chegando aos 90, apesar de alguns males físicos, chega em seu escritório às 07 horas da manhã e atende aos mais variados compromissos. A ação perpetuada pela Polícia Federal, a mando de Curitiba, teve discreta repercussão na mídia televisiva, porque os jornalistas sérios, que conhecem Delfim, sabem de seu passado e de seu presente. Não se ouviu, da extrema esquerda à extrema direita, nenhuma liderança política manifestar-se sobre mais este ato de arbítrio, vindo de Curitiba. A imprensa manteve-se quase ausente. Empresariado,  classe política e  intelectualidade mantiveram-se silentes. Por que será? Vivemos tempos cinzentos, apagada a luz do bom direito. De qualquer maneira, estas luzes carregadas de arbítrio, passarão, sem brilho, nem glória, junto com quem as fabricou, mas o nome de Delfim Netto já está gravado na história. Trabalhou, com extrema competência, para governos militares e, pelo seu equilíbrio, aconselhou Lula e Dilma. Sempre esteve além de seu tempo.
Pequena história para encerrar: por interferência dele, sou recebido pela Ministra do Meio Ambiente do Governo Dilma. Mulher de cara brava, xiita, até o último fio de cabelo. Recebeu-me, a mim e a meu cliente e foi logo dizendo: “Não costumo, nem gosto de receber empresário, mas não posso dizer “não” ao Professor. Por que será, ein Curitiba?
Em tempo: a apresentação, feita por Delfim, nada me custou. Foi mais um (dentre tantos) gestos de generosidade feito a este escriba, advogado de pequena grandeza.

sexta-feira, 9 de março de 2018

Por causa do Evangelho de hoje


Como já alardeei, sou católico, apostólico, romano, onde estiver, não perco missa de  preceito e até, em outros tempos, fui Ministro Extraordinário da Eucaristia, o que não é pouca coisa para pecador contumaz. Procuro solidificar minha fé, lendo e aprendendo com quem a teve e tem, mais sólida do que a minha. Todavia, muita vez, vacilo. O evangelho de hoje (Marcos 12, 28b-34) nos dá conta de que, indagado qual seria o primeiro mandamento, Jesus respondeu: “Ouve, Israel! O Senhor nosso Deus é um só. Amarás o Senhor, de todo o coração, com toda sua alma, com todo o teu entendimento e com toda a tua força.” E o segundo mandamento é “Amarás teu próximo como a ti mesmo. Não existe outro mandamento maior do que este...”
Certa vez, discutindo o tema com queridíssimo amigo, absolutamente ateu, ponderou-me ele: “como posso amar a Deus, ente abstrato, mais do que amo minha esposa e filhos e como amar ao próximo, que nem conheço, inclusive aqueles sem qualquer resquício de moralidade, que são capazes de matar para roubar mísero celular?” Respondi-lhe que há grande equívoco na interpretação desse mandamento. Jesus não nos manda amar a Deus acima de esposa, filhos e pais. São amores diferentes, que não se excluem, nem se hierarquizam. Como ensinou Jesus, no evangelho de hoje: o amor a Deus se estrutura na convicção firme, na fé absoluta de que nele está todo “poder e glória”.
Quanto ao “amor ao próximo”, não se trata do amor físico ou abstrato, mas, sim, em exteriorizar esse amor: respeitar o próximo, independentemente de sua condição sócio-econômica, inclusive, sendo, com ele, misericordioso, se for o caso.
Jesus, ao longo de toda sua peregrinação ensinou que, ao contrário do contido no antigo testamento, agradar a Deus não é se dar holocausto ou  sacrifício. Agradar a Deus é “servir”, sem esperar ou exigir nada em troca.
Mostra-me tua fé, sem as tuas obras, que eu te mostrarei a minha fé pelas minhas obras” ensinava São Tiago.

quinta-feira, 8 de março de 2018

Rodolfo, eu e o dia internacional da mulher


11 da noite, ruas desertas, saio a passear com Rodolfo, meu politizado pastor alemão. Nara, minha doce e vetusta “sem raça definida”, recusou-se a sair conosco, alegando a hora tardia e o cansaço do dia. E lá fomos, eu e Rodolfo, a bater pernas, sem destino definido. Sabendo que seria passeio peripatético, fui logo advertindo: “não quero falar sobre o julgamento de Lula, pelo STJ. Continuo achando que se estuprou a Constituição, ao permitir a prisão do Réu, já em 2ª instância e, neste raciocínio, estou muito bem acompanhado, pelo Ministro Celso de Mello, de longe, a melhor cabeça da Corte Suprema”. Rodolfo parou, olhou-me com ar de espanto e exclamou: “mas eu não tinha intenção em falar disto. Nestas horas de noite solitária, o papo tem que ser leve. Por exemplo: amanhã é o dia internacional da mulher! Porque não há “dia internacional do  homem?" – Explico-lhe que, provavelmente, a motivação de se criar tal data foi o fato de a mulher, ao longo dos tempos, ter sido vítima de discriminalização, as mais diversas e cito, como exemplo, o direito de votar, só concedido às mulheres, no começo dos anos 30. “Veja a questão da violência doméstica: - explico -  maridos e companheiros, agredindo, covardemente, esposas e companheiras.” Andando uns bons 50 metros, Rodolfo, em silêncio, sinal que o diálogo não estava encerrado: - “e você – perguntou ele – como trata as mulheres?” Retruco: “Você, que faz parte da família há 05 anos, o que acha? – “Bem, acho você respeitoso e cheio de cuidados. Às vezes até exagera.” – “Pois assim entendo que deva ser, até porque considero a mulher muito mais inteligente do que o homem, principalmente pela capacidade de nos manipular. Ensinava falecido professor de direito penal (tinha que ser falecido mesmo, pois, se vivo estivesse, estaria com 150 anos) que o homem mata “por barra de ouro ou barra de saia” e, mesmo quando é por “barra de ouro” é para usá-la com “barra de saia”.” Sempre soube que esta tal  “superioridade masculina” foi criada pela própria mulher, espécie de areia movediça, colocada sob nossa vaidade e ela, a mulher, ao longo dos séculos, foi a eminência parda das decisões do homem. E, pessoalmente, acho bom e justo que assim seja. Fisicamente, ela é muito mais bem acabada do que o homem. Nela tudo é harmônico, não há pelos, espalhados pelo corpo, a genitália é embutida, não é essa cosa ridícula do homem, tudo exposto, balançando de um lado para o outro. Sempre tive extrema dificuldade em entender o homossexualismo masculino, não por preconceito, mas por motivos puramente estéticos e de entrosamento de corpos. E mais: na presença de mulher, somos, nós homens, mais gentis, comedidos nas palavras. Sem mulher, enfim, para o bem ou para o mal, o mundo  não resistiria mais do que um mês. E do ponto-de-vista moral, a mulher é bem mais dotada, quase inacessível a oferta de propina. Examine as operações policiais, realizadas pela “lava-jato”: há, no máximo, 05 mulheres envolvidas, enquanto homens, contam-se a dezenas.”  Rodolfo parou, fazendo-me parar também e, vacilante, indagou: “Mas e os crimes que os homens cometem por causa das mulheres, não conta?” Respondo: “claro que não! Esses crimes devem ser debitados à nossa fragilidade, incapazes, que somos, de ouvir um “não”, ou  sermos preteridos. Você já se imaginou parindo um filho, carregando, dentro de si, uma cria, que torna o deitar difícil, o caminhar insuportável? Por tudo isto, a viuvez, na mulher, a rejuvenesce, enquanto, no homem, o destrói. Para encerrar nosso papo: veja você, Rodolfo, jovem, forte, raça pura, mas a dominante é Nara, nos estertores da vida, sem raça definida, como explica isto?” Rodolfo parou, novamente, pensou por alguns segundos e arrematou: “é, você tem razão. Quando cheguei em sua casa, ela me acolheu com carinho, ensinou-me todas as coisas, foi, pouco a pouco, fazendo-me dependente dela.”
Já entrando em casa, abraçamo-nos e, em brinde fictício, saudamos todas as mulheres, causa, da qual somos mero efeito.

quarta-feira, 7 de março de 2018

As eleições indefinidas


No programa “Roda Viva” da última segunda-feira, o ex-Prefeito e hoje Ministro, Gilberto Kassab, deixou claro que, em coligação PSDB/PSD, o governador Geraldo Alckmin, será candidato à Presidência da República. Temos, assim, definido o quadro sucessório: à esquerda, Lula ou um “poste” indicado por ele, ao centro, Alckmin e, à direita, Jair Bolsonaro. É certo que, correndo pelo meio, há quase uma dezena de candidatos, muitos pleiteando a herança do Lula. Todavia, a meu juízo, ficarão pelo caminho, com inexpressiva votação que, somada, não chegará a 30% dos sufrágios. Assim, a decisão, em segundo turno, fica entre os nomes citados. Se Lula for o candidato, ganha, fácil, tanto de Alckmin, quanto de Bolsonaro. Talvez seja por isto que a mídia impressa venha, reiteradamente, “pressionando”, através de matérias, altamente tendenciosas, o Poder Judiciário, para que se decrete a prisão do dito cujo. Em fevereiro de 2016, estuprando texto expresso de nossa Constituição e mitigando o “princípio da presunção da inocência”, o falecido Ministro Teori Zavascki, conseguiu que o Supremo Tribunal Federal admitisse a prisão, já em segunda instância (Tribunais Regionais). Todavia, este tema voltará ao Supremo para apreciação e, ao que se aufere, haverá retorno à interpretação literal da norma constitucional que, em respeito àquele princípio, considera “coisa julgada” aquela contra a qual não cabe qualquer espécie de recurso. Em acontecendo tal mudança, Lula poderá recorrer, em liberdade, se  candidatar-se, vez que lei ordinária (lei da “ficha limpa) não pode se sobrepor à Carta Magna. Na hipótese de Lula não sair candidato, o segundo turno será travado entre Alckmin e Bolsonaro e aí fica incógnita com muitas variáveis. O PT e seus partidos satélites se disporiam a apoiar o atual Governador de São Paulo? Escapará ele, imune, das investigações de pagamentos de propina, em obras estaduais? Segundo pesquisas recentes, mais de 50% da população concorda com a assertiva de que “bandido bom é bandido morto”, repetida, à exaustão, por Bolsonaro. Apesar de 06 mandatos consecutivos de deputado federal, fora do Estado do Rio de Janeiro, tem ele pouco brilho.
Vê-se, pois, que o “fator Lula” será a bússola para as eleições presidenciais. É de se registrar como o Brasil não foi capaz de gerar líder, com capacidade para  atrair a população, em todos os diferentes segmentos sócio-econômicos.
“O que será que será?”

quinta-feira, 1 de março de 2018

A solução final


Ele se chamava, digamos, Manoel e  eu o conhecia, porque era zelador do prédio, onde, à época dos fatos, que serão contados, eu lá tinha escritório. Mais ou menos, uns 50 anos, casado, dois filhos, um de 05, outro de 07 anos. Tínhamos relações cordiais: ele trocava lâmpadas queimadas, limpava os aparelhos de ar condicionado, favores que eu retribuía com digno pagamento. Era homem de comportamento rude, rudeza adquirida de quem vivera, até os 18 anos, no agreste pernambucano, filho único, com a morte do pai, a mãe mudara para Recife, a trabalhar de empregada doméstica e ele veio para São Paulo, morar com um tio, lá para as bandas do Grajaú. Semi-analfabeto, braços fortes, como todo nordestino chegante, em semelhantes condições, virou servente de pedreiro, e, finalmente mestre de obra. Uma noite, em um “bailão” frequentado, predominantemente, por “gente  que veio do norte pra cidade grande”, como cantava Belchior, conheceu Matilde, mulata sacodida, seios empinados, gargalhada frouxa, corpo sempre em brasas. Seis meses depois estavam casados, tiveram filhos, Manoel, em alegria constante. Virara zelador do meu prédio, em cuja construção trabalhara. Era verdadeiro xerife: comandava os funcionários (faxineiros, manobristas, porteiros) com mão-de-ferro e estava sempre disposto a “sair na mão”, que não era homem de levar desaforo para casa. Numa segunda-feira, como de hábito, chego ao escritório às 8 horas e, ainda fazendo as orações, antes de começar o trabalho, escuto a campainha e, minutos depois, a secretaria avisa-me, pelo interfone, que Manoel queria falar-me. Recebi-o, com a cordialidade de sempre, acomodo-o na poltrona a minha frente, ofereço café, que ele recusa e sua fisionomia, entre fechada e abatida, dizia-me que algo grave acontecera. Ele demorou para dizer a que veio e, quando começou a falar, voz embargada, seus olhos umedeceram: “sabe, doutor, o senhor me conhece a um tempão. Saio de casa às 05 da manhã para chegar aqui às 7 e só saio, quando não tem mais ninguém, lá pelas oito da noite. Tem o Inácio, mas é um preguiçoso e não confio nele. Chego em casa às 10 da noite, muitas vezes as crianças estão dormindo. Amo minha mulher e juro que nem olhar pra outra eu olho. Minha vida é minha família. Pois não é que já faz um mês que estou desconfiado que Matilde está me corneando, com perdão da má palavra? Aí eu vim me aconselhar com o senhor. Que que eu faço?” Dou prolongado gole d’agua, para escolher as palavras certas: “Olha Manoel, isto que você está dizendo é muito grave e você não pode tomar decisão precipitada. Primeiro, você não pode desconfiar, mas ter certeza que ela lhe trai. E somente quando tiver certeza, é que pode tomar uma decisão, sem violência, que você tem dois filhos para criar. A solução é o divórcio que, é claro, eu faço para você.” – “E o que eu faço da minha vida, doutor, longe de minha mulher e meus filhos, que são tudo que tenho? Melhor me matar.”, disse-me ele, já aos prantos. Procurei acalmá-lo, que, primeiro, ele deveria ter certeza da traição e, mesmo que fosse verdade, o divórcio não lhe tiraria o direito de ver e estar com os filhos. Da maneira mais simples possível, expliquei-lhe o que era e como funcionava a guarda compartilhada. Manoel saiu de meu escritório, deixando-me  preocupado. Para homens rudes, que suportaram  terríveis adversidades, honra não se lava com simples divórcio. No dia seguinte, uma sexta-feira, ao passar pela portaria, perguntei ao Manoel como andavam as coisas. – “Agora tenho certeza do chifre que a desinfeliz me botou”, disse-me ele, com indisfarçável ódio na voz:- “Hoje vou estar fora, Manoel. Não faça nenhuma bobagem e, na segunda feira, conversaremos. Porque você não passa o fim-de-semana na casa de seu tio?”, sugeri-lhe. Na segunda-feira, chego ao prédio, tremendo alvoroço na portaria. Manoel havia matado os filhos e se matara, na frente da esposa infiel. Subi para o escritório, sem condições de trabalhar. Manoel escolhera a mais absurda forma de vingança: a mulher carregaria, pelo resto da vida, a indescritível culpa pela morte dele e dos filhos. Covarde, não tive coragem de ir ao enterro.