terça-feira, 9 de janeiro de 2018

Palavras (quase) amargas

Não me considero “papa defunto”, mas não deixo de ir a velório de pessoas amigas ou de quem, por qualquer razão, tenha tido importância, em minha vida e, quando vou, faço questão de, por largos minutos, fitar o falecido, oferecendo-lhe uma oração. Aquele momento de absoluta desproteção, exige de mim intimidade maior com o morto, como se lhe dissesse:- “fico por aqui, lembrando-me de você, talvez nos encontremos...” Se convivo mal com a velhice, tenho, até, certo encanto com a morte, que, definitivamente, nos livra de todos os males. É claro que falo da morte “normal”, final de linha e não da prematura, filho que parte antes do pai, deixando vazio e dor perenes. Já perdi amigos queridíssimos, parentes queridíssimos, cujos semblantes, na câmara mortuária, tenho-os gravados na mente, como momento de despedida. Apesar de já, tantas vezes, ter convivido com a morte, fico imaginando como será a minha. Dizem que o sofrimento, antes da partida, é forma de purificação. Eu, cá de mim, acho que o sofrimento não tem qualquer serventia, tanto assim é que a medicina moderna emprega todos os meios disponíveis para que o paciente não sinta dor. Se eu pudesse escolher, iria numa manhã chuvosa, de preferência em um sábado, trazendo menores transtornos para os que se julgarem na obrigação de comparecer ao evento. Estando minha companheira, economicamente amparada, vou, sem deixar e levar saudade. Tive muito mais que esperava, acima de tudo o privilégio de ter criado 03 filhos, que seguem seus caminhos, sem atropelos. Poderia ter lido mais, viajado mais, cultivado mais as poucas amizades, mas, também, não se pode ter tudo. Outro dia, Rodolfo perguntou-me se eu não tinha receio do que me espera “do outro lado”. A resposta exigiu-me certa reflexão e concluí que, apesar dos erros cometidos, aqui e ali, das pessoas que magoei, alcanço uma nota, entre 05 e 06 e, certamente, contarei com a interferência de Maria, mãe de Deus, para um estágio no purgatório, que não mereço mais do que isto.
Confesso que ando meio cansado de correr esta maratona, que, a cada passo, vai deixando seus encantos para trás. Por mais que queiram se enganar, a velhice é doença incurável, talvez por isso eu tenha consumido, com sofreguidão até, minha pós-juventude e, o que foi melhor, eu a consumi junto com a mulher amada. Quando vejo pessoas idosas fazendo ginástica, dançando, sinto um certo dó  delas, porque, como náufragos desesperados, agarram-se a uma salvação, que já não há, porque a praia ficou lá longe e a corrente empurra mar adentro. Se me pedissem para retratar o repugnante, eu colocaria dois corpos velhos, nus, tentando amor físico. Que não vejam nestas palavras, qualquer sintoma de depressão ou mesmo desencanto Penso por quantos amigos e parentes derramarei lágrimas ou se até mesmo, não chorarão por mim, ao longo deste ano que começa. Malgrado tudo, sigo vivendo, agora como longínquo espectador, sentado na última fileira do teatro ou no último degrau da arquibancada do estádio.

Não sei, mas esta chuva miúda e este quase frio, que nada têm com o verão (será que ele ainda existe?), anda corroendo minha alma.

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