segunda-feira, 22 de janeiro de 2018

Crônica do amor interrompido

Era um acordo tácito: quando queria transar, ela o esperava, banho tomado, usando “L’air du temps”, o perfume preferido dele. Ele chegava, preparava uísque para dois e, quando retornava à sala, a voz quente e rouca de Louis Armstrong ou a suavidade de Françoise Hardy completavam o clima. Dançavam um pouco e, como em balé mágico, deixavam-se levar até o quarto. Tudo com muita calma, como se cada um precisasse descobrir cada parte do outro.  Assim fora durante 20 anos, desde quando se descobriram no “roof” do Hotel Miramar, ela debruçada sobre a murada, contemplando, extasiada, a orla de Copacabana, mais iluminada, naquela noite, pelo brilho da lua cheia que ornamentava o céu. – “Venho aqui, com frequência, e não me canso desta vista, de tirar o fôlego” – disse-lhe ele, como se não tivesse outra intenção, senão puxar conversa. Mas tinha: observava-a, já fazia alguns minutos, ela, morena, alta, pele dourada pelo sol, blusa despretensiosamente amarrada sobre inexistente barriga, saia suficientemente curta, permitindo o surgimento de exuberante par de coxas. Devia ter, no máximo, 30 anos e de seu sorriso brotaram duas quase imperceptíveis covas, quando ele perguntou: - “incomodo você ou alguém que esteja com você?” – “claro que não! Estou com amigos, esta é a primeira vez que venho a esse lugar e estou deslumbrada.” – “O Rio possuí lugares – emendou ele a conversa -, fora da rota de turismo, que surpreendem pela beleza.  Você não quer sentar comigo, naquela mesa de canto, com vista para este mar todo?”. Antes que ela respondesse, ele a tomou pela mão  e a guiou, como o faria pelo resto da vida. Luiz Carlos era profissional bem sucedido, engenheiro de larga linhagem de construtores, que auxiliaram a poluir a paisagem com dezenas de edifícios, espalhados pela orla e mais recentemente, pela Barra. Luiz Carlos não era o que se pode chamar de “homem bonito", mas, aos 40 anos, conservava o corpo de surfista, nascido e criado na beira da praia. Realizado em tudo, menos no amor, do qual se declarava definitivamente mendigo. Gastava todo seu estoque com Maria Clara, paixão de seus 20 anos e que um dia, ou melhor, numa melancólica noite de chuva, apenas lhe disse: - “acabou, Luis Carlos, não quero mais!” Depois de várias e inúteis tentativas de recuperá-la, foi curtir sua tristeza, surfando no Havaí e, ao voltar, quase dois anos depois, encontrou-a gravidíssima, acompanhada do autor da façanha. Refugiou-se no estudo e no trabalho, para alegria do pai. Quando este morreu, vítima de bala perdida, em “arrastão”, no túnel Rebouças, ele assumiu a Construtora. Com esta consolidada, no mercado imobiliário, ele, chegando aos 40 achou que precisava dar um tempo para a vida pessoal. E foi esse  “tempo” que o  levou àquele bar, pequeno, íntimo, situado no último andar do “Miramar”. Aquele local era, para ele, espécie de refúgio: quando o peito apertava, como em doença, subia até lá, pedia uma garrafa de “old parr” -  o uísque preferido do pai – e se deixava olhar Copacabana, vista de cima, alheio às pessoas entorno. Pois naquela noite, de  ela onde surgira, sem qualquer pretensão, não mais que de repente, viu a mulher das coxas torneadas (sempre fora obcecado por coxas). Chama-se Camila, morava em Goiânia e estava de férias, no Rio. Um ano depois, com várias idas a Goiânia, Luiz Carlos convenceu Camila a morarem juntos, no Rio. Uma espécie de “teste drive”,  se se adaptassem um ao outro, formalizariam a relação. O tempo foi passando e, como não tiveram filhos, ficou apenas a relação, cada vez mais intensa, movida, principalmente, pelo sexo, que ardia entre os dois. Aquela noite de segunda-feira, todavia, seria diferente. Luiz Carlos chegou por volta das 10 da noite e, como de hábito, encontrou Camila, banho tomado, rescendendo a perfume, recostada no sofá, coxas maravilhosamente expostas. Luiz Carlos limitou-se a abaixar a vista e se dirigir a seu quarto, trancando a porta. Camila, absolutamente surpresa, aguardou infindáveis minutos, até bater à porta do quarto, de onde saiu Luiz Carlos, com um revólver na mão. Olhando fixo nos olhos dela perguntou: “É verdade que você tem um caso com o salva-vidas da praia do Arpoador?” Camila queria gritar, dizer que era mentira, ou que foram meros encontros de carne, sem amor... mas a voz calou-se na garganta e duas lágrimas dos olhos lhe rolaram. Luiz Carlos, em sepulcral silêncio, foi até a janela, que trazia o mar para dentro da sala, colocou o revólver na boca e acionou o gatilho, espalhando miolos e manchando de vermelho o tapete branco.

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