terça-feira, 30 de janeiro de 2018

O dia da recriação

Deus, imerso na solidão do “eu sozinho”, não podia escapar de alguns equívocos cometidos, na “semana da criação”. E, aqui pra nós, mesmo para Deus, 06 dias é muito pouco tempo, para tanto fazer. Por certo, cada um de nós, se lá estivesse, teria várias sugestões a dar, de modo a melhorar a composição estética do universo ou mesmo seu funcionamento. De minha parte não tenho nenhuma restrição mais relevante a fazer: encanta-me as nuances do verde, o ritmo das ondas e a beleza estonteante do por-do-sol, principalmente quando acontece, lá longe, onde o mar acaba. O que realmente me incomoda, é o processo de degradação física e mental que, muita vez, retira a dignidade do ser humano, antes da partida definitiva. Já vi este melancólico fenômeno atingir várias pessoas, inclusive da minha família. Em revista semanal recente, lá estava Pelé, magro, olhar vazio, apoiado em “andador”. Lembrei-me de que cheguei a São Paulo, no início dos anos 60 e ir ao Pacaembu, ver Pelé jogar, era quase ritual. Podia-se ser torcedor de qualquer time, mas o Santos de Pelé era de todos, acima do bem e do mal. O tempo passou, levando todas as minhas idades. Tudo bem, afinal, entre perdas e ganhos, estou no lucro. Mas, destroçar Pelé, a ponto de receber um beijo de misericórdia do Maradona, é humilhação a que não  merecia ele ser exposto. A mesma coisa digo em relação a João Gilberto, absolutamente senil, vivendo em penúria moral e material, inerte ante à ação destruidora de seus próprios filhos. João Gilberto “mudou” o gosto musical de várias gerações e eu estava lá, naquele barzinho do “beco das garrafas”, onde ele mostrava sua “batida diferente”, para gente que ainda lhe torcia o nariz, porque preferia os dramalhões de Lupicínio Rodrigues e Antonio Maria, nas vozes de Maísa e Dolores Duram. João Gilberto correu mundo, gravou com Stan Getz e Sinatra e não merecia acabar, em tosco e mal cheiroso apartamento alugado.

É aqui que meto o meu bedelho! Se tivesse ao lado do Pai Eterno, no formidável momento da criação, sugeriria que ele poupasse os gênios da senilidade. Que eles fossem, de repente, não mais que de repente, de preferência ao romper de sol de verão.

segunda-feira, 29 de janeiro de 2018

Lula: o dia seguinte

Confesso que fiquei desapontado com as consequências do resultado do julgamento de Lula. Afora trôpegas manifestações, de júbilo ou tristeza, aqui e ali, a população manteve-se alheia, ao que deveria ser o grande acontecimento do ano iniciante. Tal reação asséptica foi boa ou ruim? Difícil fazer avaliação, principalmente em nossa Capital, em véspera de feriado “imprensado”, com as pessoas,  apressadas, em busca das praias ou das montanhas. Mesmo em Porto Alegre, o aparato de guerra montado, mostrou-se exagerado. Na verdade, a própria mídia supervalorizou o julgamento, cujo resultado até Nara, minha anciã cadela, que detesta política, já conhecia. O sistema Financeiro foi o único, a demonstrar euforia, com a bolsa subindo e o dólar despencando. Mas desconfio que tenha sido para especulação. Os “embargos de declaração” passavam a ser a expressão mais utilizada pelos jornalistas. Na verdade, trata-se de recurso de nenhuma importância e  que já deveria ter sido extinto, pois servem apenas para adiar, por curto lapso de tempo, a eficácia da sentença. No caso de Lula, aposto os 10 dedos das mãos que serão rejeitados. Como o Supremo Tribunal Federal, em sua mais melancólica composição, tornou-se órgão político, aposto os 10 dedos dos pés que até a publicação do resultado dos embargos, a Corte (?) já reviu aquela decisão, de fevereiro de 2016, que admitia a prisão do réu, cuja sentença condenatória é confirmada pelo Tribunal Regional. Então, ficará Lula condenado, mas aguardando, em liberdade, o julgamento de outros recursos, o que pode se arrastar por vários anos. A bola, então, vai para os pés da Justiça Eleitoral, que decidirá se Lula poderá disputar a presidência. Como nada mais tenho a apostar, que tenha valor extrínseco, fico na encolha, mesmo achando que o radicalismo se exacerbará. Lula, candidato ou não, estará nos palanques, vitimizando-se e, mais do que nunca, propondo a instalação de uma “República proletária”. É, no mínimo, precipitado afirmar que a condenação de Lula viabilizou a vitória de candidato do “centro”. Necessariamente, o caminho do lulopetismo será uma guinada à extrema esquerda, ao qual se oporá, via de consequência, um candidato de extrema direita, no caso, Jair Bolsonaro. Por enquanto, por mais lúgubre que seja este é o quadro político, no momento, desenhado para nosso melancólico país.

terça-feira, 23 de janeiro de 2018

A difícil opção pelo direito

Linda manhã de domingo, chego da missa e Rodolfo aguarda-me para nosso passeio ao parque. Nara, alegando excesso de calor, preferiu ficar em casa. É o peso da idade, ela já chegando aos 80. Rodolfo convidou-me a andar por entre as árvores – podíamos conversar, à vontade. Eu já antevia o assunto, por isso não me surpreendi, quando ele foi direto ao ponto:
- “O que você acha do julgamento do Lula, na próxima quarta feira?”.
 Respondo-lhe que é jogo de cartas marcadas, que sua condenação já estava definida, antes mesmo do processo começar. Rodolfo estanca quase me derrubando:
- “Ué, você bandeou para o lado do Lula, não estou entendendo!”
Procuro um banco, acomodo-me, para melhor expor meu pensamento:

- “Sabe, Rodolfo, sempre procurei manter minha coerência, principalmente em política. Quando jovem, fui lacerdista, depois, estive ao lado do Movimento Cívico – Militar de 1964, a meu juízo, o melhor momento da nossa historia, em termos de desenvolvimento econômico, de seriedade, na condução da coisa pública. Alguns amigos me consideram “de direita”            e meu queridíssimo amigo, José Paulo de Andrade, define-me como da “direita progressista”, expressão que, a meu sentir, coaduna-se mais com minha maneira de pensar e agir. Assim, como “animal político, anseio pela condenação do Lula, como artífice do “petrolão”. Todavia, por outro lado, sou advogado, por convicção, sonho            que acalentei desde a pós meninice, quando abdicava do futebol ou do banho de rio, para acompanhar as sessões do júri, em minha pequena cidade. Completei 50 anos de estrada e nela pretendo morrer. Aprendi – e gravei – a lição do saudoso Hermínio Alberto Marques Porto, honra e glória do Ministério Público Paulista, com quem fiz meu primeiro júri e que me honrou com sua amizade, segundo a qual, absolver ou condenar deve resultar, exclusivamente, da prova dos autos. Então, lembrando mestre Hermínio, não consigo ver nesse malfadado processo do “triplex” do Guarujá, nenhuma prova robusta de que Lula o tenha recebido, sob forma de propina. O apartamento continua em nome da Construtora e a prova produzida contra Lula reduz-se a delações premiadas, que se fragilizam, pelo simples fato de virem de delatores, a esperarem o premio, sob forma de redução de pena. Imaginemos, só pelo amor ao debate, que Lula e a Construtora tenham cogitado em fazer a “tenebrosa transação”. Todavia, não a fizeram, pois não se conhece um único documento, formalizando-a e, como sabemos, na sistemática de nosso direito penal, não se pune a chamada “cogilatio mentis”, isto é, não há crime, enquanto este apenas habita a mente do eventual criminoso. Assim, dentro deste prisma, tecnicamente jurídico, Lula deveria ser absolvido. Confesso, Rodolfo, que, como advogado, sentira um grande alivio se assim acontecesse. Entretanto, não acredito que assim será, vez que o julgamento é, acima de tudo, político e a condenação é exigência do “sistema”, cuja mão estendida é a grande “mídia”, que quer Lula fora da disputa presidencial. Por outro lado, as lideranças petistas cometeram o pecado mortal de insuflar seus correligionários contra os magistrados, que irão julgar Lula. Juiz não admite ser pressionado e muito menos ser ameaçado. Em resumo, Rodolfo, respondendo a sua pergunta: acho que Lula vai ser condenado, mesmo inexistindo prova concreta contra ele, o que será um desserviço à justiça. Condenado, Lula se tornará cadáver insepulto e, dentro da lógica absurda da política brasileira, elegerá qualquer um , que indicar. Para enterrá-lo, de vez, só há um jeito: batê-lo nas urnas... se for este o real desejo do povo brasileiro.      

segunda-feira, 22 de janeiro de 2018

Crônica do amor interrompido

Era um acordo tácito: quando queria transar, ela o esperava, banho tomado, usando “L’air du temps”, o perfume preferido dele. Ele chegava, preparava uísque para dois e, quando retornava à sala, a voz quente e rouca de Louis Armstrong ou a suavidade de Françoise Hardy completavam o clima. Dançavam um pouco e, como em balé mágico, deixavam-se levar até o quarto. Tudo com muita calma, como se cada um precisasse descobrir cada parte do outro.  Assim fora durante 20 anos, desde quando se descobriram no “roof” do Hotel Miramar, ela debruçada sobre a murada, contemplando, extasiada, a orla de Copacabana, mais iluminada, naquela noite, pelo brilho da lua cheia que ornamentava o céu. – “Venho aqui, com frequência, e não me canso desta vista, de tirar o fôlego” – disse-lhe ele, como se não tivesse outra intenção, senão puxar conversa. Mas tinha: observava-a, já fazia alguns minutos, ela, morena, alta, pele dourada pelo sol, blusa despretensiosamente amarrada sobre inexistente barriga, saia suficientemente curta, permitindo o surgimento de exuberante par de coxas. Devia ter, no máximo, 30 anos e de seu sorriso brotaram duas quase imperceptíveis covas, quando ele perguntou: - “incomodo você ou alguém que esteja com você?” – “claro que não! Estou com amigos, esta é a primeira vez que venho a esse lugar e estou deslumbrada.” – “O Rio possuí lugares – emendou ele a conversa -, fora da rota de turismo, que surpreendem pela beleza.  Você não quer sentar comigo, naquela mesa de canto, com vista para este mar todo?”. Antes que ela respondesse, ele a tomou pela mão  e a guiou, como o faria pelo resto da vida. Luiz Carlos era profissional bem sucedido, engenheiro de larga linhagem de construtores, que auxiliaram a poluir a paisagem com dezenas de edifícios, espalhados pela orla e mais recentemente, pela Barra. Luiz Carlos não era o que se pode chamar de “homem bonito", mas, aos 40 anos, conservava o corpo de surfista, nascido e criado na beira da praia. Realizado em tudo, menos no amor, do qual se declarava definitivamente mendigo. Gastava todo seu estoque com Maria Clara, paixão de seus 20 anos e que um dia, ou melhor, numa melancólica noite de chuva, apenas lhe disse: - “acabou, Luis Carlos, não quero mais!” Depois de várias e inúteis tentativas de recuperá-la, foi curtir sua tristeza, surfando no Havaí e, ao voltar, quase dois anos depois, encontrou-a gravidíssima, acompanhada do autor da façanha. Refugiou-se no estudo e no trabalho, para alegria do pai. Quando este morreu, vítima de bala perdida, em “arrastão”, no túnel Rebouças, ele assumiu a Construtora. Com esta consolidada, no mercado imobiliário, ele, chegando aos 40 achou que precisava dar um tempo para a vida pessoal. E foi esse  “tempo” que o  levou àquele bar, pequeno, íntimo, situado no último andar do “Miramar”. Aquele local era, para ele, espécie de refúgio: quando o peito apertava, como em doença, subia até lá, pedia uma garrafa de “old parr” -  o uísque preferido do pai – e se deixava olhar Copacabana, vista de cima, alheio às pessoas entorno. Pois naquela noite, de  ela onde surgira, sem qualquer pretensão, não mais que de repente, viu a mulher das coxas torneadas (sempre fora obcecado por coxas). Chama-se Camila, morava em Goiânia e estava de férias, no Rio. Um ano depois, com várias idas a Goiânia, Luiz Carlos convenceu Camila a morarem juntos, no Rio. Uma espécie de “teste drive”,  se se adaptassem um ao outro, formalizariam a relação. O tempo foi passando e, como não tiveram filhos, ficou apenas a relação, cada vez mais intensa, movida, principalmente, pelo sexo, que ardia entre os dois. Aquela noite de segunda-feira, todavia, seria diferente. Luiz Carlos chegou por volta das 10 da noite e, como de hábito, encontrou Camila, banho tomado, rescendendo a perfume, recostada no sofá, coxas maravilhosamente expostas. Luiz Carlos limitou-se a abaixar a vista e se dirigir a seu quarto, trancando a porta. Camila, absolutamente surpresa, aguardou infindáveis minutos, até bater à porta do quarto, de onde saiu Luiz Carlos, com um revólver na mão. Olhando fixo nos olhos dela perguntou: “É verdade que você tem um caso com o salva-vidas da praia do Arpoador?” Camila queria gritar, dizer que era mentira, ou que foram meros encontros de carne, sem amor... mas a voz calou-se na garganta e duas lágrimas dos olhos lhe rolaram. Luiz Carlos, em sepulcral silêncio, foi até a janela, que trazia o mar para dentro da sala, colocou o revólver na boca e acionou o gatilho, espalhando miolos e manchando de vermelho o tapete branco.

quinta-feira, 18 de janeiro de 2018

Entre o joio e o trigo

Podemos afirmar que já estamos em março, porque em janeiro o país está em recesso e fevereiro tem carnaval, que ninguém é de ferro. Assim, podemos dizer que as eleições presidenciais estão logo ali e, afora os intrusos de sempre, que entram na dança, apenas para fazerem coreografia, 03 candidatos emergem, disputando a vaga de presidente da república: de um lado, Lula, ou o “poste” que ele indicar, de outro lado, Jair Bolsonaro e, no meio, o sempre Geraldo Alkmin, que não consegue ultrapassar os limites do Estado de São Paulo. O país  “rachou”, desde que o “petrolão” desvendou o astronômico escândalo de corrupção, montado pelo PT para se perpetuar no poder e não há indícios que essa rachadura se recomponha, o que nos permite concluir que o embate ficará entre o lulopetismo e Bolsonaro. Desprezo o anacrômico debate geográfico, esquerda/direita, primeiro, porque o mundo já o extirpou, segundo, porque o que precisamos, no momento, é promover reformas estruturais que propiciem o desenvolvimento econômico, sem o qual,  falar em “políticas públicas” é mera demagogia eleitoreira. Lula e seu grupo já nos são velhos conhecidos e seu interesse se resume em projeto pessoal de poder. O Brasil caminha para trás, porque é exportador de matéria prima e “nossa” indústria, de “nossa” não tem nada. Pequeno e único exemplo: a Petrobrás, sem condições de refinar o petróleo bruto, exporta-o, importando seus derivados refinados, daí a gasolina batendo 05 reais o litro, uma das mais caras do mundo. O governo FHC privatizou setores estratégicos e o governo atual os aliena para fazer caixa. É mais ou menos, como vender um rim ou um pulmão, para comprar comida. A grande mídia, controlada pelas multinacionais e pelas instituições financeiras, umbilicalmente ligada ao tucanato, tem procurado demonizar Bolsonaro, como se se pudesse desprezar um deputado, em seu sétimo mandato. Afinal, ele quer o que a maioria dos brasileiros queremos: um país com segurança, que não compactue com a marginalidade; um país, com distribuição de renda mais justa; um país, onde o combate à corrupção não seja um fim em si mesmo, mas decorra de seguros mecanismos de controle. É claro que se pode criticar Bolsonaro por seus excessos verborrágicos, todavia, parece óbvio serem eles estratégia de marketing para se estar na mídia, o que é válido, quando não se dispõe de verbas, desviadas do erário público, caso do petismo, ou liberadas pelos grandes conglomerados, que dominam nossa economia, caso dos tucanos.
Porque és morno, eu te vomitarei de minha boca”, registra o livro do apocalipse.
Nas próximas eleições, teremos que escolher um lado, e apenas um, seja o velho conhecido da malversação do dinheiro público, do  “toma lá, dá cá”, seja o lado novo, onde possamos, pelo menos, colocar nossas esperanças de um Brasil, onde haja “ordem e progresso”.

Por isso, apesar de algumas restrições, vou de Bolsonaro.

quarta-feira, 17 de janeiro de 2018

A Igreja e o Povo de Deus


De tempo em tempo, surge movimento, pretendendo grandes transformações na estrutura da Igreja Católica Apostólica Romana, como, por exemplo, a ordenação de mulheres, o casamento homossexual, o reconhecimento do divórcio, como ato natural, a descriminalização do aborto e tantos outros temas polêmicos. Quase sempre, tais propostas vêm de agnósticos ou de teólogos teóricos, assim designados por não serem católicos praticantes. A Igreja Católica, como sabemos, fortaleceu-se ao longo de mais de 2.000 anos, quando os apóstolos, guiados pelo Espírito Santo, peregrinaram pelo mundo, pregando a “boa nova”, resumida pelo Messias em “amai-vos uns aos outros”. Foram séculos de renhidas batalhas, até se consolidar, como a conhecemos hoje, predominando, em todos os países civilizados. Mesmo os que com ela romperam, por questões pontuais, como Lutero, não apagaram suas linhas essenciais: “Cristo vive, Cristo reina, Ele é o poder e a glória para sempre.” As tendências, excessivamente renovadoras – chamadas, politicamente, “progressistas” – não encontram espaço para se desenvolverem, pela simples razão que, na religião, cultuamos a fé, a esperança e a caridade. Aqueles que pretendiam um Cristo revolucionário, na acepção social do termo, decepcionaram-se e preferiram traí-lo, como Judas Escariotes. A “revolução” que Cristo pregava era a do “amor”, para a qual não eram necessários “nem ouro, nem espada”. E a Igreja cresceu, seguindo essa linha, sem priorizar o populismo. Quando olhamos para trás e examinamos os “avanços” do Concílio Vaticano II, realizado em 1962, concluímos que é, no mínimo, precipitado afirmar que ele tirou a Igreja Católica da era medieval e a trouxe  para a modernidade. Isto porque moderna a Igreja sempre será, na medida que traduz o mais forte sentimento do Cristão: a fé! Aquelas questões pontuais serão debatidas e solucionadas a seu exato momento, depois do devido período de maturação. Antes de pleitearem mudanças, que não alterarão a espinha dorsal da Igreja, o verdadeiro católico deve ter conhecimento, objetivo e subjetivo, dos significados dos “ritos” praticados. O Papa Bento XVI, o mais culto pontífice do último século, desenvolveu todo um trabalho para nos ensinar o real profundo sentido da eucaristia, “fonte e ápice da vida e da missão da Igreja”, quando “Deus vem corporalmente a nós, para continuar a sua ação em nós e através de nós” (in “Sacramentum Caritatis”, pag.9). Entender a plenitude desse “encontro”, estar preparado para ele é muitíssimo mais importante do que, por exemplo, debater o celibato sacerdotal. O pouco conhecimento e o desprezo com que se defronta com o ritual litúrgico é questão mais relevante, esta, sim, a merecer profunda reflexão. Quando o sacerdote nos oferece “o corpo e o sangue de Cristo”, não se pode sair, correndo, com a hóstia por entre os dedos. Aquele, para o verdadeiro cristão, é momento de suprema beleza: “o corpo e o sangue de Cristo”, que chega até nós, para nos dar esperança. É como se Cristo, naquele momento, nos tomasse pelas mãos e nos dissesse “vem comigo, eu vou ajudá-lo a carregar sua cruz”.
Certa feita, em uma de suas prazerosas homilias, meu inefável Cônego Sergio Conrado perguntou à assembleia quem se lembrava dos nomes de seus padrinhos de batismo. Mudez total, porque transformamos o ingresso na religião, tal qual ocorre com o matrimônio, em mero acontecimento social. A Igreja Católica não precisa de ser “arejada”, vez não estar ela impregnada de ar impuro. De igual sorte, prescinde ela de ser “popularizada”. Repetindo Bento XVI, a Igreja Católica precisa de qualidade e não quantidade de fiéis. Ir à Igreja para agradecer, pedir, orar ou, simplesmente “sentir” a paz que de lá emana.
Abdiquemos de  nossas vazias pretensões e deixemos que a própria Igreja, através de seus sacerdotes, que se preparam para isto, resolvam suas questões internas. Deus sempre estará conosco para aliviar nossos sofrimentos e de nós apenas espera que nossa vida se manifeste em amor ao próximo.


terça-feira, 16 de janeiro de 2018

Dois perdidos numa noite inútil

O frescor da noite, que se findava, era convite para um bater de pernas, sem rumo, pelo entorno de minha casa. O parque já fechava seus portões, a padaria e o posto de gasolina – únicos estabelecimentos comerciais do pedaço – também restavam com as luzes apagadas. Andar pelas ruas desertas, aqui e ali, casas com televisão ligada, era prazer que, de largo tempo, não desfrutava e Rodolfo, mais por companhia do que por segurança, acompanhou-me nessa vadiagem. Em que pese o crescimento do bairro, o “meu lado” reteve-se, no tempo, conservando-me a memória, como se ele, o tempo, não tivesse passado. Fiquei a contar a Rodolfo, estórias de pessoas, algumas queridas, que moravam nessa ou naquela casa, alguns já transferidos para o Cemitério da Vila Mariana, ali no início da ladeira. Como regra, nós nos apegamos ao bairro, onde moramos, porque nele nos sentimos seguros, na expressão ampla do termo: Damo-nos com as pessoas, sabemos onde encontrar encanador, pedreiro, encomendamos jornal ou revista, na banca, compramos fiado e temos a certeza de que, se formos acometidos de mal súbito, alguém, que sabe onde moramos, nos levará até lá. Moro na mesma casa  há 40 anos e, apesar de ter ela “crescido”, após a mudança de ninho dos filhos, não cogito em dela sair, a não ser para o crematório da Vila Alpina. Rodolfo quebra o silêncio, perguntando-me quantos, como ele, percorreram comigo aquele trajeto. Faço rápida conta e, salvo omissão imperdoável, concluo 30, desde Taty, que veio conosco do Rio, até Clóvis, o último a chegar, mas, adianto-lhe até para entumecer-lhe o ego, que com nenhum outro mantive relacionamento intelectual. Esta relação com bichos remonta a mais tenra infância e tenho a esperança de os encontrar do “outro lado”, eles ladrando, alegremente, pelo nosso reencontro. Confesso que tenho certo preconceito com pessoas que dizem não gostar de animais. Passam-me pouco confiança e revelam forte dose de egoísmo. Quase uma hora depois, retornamos à casa e ainda deixei-me ficar, sentado ao pé da escada e me pus a lembrar de um tempo em que a vida era algo mais simples e a levava cheio de sonhos e fantasias. Um saruê atravessa a rua, provavelmente em direção ao lixo, amontoado ao final da rua, onde, por certo, encontrará comida. Rodolfo late, agressivo e o saruê se encolhe, esperando pelo pior. Acalmo Rodolfo, acariciando-lhe o pelo: “deixe-o, como nós, ele quer apenas sobreviver.” Rodolfo recolhe-se a meus pés, o saruê, agora livre do perigo, segue seu caminho e a noite termina comigo, a cantar, baixinho  canção a falar de amores doídos e coisas assim. Abraço Rodolfo, desejando-lhe bons sonhos e ele, só para me agradar, lambe-me o rosto.

segunda-feira, 15 de janeiro de 2018

A vingança dos covardes

 Você já parou para pensar o que pode estar por trás da não nomeação de Cristiane Brasil para o Ministério do Trabalho? É por demais ingênuo imaginar que seja simples reclamação trabalhista, na qual figura ela como reclamada. Não o é, primeiro, porque não há previsão legal, neste sentido. Dizer que ser réu, neste tipo de processo, torna alguém ímprobo, é atribuir tal adjetivo pejorativo a, pelo menos, 70% dos empresários brasileiros, vítima de uma justiça caolha que, se fosse extinta, em muito ajudaria a implementar o desenvolvimento econômico do País. A justiça do trabalho transformou-se em sinecura, onde juízes, de diminuto saber jurídico, dão as mãos a advogados inescrupulosos que “armam” situações fictícias, para tomar “algum” do empregador. Lá, a Constituição não se aplica, o Código de Processo Civil não se aplica, porque só vale a lei do Juiz, que reina, no mais arcaico absolutismo monárquico. Os civilistas torcem-lhe o nariz. Os constitucionalistas consideram-na ramo espúrio do Direito. Então, com todo esse desprestígio, como pode uma mísera reclamação trabalhista influir na nomeação de Ministro de Estado? A verdade é que “o buraco é mais embaixo”. Cristiane Brasil é filha de Roberto Jefferson, um dos mais destemidos deputados, que já passaram pela Câmara Federal. Integrou, até o último momento, a “tropa de choque”, que se posicionou a favor do ex-presidente Collor, quando os ratos começavam a debandada, insuflados pela canalha do lulopetismo. Naquele momento, ser “cara pintada” era politicamente correto, mas Roberto Jefferson optou pela coragem e competência. Mais tarde, colocando em risco sua própria segurança e interesses pessoais, denunciou o esquema do “mensalão”, que seria o embrião da “lava-jato”. Não foi “delator”, na medida que nenhum “prêmio” recebeu em troca. Ao contrário, amargou cerca de 18 meses de prisão, inculpando apenas a si mesmo. E aí retorno ao ponto inicial: a velha e carcomida esquerda, que, ainda comanda a mídia, principalmente a televisiva, para, através da filha, Cristiane, atingir o pai e o Poder Judiciário, acovardado, submisso a essa mesma mídia, utilizou o ridículo pretexto da reclamação trabalhista, para obstar a posse da quase Ministra. Todo este canhestro episódio, no entanto, trouxe consequência positiva: demonstrou a quase inutilidade do Ministério do Trabalho, que pode ser dirigido por qualquer um e, até mesmo, ficar sem comando, porque as relações capital/trabalho continuarão a serem regidas pelas leis do mercado.

quarta-feira, 10 de janeiro de 2018

Mentem-me que é verão

Chego em casa, chuva miúda e fria, devastando o corpo, estuprando a alma e Rodolfo abandona o conforto de seu protegido canto e vem me receber, com a alegria costumeira. Traz-me o afago, sob forma de patas molhadas que me sujam a roupa. Abraço-o, com a saudade de quem já partiu e ele a mim, como a dizer-me: “não vá, fique mais um pouco”. Sento-me na cadeira, embaixo da escada e ele, parado a minha frente, fita-me, olhos nos olhos, esperando que eu lhe diga alguma coisa. Apenas olho para ele, acarinhando o pelo molhado, que deixa pequenos tufos nas mãos. De repente, ele rompe o silêncio, que se instalou entre nós: - “você não vai entrar, trocar essa roupa molhada, esquentar o corpo com uma dose de uísque?” Respondo-lhe que prefiro ficar ali, escutando o silêncio da rua, vendo a chuva esquálida derramar-se, iluminada pela luz do poste. – “Do que você sente falta?”, quer saber ele. – “De tanta coisa – respondo-lhe eu – que não saberia dizer-lhe todas. Como é janeiro e deveria ser verão, para começar, sinto falta da praia, mais precisamente do Leme onde chegava, junto com o sol e só arredava o pé, quando ele se vestia de vermelho para adormecer. Sinto falta do chopp gelado, bebido, ali no “Sereia do Leme”, ao lado dos desconhecidos de sempre que, de tanto desconhecer, tornavam-se íntimos. Sinto falta de quando esta rua era minha, ou de todos nós, quando jogávamos bola, bebíamos e cantávamos, como se não houvesse amanhã. Sinto falta de todos os que vieram antes de você e lamento que você tenha chegado, eu já cansado e trôpego, sem podermos correr, a solta, eu exibindo todos, porque todos eram lindos e fortes. Sinto falta – e como sinto – do carinho que se foi e se perdeu, a meio de outras noites tristes e chuvosas, como esta. Na verdade, eu não o merecia, Rodolfo, não agora, que sou apenas vaga lembrança do que fui menino, tomando banho no rio de minha aldeia, o mais lindo de todos, simplesmente porque, como melhor disse o Pessoa, porque era o rio de minha aldeia. Sinto saudade das tardes inúteis, gastas na biblioteca pública, a lutar com os Ciceros e os Virgilios. Sinto saudade do “uísque sauer”, bebido, ali, no “Paribar”, a espera da doce amada sair do trabalho. Sinto saudade de tanta coisa boa, que vivi, que nem devia sentir saudade, que é dor que dói doída, mas apenas recordação, que, de tão boas, nos colocam sorriso no rosto, ao invés deste gosto amargo na boca. Você tem razão Rodolfo, melhor eu entrar, deixar que esta tristeza, grudada em mim, escoe pelo ralo do banheiro, sirva generosa dose de bebida qualquer, leia um livro qualquer, ouça uma música qualquer e durma, na fugidia esperança que não haja amanhã. Boa noite, meu doce amigo. Levo comigo, em seus pelos e em seu cheiro, um pouco de você. Só lhe peço uma coisa:  que não se vá antes de mim, porque não suportarei a ausência destes pelos e deste cheiro, deste chegar, sabendo-o ausente. Permita que eu vá antes, falta pouco, já ouço o cantar doce de minha mãe, o falar debochado de meu irmão, os braços abertos, prontos para o abraço, dos amigos apressados . E tenha paciência comigo, porque “sou apenas um velho barco, que guarda em seu casco as lamentações do mar batendo.””

terça-feira, 9 de janeiro de 2018

Palavras (quase) amargas

Não me considero “papa defunto”, mas não deixo de ir a velório de pessoas amigas ou de quem, por qualquer razão, tenha tido importância, em minha vida e, quando vou, faço questão de, por largos minutos, fitar o falecido, oferecendo-lhe uma oração. Aquele momento de absoluta desproteção, exige de mim intimidade maior com o morto, como se lhe dissesse:- “fico por aqui, lembrando-me de você, talvez nos encontremos...” Se convivo mal com a velhice, tenho, até, certo encanto com a morte, que, definitivamente, nos livra de todos os males. É claro que falo da morte “normal”, final de linha e não da prematura, filho que parte antes do pai, deixando vazio e dor perenes. Já perdi amigos queridíssimos, parentes queridíssimos, cujos semblantes, na câmara mortuária, tenho-os gravados na mente, como momento de despedida. Apesar de já, tantas vezes, ter convivido com a morte, fico imaginando como será a minha. Dizem que o sofrimento, antes da partida, é forma de purificação. Eu, cá de mim, acho que o sofrimento não tem qualquer serventia, tanto assim é que a medicina moderna emprega todos os meios disponíveis para que o paciente não sinta dor. Se eu pudesse escolher, iria numa manhã chuvosa, de preferência em um sábado, trazendo menores transtornos para os que se julgarem na obrigação de comparecer ao evento. Estando minha companheira, economicamente amparada, vou, sem deixar e levar saudade. Tive muito mais que esperava, acima de tudo o privilégio de ter criado 03 filhos, que seguem seus caminhos, sem atropelos. Poderia ter lido mais, viajado mais, cultivado mais as poucas amizades, mas, também, não se pode ter tudo. Outro dia, Rodolfo perguntou-me se eu não tinha receio do que me espera “do outro lado”. A resposta exigiu-me certa reflexão e concluí que, apesar dos erros cometidos, aqui e ali, das pessoas que magoei, alcanço uma nota, entre 05 e 06 e, certamente, contarei com a interferência de Maria, mãe de Deus, para um estágio no purgatório, que não mereço mais do que isto.
Confesso que ando meio cansado de correr esta maratona, que, a cada passo, vai deixando seus encantos para trás. Por mais que queiram se enganar, a velhice é doença incurável, talvez por isso eu tenha consumido, com sofreguidão até, minha pós-juventude e, o que foi melhor, eu a consumi junto com a mulher amada. Quando vejo pessoas idosas fazendo ginástica, dançando, sinto um certo dó  delas, porque, como náufragos desesperados, agarram-se a uma salvação, que já não há, porque a praia ficou lá longe e a corrente empurra mar adentro. Se me pedissem para retratar o repugnante, eu colocaria dois corpos velhos, nus, tentando amor físico. Que não vejam nestas palavras, qualquer sintoma de depressão ou mesmo desencanto Penso por quantos amigos e parentes derramarei lágrimas ou se até mesmo, não chorarão por mim, ao longo deste ano que começa. Malgrado tudo, sigo vivendo, agora como longínquo espectador, sentado na última fileira do teatro ou no último degrau da arquibancada do estádio.

Não sei, mas esta chuva miúda e este quase frio, que nada têm com o verão (será que ele ainda existe?), anda corroendo minha alma.

segunda-feira, 8 de janeiro de 2018

Novo ano, velhas conversas

Aproveito a folga, entre o Natal e o Ano Novo, para cumprir tarefa, que sabia pouco prazerosa, mas que devia levar a termo, primeiro, porque se tratava de ler um livro e, segundo, porque me foi emprestado, com especiais recomendações, por amigo de largas leituras. O imortal Nelson Rodrigues ensinava que toda unanimidade é burra e cá estou eu para confirmar o mestre. Não acho, por exemplo, que o Neymar seja tudo isto. Brilha, quando o adversário é medíocre e, ao contrário, diante de um “Bayern”, por exemplo, trata de se esconder e não foi por outra razão que foi para  a França, segundo escalão do futebol europeu. Não o queria em meu time e olha que sou Botafogo. Mas, volto ao livro, cujo autor, Dan Brown, com seu “O Código da Vinci” vendeu 80 milhões de exemplares. O livro é chato, repleto de artimanhas pueris, como a do personagem – herói que se atira do alto do Museu do Louvre em cima de caminhão, carregado de alface, o que o permite se safar e partir para outras heroicas aventuras. O livro da vez e de que me livrei, nestas festas natalinas, é “Origem”, do mesmo autor, que pretendeu debater a origem (de onde viemos) e o fim (para onde vamos) do ser humano. As mesmas e impossíveis aventuras dos personagens principais, que bem poderiam chamar “Homem Aranha, Batman, Superman e assemelhados”. Boa parte do livro é contando histórias de castelos e catedrais, pintores e arquitetos, o que se justifica, porque, como nos indica a “orelha” do livro, a esposa do autor é “pintora e historiadora” da arte, tendo colaborado na obra, em questão. Quanto ao tema proposto, é primário, tanto do ponto religioso, quanto do ponto científico. O personagem principal, Edmond Kirsch, que se dispõe a demitir Deus da criação do mundo, é constituído de modo superficial, a combinar com a superficialidade de suas ideias e de maneira fantasiosa – e bota fantasiosa nisto – de estratificar a nova verdade de que  “as religiões das trevas partiram e reina a da ciência”.
Mas “Origem” segue na relação de os mais vendidos de 2017. Em mim, nada acrescentou e nem mesmo arranhou a convicção de quem vê Deus em tudo, o alfa e o ômega da existência humana. Nietzsche queria matar Deus, mas acabou mesmo se matando. Darwin, com sua teoria evolucionista, frustrou-se, à loucura, por não ter chegado ao ponto inicial.

Para desintoxicar, dou as mãos a Isabel Allende e vou, com ela, “Muito Além do Inverno”.