quarta-feira, 25 de outubro de 2017

Porque é preciso falar de tristeza



Hoje, vou falar de tristeza, tempero que integra nosso cotidiano. Mal refeito dos dias, passados na U.T.I., onde minha esposa ficou internada, chega-me, pelo telefone, notícia de que amigo querido, já com saúde debilitada, fora vítima de contundente infarto. Vou visitá-lo, no hospital, onde foi socorrido, de emergência. Nova U.T.I., imensa, 20 ou mais pessoas, dispostas, em círculo. Surpreende-me o número de pacientes – mais da metade – ainda jovens, 50 ou menos anos. Lá está meu amigo, ligado a equipamentos, que emitem irritante som sincopado. Cumprimento-o, tentando colocar alegria na voz e ele me responde, baixinho, economiza energia, já tão pouca ele a tem. Conheço-o, desde quando retornamos a São Paulo, no início dos anos 80. Logo ficamos amigos, dele e da esposa, que se foi aos 47 anos. Amizade de sair juntos, viajar juntos, amizade partilhada em pequenas e grandes adversidades, que essa é a verdadeira amizade. Não era para ser ele atingido no coração: alimentação comedida, atleta praticante, não fumava e bebida, só cerveja, com moderação. Depois que sua esposa se foi – 24 de setembro de 1997 -  (Lembro-me da data, porque era aniversário do meu filho), ele começou a decair e teve o primeiro infarto , do qual se livrou com safenas e mamarias. Tornou-se mais  caústico  do que sempre fora, mas conservamos a amizade, porque a mim sempre me tratou com gentileza e, também, porque eu sempre soube que, escondido atrás da rudeza, havia incomensurável generosidade, testada e comprovada. Tornou-se, progressivamente, recluso e fracassou, quando tentou novo amor. Gastara-o, por inteiro, na primeira mulher, que foi seu escudo e sua âncora. Ao vê-lo, ali, exposto em sua impotência, sussurrando, ao invés de falar, olhando o vazio, eu, a limpar-lhe restos de comida, escorrendo pelo queixo, lembrei-me do atleta, que conheci, melhor jogador de nosso time de futebol, livre e disposto a fazer o que houvesse a fazer. Saí do hospital abatido,  a pensar, nele e em mim, em nosso tempo que se esvai. Em casa, não consegui reter as lágrimas, por ele e por mim.

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