Os filhos resolveram colocá-lo em casa de repouso, sem
consultá-lo, como se ele fosse móvel
imprestável, que se joga fora. Ele não reclamou, talvez fosse mesmo a
melhor solução, já que a esposa morrera, a única pessoa que se importava com
ele. Não que o amasse, suportavam-se, apenas, depois de tantos anos de casados.
Foi logo depois da missa de sétimo dia. Os filhos, em torno da mesa da sala de
jantar, discutiam o seu destino, ele, sentado na poltrona, olhando para a
televisão desligada. A discussão seguia acalorada, todos justificando porque não podiam ficar com ele.
A filha ainda argumentava que ele, ainda lúcido, podia continuar morando na
casa, bastando que contratassem uma cuidadora, que a aposentadoria dava para
pagar. Mas os filhos foram definitivos, que era para segurança dele. E se
tivesse um mal súbito, de madrugada, todos morando longe, quem iria socorrê-lo?
Além do mais, não fazia sentido ele morar sozinho numa casa daquele tamanho,
podia até ser assaltado. Finalmente, em um domingo de verão, sol brilhando
forte, os filhos o levaram para a casa de repouso, lá pras bandas do Horto
Florestal. Foi recebido por uma senhora, toda de branco, que lhe deu mil
explicações, sem que ele prestasse atenção. Seu quarto tinha uma cama de ferro,
com grade protetora, um guarda-roupas de duas portas, uma mesinha e uma
cadeira. Notou que a janela era gradeada. A casa possuía, nos fundos, um
gramado, com vários bancos de madeira, onde velhos, como ele, sentavam, olhando
para a inútil paisagem. A casa era cercada por muros altos e a alta porta de
entrada possuía um desses sinos de igreja, que badalava alto, quando abria ou
fechava. Tinha horário pra tudo: café-da-manhã, às 07, almoço, às 12, lanche,
às 15, jantar às 18 e chá com torradas às 21 horas. Às 10 da noite, uma moça
com hipócrita sorriso nos lábios, passava, perguntando se precisava de alguma
coisa e dizia que era hora de dormir. Nunca estivera em colégio interno ou
prisão, mas devia ser a mesma coisa. Isolou-se, não conversava com ninguém,
mergulhado em suas lembranças. Depois de certo tempo – um ano ou menos – os
filhos deixaram de visitá-lo. Melhor assim! Não tinham que manter conversas
inúteis e idiotas, sempre apressadas, eles olhando o relógio. Um dia, tomou a
decisão que vinha amadurecendo: era seu aniversário. Trocou o pijama pela roupa
surrada de todo o dia e esperou a chegada do homem com as compras. Quando o
portão abriu, ele saiu, sem ser notado e embarcou no primeiro ônibus que
passava. Depois, no segundo, no terceiro, até chegar na casa, onde vivera, por
50 anos, com a esposa, onde nasceram e foram criados os filhos. As janelas, que
davam para a rua estavam abertas e uma moça olhou para ele, como se fosse um
poste. Ficou largos minutos, olhando a escada, que terminava na varanda, que
dava para a sala e onde, aos domingos, lia o jornal, enquanto a esposa
preparava o almoço e os filhos brincavam, no quintal. Ali ficara o sentido de
sua vida e, simplesmente, atravessou a rua, de encontro ao caminhão, que vinha
em velocidade. “morreu na contra-mão,
atrapalhando o trânsito”.
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