segunda-feira, 30 de outubro de 2017

O herói sem heroísmo



Não digo o nome do personagem, porque é advogado ilustre, ainda militando em altas rodas. Só digo que foi meu colega de faculdade, vindo de outro Estado, de família milionária. Vivíamos dias agitados, a política universitária correndo solta,  debates, assembleias e, na ingenuidade da juventude, imaginávamos poder mudar a história. Menos ele:  era o que, à época, chamava-se “alienado”. Possuía carro, o que, naquele remoto tempo, , já era significativo diferencial. Sempre com ternos bem cortados, dava-se ao luxo de almoçar nos melhores restaurantes da cidade. Eis que estoura – para meu regozijo e de meu grupo – a Revolução de 1964. A faculdade pega fogo e os confrontos tornam-se diários e, de tão acalorados, interrompem as aulas. Praticamente, todos se envolvem, menos, é claro, aquele colega, para quem a Revolução nada significava, para o bem ou para o mal. Mais importante, era o cardápio do dia. Até que, em ensolarada tarde, enquanto os pobres mortais trabalhavam, meu recheado colega vivia intensos momentos de amor com donzela, também de fino trato, no apartamento dela. Só que o local de algum tempo, vinha sendo monitorado pelo então DOPS. Ali eram realizadas reuniões do banido e execrado Partido Comunista, fato que meu colega, voltado para as boas coisas mundanas, não tinha o menor conhecimento. Naqueles bons tempos, ser de esquerda e contestar o regime militar, recém instalado, tinha charme e dava prestígio e a tal donzela, para obtê-lo, emprestava seu confortável apartamento para reuniões, onde se fantasiava a possibilidade de mandar os militares de volta aos quartéis. O certo é que, estando o colega a meio de voluptosas carícias, o “templo do amor” é invadido por policiais do DOPS e os pombinhos conduzidos a local inserto e não sabido. Nosso herói ficou vários dias, sem aparecer na Faculdade e, ao que constou, foi solto graças à interferência de General, amigo da família que explicou à autoridade competente que o detido era competente para declinar o nome dos melhores restaurantes da cidade, mas, quanto aos “camaradas” perguntados, não tinha a menor ideia quem fossem. Libertado, de volta à Faculdade, foi recebido como herói, pela “esquerda festiva” que, por óbvio, desconhecia a versão verdadeira da prisão, contada, muito tempo depois, por outro colega, também milionário e que, com ele, dividia as mesas caras de “comes e bebes”.
Não sei se o guapo rapaz recebeu daquelas  indenizações que os governos petistas andaram distribuindo aos “heróis da resistência”. Bem que o merecia, porque a interrupção do, digamos, ato amoroso, poderia ter deixado profundas sequelas... se é que me entendem! Outro dia, encontrei-o, no Tribunal. Cumprimentamo-nos, educadamente, lembrei do fato, mas, como nunca fomos íntimos, não ousei perguntar sobre as tais sequelas... se é que delas houve.

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