terça-feira, 31 de outubro de 2017

O povo volta a “pagar o pato”



Já são passados 20 anos ou mais, estava eu em Toronto, no Canadá, em domingo de verão. Como não era chegado ao café da manhã do hotel, com todas as gordurosas iguarias, fui à cafeteria, do outro lado da avenida,  para o brasileiro café com leite e pão com manteiga. A avenida estava absolutamente deserta, de pessoas e veículos e, assim, como saí do hotel, segui meu destino. De repente, escuto um apito, volto-me e vejo um guarda a chamar-me. Atravessara eu fora da faixa de pedestre e, malgrado todos os meus argumentos, fui multado em 10 dólares canadenses. Toronto é cidade limpissima, sem buracos, absolutamente segura e portadora de um dos mais elevados “índices de desenvolvimento humano – IDH”, do mundo. Leio que, dentro de poucos meses, passará a vigorar multa para pedestres, no Brasil. Percorro o meu bairro e há buracos que já comemoraram vários aniversários, onde a Prefeitura, quando muito, coloca cavaletes, para que desavisados não sejam devorados por eles. Basta o céu enegrecer, avisando que vem chuva, e os semáforos param de funcionar. O Parque da Aclimação anda tão sujo – como de resto, as ruas da cidade – que os saruês dividem a pista, em busca de comida. A Avenida Paulista, outrora cartão postal da cidade, transformou-se em imenso camelódromo, que vai do Hospital Santa Catarina até a Rua da Consolação. A Praça da Sé Lembra o “Pátio dos Horrores”, descrito por Vitor Hugo, em “Os Miseráveis”. O centro da Capital é ocupado por desvalidos, jogados nas calçadas, onde fazem suas necessidades. A “cracolândia” continua desafiando a inércia administrativa e a insegurança democratizou-se: assalta-se, a qualquer hora, no Morumbi e na periferia. E o descaso do Poder Público não é privilégio de nossa Capital, a mais rica do País. A outrora glamurosa Avenida Nossa Senhora de Copacabana, transformou-se em risco seguro de morte. Parente, residente em Belo Horizonte, informa-me que, tal qual São Paulo, a cidade encontra-se abandonada e cliente, recém chegado de Fortaleza, impressionou-se com o acúmulo do lixo, ao longo da Avenida Beira-Mar. Esta é a administração pública, inepta e corrupta que busca arrancar mais grana do contribuinte.
Últimas pesquisas indicam que os favoritos à presidência, em 2018, são Lula e Bolsonaro e, como “cada povo tem o governo, que merece”, votarei nos dois. Talvez, juntos, possam, de vez, destruir o Brasil e daí dar-se início a uma “nova era”.

segunda-feira, 30 de outubro de 2017

O herói sem heroísmo



Não digo o nome do personagem, porque é advogado ilustre, ainda militando em altas rodas. Só digo que foi meu colega de faculdade, vindo de outro Estado, de família milionária. Vivíamos dias agitados, a política universitária correndo solta,  debates, assembleias e, na ingenuidade da juventude, imaginávamos poder mudar a história. Menos ele:  era o que, à época, chamava-se “alienado”. Possuía carro, o que, naquele remoto tempo, , já era significativo diferencial. Sempre com ternos bem cortados, dava-se ao luxo de almoçar nos melhores restaurantes da cidade. Eis que estoura – para meu regozijo e de meu grupo – a Revolução de 1964. A faculdade pega fogo e os confrontos tornam-se diários e, de tão acalorados, interrompem as aulas. Praticamente, todos se envolvem, menos, é claro, aquele colega, para quem a Revolução nada significava, para o bem ou para o mal. Mais importante, era o cardápio do dia. Até que, em ensolarada tarde, enquanto os pobres mortais trabalhavam, meu recheado colega vivia intensos momentos de amor com donzela, também de fino trato, no apartamento dela. Só que o local de algum tempo, vinha sendo monitorado pelo então DOPS. Ali eram realizadas reuniões do banido e execrado Partido Comunista, fato que meu colega, voltado para as boas coisas mundanas, não tinha o menor conhecimento. Naqueles bons tempos, ser de esquerda e contestar o regime militar, recém instalado, tinha charme e dava prestígio e a tal donzela, para obtê-lo, emprestava seu confortável apartamento para reuniões, onde se fantasiava a possibilidade de mandar os militares de volta aos quartéis. O certo é que, estando o colega a meio de voluptosas carícias, o “templo do amor” é invadido por policiais do DOPS e os pombinhos conduzidos a local inserto e não sabido. Nosso herói ficou vários dias, sem aparecer na Faculdade e, ao que constou, foi solto graças à interferência de General, amigo da família que explicou à autoridade competente que o detido era competente para declinar o nome dos melhores restaurantes da cidade, mas, quanto aos “camaradas” perguntados, não tinha a menor ideia quem fossem. Libertado, de volta à Faculdade, foi recebido como herói, pela “esquerda festiva” que, por óbvio, desconhecia a versão verdadeira da prisão, contada, muito tempo depois, por outro colega, também milionário e que, com ele, dividia as mesas caras de “comes e bebes”.
Não sei se o guapo rapaz recebeu daquelas  indenizações que os governos petistas andaram distribuindo aos “heróis da resistência”. Bem que o merecia, porque a interrupção do, digamos, ato amoroso, poderia ter deixado profundas sequelas... se é que me entendem! Outro dia, encontrei-o, no Tribunal. Cumprimentamo-nos, educadamente, lembrei do fato, mas, como nunca fomos íntimos, não ousei perguntar sobre as tais sequelas... se é que delas houve.

quinta-feira, 26 de outubro de 2017

O roteiro do destino



Como muitos anos se passaram e ele até já morreu, posso contar a irônica história do cliente, libanês de origem, que me procurou para separação litigiosa... e das bravas. Descobrira que a esposa, bem mais jovem, o traía. De imediato, não só nada iria fazer, mas até fingiria nem mesmo desconfiar da traição. Primeiro era “alienar” todo o seu patrimônio... e que patrimônio. Eu mesmo, que, de larga data advogava para sua empresa, tive transferida, de modo transitório,  para meu nome, fazenda, com alguns milhares de cabeças de gado. Ela continuava gozando as delícias do adultério e ele, além de reunir provas concretas, ia se  desfazendo das fazendas e apartamentos. Na hora certa, quase dois anos depois, entramos com a ação e, para partilhar, sobraram móveis e alfaias. Ele fez questão de dividir até os talheres. A guarda dos dois filhos, ambos menores, ficou com ele, excelente pai, que sempre o foi. Resumo da ópera bufa: do casamento, ela saiu apenas com o amante que, pobretão, não tinha condições de lhe prover o bem viver. Não sei quanto tempo durou a relação., só tive a notícia que ela voltou a morar com o pai, empreiteiro de burra cheia, homem das antigas, que continuou amigo de meu cliente. Este passou a viver recluso: de casa para a empresa e vice-versa. Limitava-se, muito de quando em vez, receber amigos – eu, dentre eles – para conversa amena, regada a uísque de muitos anos, em sua bela cobertura, na região dos Jardins. Cercava os filhos de carinho e atenção, dividindo-os com empregada de muitos anos, pau pra toda obra, misto de babá e governanta, tendo, sob seu comando, verdadeira legião de empregados. Dois anos passados da separação homologada, promove o retorno do patrimônio, transferindo-o aos filhos, com reserva de usufruto para ele. Aí vem a ironia do destino: menos de um ano depois, ele é abatido por infarto fulminante, e, como os filhos ainda eram menores,  a mãe é nomeada tutora dos mesmos, passando a gerir todo o patrimônio deixado.  E o advogado dela, que ele execrava, a ponto de se referir a ele, como “jegue nordestino”, assume o inventário do dito cujo.
Passados tantos anos, coloco-o em minhas orações, pedindo a Deus que apascente sua alma.

quarta-feira, 25 de outubro de 2017

Porque é preciso falar de tristeza



Hoje, vou falar de tristeza, tempero que integra nosso cotidiano. Mal refeito dos dias, passados na U.T.I., onde minha esposa ficou internada, chega-me, pelo telefone, notícia de que amigo querido, já com saúde debilitada, fora vítima de contundente infarto. Vou visitá-lo, no hospital, onde foi socorrido, de emergência. Nova U.T.I., imensa, 20 ou mais pessoas, dispostas, em círculo. Surpreende-me o número de pacientes – mais da metade – ainda jovens, 50 ou menos anos. Lá está meu amigo, ligado a equipamentos, que emitem irritante som sincopado. Cumprimento-o, tentando colocar alegria na voz e ele me responde, baixinho, economiza energia, já tão pouca ele a tem. Conheço-o, desde quando retornamos a São Paulo, no início dos anos 80. Logo ficamos amigos, dele e da esposa, que se foi aos 47 anos. Amizade de sair juntos, viajar juntos, amizade partilhada em pequenas e grandes adversidades, que essa é a verdadeira amizade. Não era para ser ele atingido no coração: alimentação comedida, atleta praticante, não fumava e bebida, só cerveja, com moderação. Depois que sua esposa se foi – 24 de setembro de 1997 -  (Lembro-me da data, porque era aniversário do meu filho), ele começou a decair e teve o primeiro infarto , do qual se livrou com safenas e mamarias. Tornou-se mais  caústico  do que sempre fora, mas conservamos a amizade, porque a mim sempre me tratou com gentileza e, também, porque eu sempre soube que, escondido atrás da rudeza, havia incomensurável generosidade, testada e comprovada. Tornou-se, progressivamente, recluso e fracassou, quando tentou novo amor. Gastara-o, por inteiro, na primeira mulher, que foi seu escudo e sua âncora. Ao vê-lo, ali, exposto em sua impotência, sussurrando, ao invés de falar, olhando o vazio, eu, a limpar-lhe restos de comida, escorrendo pelo queixo, lembrei-me do atleta, que conheci, melhor jogador de nosso time de futebol, livre e disposto a fazer o que houvesse a fazer. Saí do hospital abatido,  a pensar, nele e em mim, em nosso tempo que se esvai. Em casa, não consegui reter as lágrimas, por ele e por mim.

sexta-feira, 20 de outubro de 2017

“Pegadas na Areia”



Sonhei que estava andando na praia com o Senhor e através do céu, passavam cenas da minha vida. Para cada cena que passava, percebi que eram deixados dois pares de pegadas na areia: um era meu e o outro era do Senhor. Quando a última cena passou diante de nós, olhei para trás, para as pegadas na areia e notei que muitas vezes, no caminho da minha vida, havia apenas um par de pegadas na areia. Notei também que isso aconteceu nos momentos mais difíceis e angustiosos do meu viver. Isso me aborreceu deveras e perguntei então ao Senhor. “Senhor, Tu me disseste que,  uma vez que resolvi te seguir, Tu andarias sempre comigo, em todo o caminho. Contudo, notei que durante as maiores atribulações do meu viver, havia apenas um par de pegadas na areia. Não compreendo porque nas horas em que eu mais necessitava de Ti, Tu me deixaste sozinho”.
O Senhor me respondeu: “Meu precioso filho. Jamais eu te deixaria nas horas de provas e de sofrimento. Quando viste, na areia, apenas um par de pegadas, eram as minhas. Foi exatamente ai que eu te carreguei nos braços.”
(Muitos já se apropriaram deste texto, mas a autoria é de Margareth Fishback Powers, vale a pena ler o livro “Pegadas na areia” Ed. Fundamento.)
Em tempo:
A verdadeira amizade é como o cajado, em que nos apoiamos, na caminhada difícil. Meu cajado tem vários nomes e seria injusto destacar alguns, todavia, nesta sexta-feira, em especial, quero dizer obrigado, a meu cliente, irmão e, acima de tudo, amigo, de longa data, Euclides Pecchi.