sexta-feira, 13 de janeiro de 2017

UMA JORNADA NAO TAO ALEGRE



Alguns dias tinham se passado desde que o verão inaugurara, trazendo com seu calor, o exuberante desfile de coxas torneadas. Luiz Claudio, seguindo ancestral hábito, sentara-se naquele bar de calçada, na Avenida Paulista, para assistir àquele balé mágico. A escolha da Paulista, como palco, não era ato aleatório. Por ali – constatara por reiteradas pesquisas, por ele mesmo realizadas – transitavam as melhores coxas verânicas da cidade e o horário do almoço era o apogeu delas. Para manter a discreção, usava óculos escuros e as esperava entrar em seu campo visual para  esquadrinhá-las, avaliar sua rigidez e, até mesmo, suas eventuais estrias. A menos que fossem tênues e instaladas à altura da panturrilha, abominava tatuagens, um pouco por preconceito (vinha de geração em que tatuado era sinônimo de drogado), um pouco porque ela, a tatuagem, quebrava a harmonia do “conjunto da obra”. Aconteceu em um dia assim. Livrara-se da insistência de amigo, que o queria para o almoço e se postou no bar de sempre. Não que o amigo o desagradasse, mas o esplendor do sol, espargindo-se sobre a avenida, não combinava com análises políticas e econômicas. O Brasil – aprendera com o tempo – navega sempre e sempre navegou em mares imprevisíveis, fora da compreensão dos que comandam e dos que são comandados. Melhor, então, cada um cuidar de si, perseguindo suas necessidades. Foi então que elas, as coxas, surgiram do outro lado da calçada. Com toda sua experiência, jamais delas contemplara com tanta beleza e perfeição: longas, firmes, ainda amorenadas por algum sol praiano, cobertas, ou melhor, descobertas por minúscula saia. Extasiado, Luiz Claudio acompanhou a chegada, bem ali defronte, delas e de sua dona, morena, qualquer coisa entre 35 e 40, cabelos longos e pretos, andar de quem sabe o que quer. Quando ela, a dona das coxas, passou por ele, seus olhares se cruzaram e, por atração magnética inexplicável, ambos sorriram. Luiz Claudio, rompendo seu hábito cauteloso de abordar mulheres, correu até ela, deteu-a e, sem lhe dar tempo para pensar, convidou-a para se juntar a ele, no bar da esquina, convite prontamente aceito. Dizia-se chamar Luana, morava nas Perdizes e viera para entrevista de emprego ali perto. Ele, desconcentrado pelo sucessivo cruzar de pernas dela, não era capaz de dizer qualquer coisa, fora da banalidade do calor e do trânsito. Em pouco tempo fez-se silêncio e ele decidiu ir ao cerne da questão: “ quando podemos tomar um aperitivo de fim de tarde, para nos conhecer melhor?”  Na verdade, Luiz Claudio tinha parido toda   sua capacidade de amar com Maria Clara, que o abandonara, sem aviso prévio: “nosso caso, Luiz Claudio, já deu tudo o que tinha que dar e, se não nos separarmos, agora, neste momento, viveremos as agruras do desamor e apagaremos  nossa história, que foi ótima, enquanto durou, por isso, até qualquer dia”. E Maria Clara saiu sem pensar, mas com determinação, deixando-o, ele quase chegando aos 60, como se lhe fosse tirado o ar. Chorou, bebeu, pensou em procurar Maria Clara, humilhar-se, suplicar para que ela voltasse mas, com os dias, emoção assentada, viu que era melhor assim. Afinal, Maria Clara tinha razão: a velha chama já não ardia como antes e, antes que apagasse de vez, melhor cada um buscar seu caminho. Ele ainda não se sentia disponível, por isso, gastava seu tempo em redescobrir a cidade e a avenida paulista era seu porto seguro. Nascera na “Pro Matre”, quando era modesta maternidade. Estudara no “Paris Leme”, que não existe mais e que ficava lá na esquina da Augusta, o “centro” da boemia da época. Quando Maria Clara foi embora, alugara o apartamento de Moema, herdado de uma tia solteirona e se transferira para o “flat”, na Alameda Campinas, ali ao lado do bar, onde, agora, conversava com Luana, a das coxas voluptuosas e de quem aguardava resposta para o convite de “happy hour”.Luana, olhando-o nos olhos e segurando-lhe as mãos -  o que o deixou excitado - disse-lhe: “sabe, bem, eu vou onde você quiser, mas cobro mil reais a hora, e topo tudo. “ Luiz Claudio, assustado, quase caiu da cadeira. Jamais imaginaria Luana – a ser pelo nome que, por certo, era falso -, como garota de programa. Recuperado, pediu o telefone dela, pagou a conta e saíram, ambos, em direção oposta, ela, levando suas coxas retumbantes, ele, cabisbaixo, picotando o papel, onde anotara o número do telefone. Não sabia se se definia como ingênuo ou pretensioso por imaginar que mulher, ainda jovem, naquela exuberância toda, pudesse se interessar por ele, já entrando na “pior idade”.

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