Alguns dias tinham se passado desde que o verão inaugurara, trazendo
com seu calor, o exuberante desfile de coxas torneadas. Luiz Claudio, seguindo ancestral
hábito, sentara-se naquele bar de calçada, na Avenida Paulista, para assistir àquele
balé mágico. A escolha da Paulista, como palco, não era ato aleatório. Por ali
– constatara por reiteradas pesquisas, por ele mesmo realizadas – transitavam
as melhores coxas verânicas da cidade e o horário do almoço era o apogeu delas.
Para manter a discreção, usava óculos escuros e as esperava entrar em seu campo
visual para esquadrinhá-las, avaliar sua
rigidez e, até mesmo, suas eventuais estrias. A menos que fossem tênues e
instaladas à altura da panturrilha, abominava tatuagens, um pouco por
preconceito (vinha de geração em que tatuado era sinônimo de drogado), um pouco
porque ela, a tatuagem, quebrava a harmonia do “conjunto da obra”. Aconteceu em um dia assim. Livrara-se da
insistência de amigo, que o queria para o almoço e se postou no bar de sempre.
Não que o amigo o desagradasse, mas o esplendor do sol, espargindo-se sobre a
avenida, não combinava com análises políticas e econômicas. O Brasil –
aprendera com o tempo – navega sempre e sempre navegou em mares imprevisíveis,
fora da compreensão dos que comandam e dos que são comandados. Melhor, então,
cada um cuidar de si, perseguindo suas necessidades. Foi então que elas, as
coxas, surgiram do outro lado da calçada. Com toda sua experiência, jamais
delas contemplara com tanta beleza e perfeição: longas, firmes, ainda
amorenadas por algum sol praiano, cobertas, ou melhor, descobertas por
minúscula saia. Extasiado, Luiz Claudio acompanhou a chegada, bem ali defronte,
delas e de sua dona, morena, qualquer coisa entre 35 e 40, cabelos longos e
pretos, andar de quem sabe o que quer. Quando ela, a dona das coxas, passou por
ele, seus olhares se cruzaram e, por atração magnética inexplicável, ambos sorriram.
Luiz Claudio, rompendo seu hábito cauteloso de abordar mulheres, correu até
ela, deteu-a e, sem lhe dar tempo para pensar, convidou-a para se juntar a ele,
no bar da esquina, convite prontamente aceito. Dizia-se chamar Luana, morava
nas Perdizes e viera para entrevista de emprego ali perto. Ele, desconcentrado
pelo sucessivo cruzar de pernas dela, não era capaz de dizer qualquer coisa,
fora da banalidade do calor e do trânsito. Em pouco tempo fez-se silêncio e ele
decidiu ir ao cerne da questão: “ quando
podemos tomar um aperitivo de fim de tarde, para nos conhecer melhor?” Na verdade, Luiz Claudio tinha parido
toda sua capacidade de amar com Maria
Clara, que o abandonara, sem aviso prévio: “nosso
caso, Luiz Claudio, já deu tudo o que tinha que dar e, se não nos separarmos,
agora, neste momento, viveremos as agruras do desamor e apagaremos nossa história, que foi ótima, enquanto
durou, por isso, até qualquer dia”. E Maria Clara saiu sem pensar, mas com
determinação, deixando-o, ele quase chegando aos 60, como se lhe fosse tirado o
ar. Chorou, bebeu, pensou em procurar Maria Clara, humilhar-se, suplicar para
que ela voltasse mas, com os dias, emoção assentada, viu que era melhor assim.
Afinal, Maria Clara tinha razão: a velha chama já não ardia como antes e, antes
que apagasse de vez, melhor cada um buscar seu caminho. Ele ainda não se sentia
disponível, por isso, gastava seu tempo em redescobrir a cidade e a avenida
paulista era seu porto seguro. Nascera na “Pro
Matre”, quando era modesta maternidade. Estudara no “Paris Leme”, que não existe mais e que ficava lá na esquina da
Augusta, o “centro” da boemia da
época. Quando Maria Clara foi embora, alugara o apartamento de Moema, herdado
de uma tia solteirona e se transferira para o “flat”, na Alameda Campinas, ali ao lado do bar, onde, agora,
conversava com Luana, a das coxas voluptuosas e de quem aguardava resposta para
o convite de “happy hour”.Luana,
olhando-o nos olhos e segurando-lhe as mãos - o que o deixou excitado - disse-lhe: “sabe, bem, eu vou onde você quiser, mas
cobro mil reais a hora, e topo tudo. “ Luiz Claudio, assustado, quase caiu
da cadeira. Jamais imaginaria Luana – a ser pelo nome que, por certo, era falso
-, como garota de programa. Recuperado, pediu o telefone dela, pagou a conta e
saíram, ambos, em direção oposta, ela, levando suas coxas retumbantes, ele,
cabisbaixo, picotando o papel, onde anotara o número do telefone. Não sabia se
se definia como ingênuo ou pretensioso por imaginar que mulher, ainda jovem,
naquela exuberância toda, pudesse se interessar por ele, já entrando na “pior idade”.
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