Constato que o verão completou um mês com, pelo menos, 20
dias de sol intenso, iluminando as praias e dourando os corpos. Vi, pela TV,
que tão plácido estava o mar carioca que as pessoas fizeram do banho noturno
seu lugar natural e cotidiano. Expulso, progressivamente da vida, por
imposições não queridas, deixei-me ficar por aqui, protegendo-me no ar
condicionado. Paradoxo absoluto, porque, ao me proteger, escondo-me do calor,
prazer, que já foi constante amor, presença esperada, com ansiedade, quase
volúpia. Lembrar dos verões passados, quando sorria para mim mesmo, vendo o
corpo amorenado? Lembrar das praias passadas, furando ondas ou, simplesmente,
boiando, pensamentos ausentes, olhando a cobertura do céu, ou o contorno da
montanha, ao lado? Aprendi, nestes momentos de desprazer, que essas lembranças,
como fotografias velhas, vão perdendo nitidez, até não mais se poder
identificar se elas, as lembranças, refletem realidade vivida, ou se foi apenas sonho ou filme. Uns preferem contar
mentira para si mesmo; “odeio calor!”.
Eu, cá de mim, não por algum pudor, mas porque, tão reles seria a mentira, que
saltaria de meus olhos, abaixo a cabeça e, no silêncio dos que não têm outra alternativa, simplesmente me conformo. Não
busco recordações de praias passadas, porque seria me torturar pela ausência
delas. Simplesmente, em silêncio, sinto falta delas, como dor, que não dói, mas
que sei que está aqui dentro, dizendo, baixinho, “eu estou aqui”. Olho meu corpo, no espelho e sinto falta, não tanto
da rigidez de antes, mas da linha divisória entre o queimado de sol e o branco,
escondido pelo calção. E me conformo, outra vez, tantas vezes quantas são as
visões inúteis de hoje, até porque, com sol ou sem sol, só resta a mediocridade
deste parque ao lado, com as pessoas a andarem em círculo, em busca de alguma
coisa que parece sempre estar um passo adiante. Sento em um banco, ainda úmido
da chuva, que caiu cedo. A monotonia do verde, feita mais monótona, porque não
venta! Os patos ou os gansos - o que quer que sejam, não faz a menor diferença
– aproximam-se da margem do escuro lago, na esperança que alguém se lhe atirem
migalhas de pão. Também eles, os gansos ou patos, tem os olhos entristecidos
pela mesmice da paisagem, da torpeza das águas, por onde perambulam, tudo
absolutamente igual, vida que segue sem vida. Será assim hoje, amanhã e todos
os dias, até que morram de velhice ou doença, o que, no fim, é a mesma coisa,
porque morte é morte, não importa sua causa. Tenho pena deles, patos ou gansos,
naquela monótona quietude, porque posso sentir monotonia e a
vida se esvair em outros lugares, como, por exemplo, no bar da esquina ou
brincando com os cachorros, que brincam comigo, mesmo, talvez, preferindo fazer
outra coisa, como, por exemplo, correr por estrada de terra, no encalço do
motoqueiro, que passa, com seu barulho. Felizmente, a noite esparrama seu manto
fúnebre sobre a cidade. Felizmente, o fim-de-semana, de mais um verão sem
praia, com sua inútil paisagem, vai chegando ao fim. Amanhã, com sol ou sem sol
– que diferença faz? – surgirão outras monotonias ou, o que é mais provável, a
continuação das mesmas, o preso para soltar, o casamento para desfazer, o
conselho – inútil – para dar, a vida correndo pelos dedos, dando a certeza de
que o que se perdeu ou o que não se ganhou resta definitivamente armazenado no
limbo de minha alma. Recordo Drummond, mas, como não sei tocar, ouço um tango
argentino.
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