A edição 370 – janeiro 2017 – da revista “Super Interessante” traz matéria de
capa, sob o título “A Verdadeira Maria”
que, segundo o mensário, “era mais rica e
independente do que reza o mito e teve pelo menos sete filhos”. Como sou curioso
compulsivo, quando se trata de temas sobre religião, comprei a revista e
percorri, com a maior isenção possível,
a matéria cravada da página 27 a 35, sendo, em 5 delas, Maria é retratada mais
como protagonista de novela da “Globo”.
Assim, o artigo fica, na verdade, reduzido a quatro páginas o que, convenhamos,
é nada para historiar sobre tão fulgurante mulher. A matéria é superficial, contraditória
e irrelevante. Começo pelo último adjetivo. Contestar a virgindade de Nossa
Senhora e o fato de Jesus ser-lhe filho unigênito, 2017 anos depois de seu
nascimento, em nada muda a história, nem esmaece a divindade de ambos. Ao longo
dos séculos, Maria surgiu, em diferentes lugares, recebendo centenas de
codinomes e títulos, operando milagres,
que restaram incontestáveis, até para os incrédulos. Quem quiser ter raquítica ideia,
visite a “sala dos milagres”, no Santuário
de Nossa Senhora de Aparecida, na cidade do mesmo nome. Suassuna, com
sensibilidade invulgar, no seu consagrado “Auto
da Compadecida”, produz uma Nossa Senhora que interfere, a favor dos fracos
e desvalidos, na iminência de serem arrastados ao fogo do inferno. Provavelmente,
o consagrado autor inspira-se na parte final da “Oração da Ave Maria”, onde suplicamos a ela que “rogai por nós, pecadores, agora e na hora de
nossa morte”. Têmo-la, assim, como “advogada
nossa”, a interceder por nós, para que nossos erros sejam minimizados e
nossas virtudes exaltadas. Diante disto, de tanto amor, tanta doçura, tantos
feitos consagrados e reconhecidos, qual a importância de ter ela se mantido “imaculada”, no sentido de virgem, ou
não? Quanto ao fato de Maria ter tido “7
filhos pelo menos”, a matéria é superficial e contraditória. Sustenta o
autor tal argumento, dando interpretação literal a uma passagem do Evangelho de
Marcos, narrando a ida de Jesus a sua
terra natal, em pregação, quando vizinhos comentam: “não é ele o filho de José e Maria, irmão de Tiago, Josef, Judas e
Simão? E suas irmãs não estão entre nós?”. O próprio autor da matéria
reconhece que “nos primeiros séculos do
cristianismo, a idéia que essas pessoas eram literalmente irmãos de Cristo,
filhos de José e Maria, foi contestada por teólogos que defendiam a tese da
virgindade da mãe de Jesus.” E arremata o
articulista: “ a interpretação
mais fluente, porém, é de São Jerônimo, para quem o termo “irmão” designaria
”primos” de Jesus, já que o aramaico e o hebraico muitas vezes usam essa
palavra para se referir a graus de parentesco mais distante, como sobrinho ou
primo.” Contradição à parte, penso eu, o que muda, se Maria teve filhos e
Jesus irmãos? Ele sempre será o que é, “príncipe da paz e do amor” e ela, Maria,
a essência de todas as mães, imaculada, porque “sem mancha” de conduta. Para nós católicos, aceitar a virgindade de
Maria, como dogma, não nos traz qualquer desconforto intelectual e Jesus, como
filho unigênito dela, “concebido pelo
poder do Espírito Santo”, é simples
e lógico corolário de tal dogma. A
superficialidade decorre de assertivas levianas, como: “ de um ponto de vista puramente
histórico, o mais provável é que realmente Jesus tenha tido irmãos”. Todavia, a
matéria não informa em que fonte o autor foi beber tal informação. “O mais provável” não é expressão
adequada a quem se dispõe a elaborar matéria de tal envergadura. A principal
fonte histórica daquele período ainda são os Evangelhos e de nenhum deles pode
se tirar qualquer notícia de outros filhos de Maria. E merece observar que os
Evangelhos, sem colidir fatos, diferem entre si e assim o é, primeiro, porque
foram escritos em épocas diferentes, segundo, porque o principal veículo de
comunicação da época era a palavra oral. Aliás,
a contrário senso, é de se admirar como,
malgrado tais observações, os 4 Evangelhos possam ter tanta similitude.
Houve um tempo em que empedernidos críticos da religião afirmavam que todos os
textos bíblicos teriam sido escritos
pelo mesmo grupo de pessoas, a serviço da igreja, por volta do século IV d.C. Essa falácia
soçobrou quando, em 1995, Carter Dieter Thiede, famoso papirologista alemão,
identificou, em papiros da metade do 1º século d.C., trechos dos Evangelhos de
Lucas e Mateus, o que permite concluir pela possibilidade concreta de estarmos
diante de testemunhas oculares. E mais, fragmento de papiro, existente na
Universidade de Paris, identificado como sendo dos anos 60 d.C., é parte do
Evangelho de Lucas. Tais informações tornam inquestionável, não só a
contemporaneidade dos Evangelhos com Jesus, mas a veracidade de seus conteúdos,
por mais que tal autenticidade possa irritar eruditos, não cristãos, como
parece ser o caso do autor da matéria, aqui comentada.
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