terça-feira, 10 de janeiro de 2017

PARANÓIA OU MISTIFICAÇÃO



A edição 370 – janeiro 2017 – da revista “Super Interessante” traz matéria de capa, sob o título “A Verdadeira Maria” que, segundo o mensário, “era mais rica e independente do que reza o mito e teve pelo menos sete filhos”. Como sou curioso compulsivo, quando se trata de temas sobre religião, comprei a revista e percorri,  com a maior isenção possível, a matéria cravada da página 27 a 35, sendo, em 5 delas, Maria é retratada mais como protagonista de novela da “Globo”. Assim, o artigo fica, na verdade, reduzido a quatro páginas o que, convenhamos, é nada para historiar sobre tão fulgurante mulher. A matéria é superficial, contraditória e irrelevante. Começo pelo último adjetivo. Contestar a virgindade de Nossa Senhora e o fato de Jesus ser-lhe filho unigênito, 2017 anos depois de seu nascimento, em nada muda a história, nem esmaece a divindade de ambos. Ao longo dos séculos, Maria surgiu, em diferentes lugares, recebendo centenas de codinomes e títulos, operando  milagres, que restaram incontestáveis, até para os incrédulos. Quem quiser ter raquítica ideia, visite a “sala dos milagres”, no Santuário de Nossa Senhora de Aparecida, na cidade do mesmo nome. Suassuna, com sensibilidade invulgar, no seu consagrado “Auto da Compadecida”, produz uma Nossa Senhora que interfere, a favor dos fracos e desvalidos, na iminência de serem arrastados ao fogo do inferno. Provavelmente, o consagrado autor inspira-se na parte final da “Oração da Ave Maria”, onde suplicamos a ela que “rogai por nós, pecadores, agora e na hora de nossa morte”. Têmo-la, assim, como “advogada nossa”, a interceder por nós, para que nossos erros sejam minimizados e nossas virtudes exaltadas. Diante disto, de tanto amor, tanta doçura, tantos feitos consagrados e reconhecidos, qual a importância de ter ela se mantido “imaculada”, no sentido de virgem, ou não? Quanto ao fato de Maria ter tido “7 filhos pelo menos”, a matéria é superficial e contraditória. Sustenta o autor tal argumento, dando interpretação literal a uma passagem do Evangelho de Marcos, narrando a ida  de Jesus a sua terra natal, em pregação, quando vizinhos comentam: “não é ele o filho de José e Maria, irmão de Tiago, Josef, Judas e Simão? E suas irmãs não estão entre nós?”. O próprio autor da matéria reconhece que “nos primeiros séculos do cristianismo, a idéia que essas pessoas eram literalmente irmãos de Cristo, filhos de José e Maria, foi contestada por teólogos que defendiam a tese da virgindade da mãe de Jesus.” E arremata o  articulista: “ a interpretação mais fluente, porém, é de São Jerônimo, para quem o termo “irmão” designaria ”primos” de Jesus, já que o aramaico e o hebraico muitas vezes usam essa palavra para se referir a graus de parentesco mais distante, como sobrinho ou primo.” Contradição à parte, penso eu, o que muda, se Maria teve filhos e Jesus irmãos? Ele sempre será o que é,  príncipe da paz e do amor” e ela, Maria, a essência de todas as mães, imaculada, porque “sem mancha” de conduta. Para nós católicos, aceitar a virgindade de Maria, como dogma, não nos traz qualquer desconforto intelectual e Jesus, como filho unigênito dela, “concebido pelo poder do Espírito Santo”, é  simples e lógico corolário de tal dogma.  A superficialidade decorre de assertivas levianas, como: “ de um ponto de vista puramente  histórico, o mais provável é que realmente  Jesus tenha tido irmãos”. Todavia, a matéria não informa em que fonte o autor foi beber tal informação. “O mais provável” não é expressão adequada a quem se dispõe a elaborar matéria de tal envergadura. A principal fonte histórica daquele período ainda são os Evangelhos e de nenhum deles pode se tirar qualquer notícia de outros filhos de Maria. E merece observar que os Evangelhos, sem colidir fatos, diferem entre si e assim o é, primeiro, porque foram escritos em épocas diferentes, segundo, porque o principal veículo de comunicação da época era a palavra oral. Aliás,  a contrário  senso, é de se  admirar como,  malgrado tais observações, os 4 Evangelhos possam ter tanta similitude. Houve um tempo em que empedernidos críticos da religião afirmavam que todos os textos  bíblicos teriam sido escritos pelo mesmo grupo de pessoas, a serviço da igreja, por volta do século IV d.C.  Essa  falácia soçobrou quando, em 1995, Carter Dieter Thiede, famoso papirologista alemão, identificou, em papiros da metade do 1º século d.C., trechos dos Evangelhos de Lucas e Mateus, o que permite concluir pela possibilidade concreta de estarmos diante de testemunhas oculares. E mais, fragmento de papiro, existente na Universidade de Paris, identificado como sendo dos anos 60 d.C., é parte do Evangelho de Lucas. Tais informações tornam inquestionável, não só a contemporaneidade dos Evangelhos com Jesus, mas a veracidade de seus conteúdos, por mais que tal autenticidade possa irritar eruditos, não cristãos, como parece ser o caso do autor da matéria, aqui comentada.

Nenhum comentário:

Postar um comentário