Millôr Fernandes, uma das mais fulgurantes inteligências que
este País já teve, escritor, chargista, teatrólogo, consagrado tradutor de Shakespeare,
estampava, do alto de sua coluna, o mote “o
livre pensar é só pensar.” Invoco o saudoso Millôr e seu mantra, quando
constato que, progressivamente, o ser humano, de modo geral e o brasileiro, mui
especialmente, vai perdendo sua privacidade, só lhe restando, como último
baluarte, o “livre pensar”. Nossa Constituição,
por exemplo, assegura a nós, cidadãos, o direito ao “sigilo de dados”, a ser quebrado apenas por determinação judicial. Acontece
que, ao lado do Tribunal de Justiça, há um pequeno estabelecimento (e outros
tantos deles haverá em nossa Capital), onde, qualquer um, levando apenas o CPF
da “vítima” e pela módica taxa de 15
reais, levanta toda a vida econômico financeira do dito cujo. Assim se dá,
porque os Órgãos de proteção ao crédito, dando as costas a nossa Carta
Constitucional, vende a quem interessar possa, programa de computador, contendo
tais dados de qualquer um, que tenha CPF. E tem mais: o Código de Processo
Penal estabelece, como regra, o sigilo das investigações realizadas, no curso
do Inquérito Policial. E assim deve, ou melhor, deveria ser, não só para que
tais investigações sejam preservadas, mas também em obediência ao principio
constitucional da “presunção da inocência”.
Todavia, o que temos visto, nas diversas “operações”, realizadas pela Polícia Federal, é que são elas
iniciadas “em conjunto” com a
imprensa, que tem acesso e divulga delações, que nem mesmo foram homologadas. Assim,
o averiguado, desde o primeiro momento, é exposto à execração pública, o que,
por si, já constitui pena, extensiva aos seus familiares. Em nome da segurança,
as grandes cidades do mundo espalham milhares de câmeras de circuito fechado de
TV, pelas principais ruas e avenidas, captando, até, inocentes olhares, em
busca de coxas torneadas. Vamos nos acostumando a esta invasão de privacidade,
até porque, nestas plagas bananais, submetemo-nos a tudo, sem reclamar. O que
sobrou, que ainda podemos guardar apenas para nós? Somente o “livre pensar”, desde que não o
vomitemos. O empregado “pensa” o
patrão como crápula, mas o olha com olhar bovino, sem nada dizer. O marido e a
mulher se odeiam, em silencio, cada qual arrependido daquele casamento,
acometido do maior dos males, que é o tédio. E assim vamos, hipocritamente,
vivendo, guardando, em nosso “livre
pensar”, ressentimentos, decepções e até – por que não? – tesão recolhida
que não podemos revelar, porque o “próximo”
está muito próximo, em qualquer sentido. Fico feliz por estar na última curva
do caminho e tratar essas engenhocas eletrônicas por V.Excia. Sim, porque virá
dia – que espero não mais estar por aqui – em que surgirá “aplicativo”, a permitir que se saiba o que o interlocutor pensa, no
momento que se fala com ele. Será o caos, ou o ser humano, purificado pela
sinceridade absoluta, retornará ao paraíso, antes do despejo de Adão e Eva. Quem
viver, verá!
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