terça-feira, 17 de janeiro de 2017

A essencial liberdade de pensamento



Millôr Fernandes, uma das mais fulgurantes inteligências que este País já teve, escritor, chargista, teatrólogo, consagrado tradutor de Shakespeare, estampava, do alto de sua coluna, o mote “o livre pensar é só pensar.” Invoco o saudoso Millôr e seu mantra, quando constato que, progressivamente, o ser humano, de modo geral e o brasileiro, mui especialmente, vai perdendo sua privacidade, só lhe restando, como último baluarte, o “livre pensar”. Nossa Constituição, por exemplo, assegura a nós, cidadãos, o direito ao “sigilo de dados”, a ser quebrado apenas por determinação judicial. Acontece que, ao lado do Tribunal de Justiça, há um pequeno estabelecimento (e outros tantos deles haverá em nossa Capital), onde, qualquer um, levando apenas o CPF da “vítima” e pela módica taxa de 15 reais, levanta toda a vida econômico financeira do dito cujo. Assim se dá, porque os Órgãos de proteção ao crédito, dando as costas a nossa Carta Constitucional, vende a quem interessar possa, programa de computador, contendo tais dados de qualquer um, que tenha CPF. E tem mais: o Código de Processo Penal estabelece, como regra, o sigilo das investigações realizadas, no curso do Inquérito Policial. E assim deve, ou melhor, deveria ser, não só para que tais investigações sejam preservadas, mas também em obediência ao principio constitucional da “presunção da inocência”. Todavia, o que temos visto, nas diversas “operações”, realizadas pela Polícia Federal, é que são elas iniciadas “em conjunto” com a imprensa, que tem acesso e divulga delações, que nem mesmo foram homologadas. Assim, o averiguado, desde o primeiro momento, é exposto à execração pública, o que, por si, já constitui pena, extensiva aos seus familiares. Em nome da segurança, as grandes cidades do mundo espalham milhares de câmeras de circuito fechado de TV, pelas principais ruas e avenidas, captando, até, inocentes olhares, em busca de coxas torneadas. Vamos nos acostumando a esta invasão de privacidade, até porque, nestas plagas bananais, submetemo-nos a tudo, sem reclamar. O que sobrou, que ainda podemos guardar apenas para nós? Somente o “livre pensar”, desde que não o vomitemos. O empregado “pensa” o patrão como crápula, mas o olha com olhar bovino, sem nada dizer. O marido e a mulher se odeiam, em silencio, cada qual arrependido daquele casamento, acometido do maior dos males, que é o tédio. E assim vamos, hipocritamente, vivendo, guardando, em nosso “livre pensar”, ressentimentos, decepções e até – por que não? – tesão recolhida que não podemos revelar, porque o “próximo” está muito próximo, em qualquer sentido. Fico feliz por estar na última curva do caminho e tratar essas engenhocas eletrônicas por V.Excia. Sim, porque virá dia – que espero não mais estar por aqui – em que surgirá “aplicativo”, a permitir que se saiba o que o interlocutor pensa, no momento que se fala com ele. Será o caos, ou o ser humano, purificado pela sinceridade absoluta, retornará ao paraíso, antes do despejo de Adão e Eva. Quem viver, verá!

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