quarta-feira, 11 de janeiro de 2017

RODOLFO, EU E O ANO CHEGANTE



Foi uma semana de absoluta tranqüilidade, entre mim e Rodolfo, meu politizado pastor alemão. Combinamos falar apenas sobre coisas frívolas, como o calor, por exemplo, doce encanto, para mim e suplicio, para ele, vindo de plagas invernais. Ele ainda quis fazer retrospectiva do ano findante, mas refutei, de pronto, a sugestão: “não basta ter vivido dias tão escabrosos, você ainda quer rememorá-los? Não acha que é masoquismo demais?” – “mas você não teve, momentos bons?”, retrucou ele. “Muitos e o maior de todos é ainda estar por aqui, tão inteiro como permite os fevereiros acumulados”. Rodolfo curvou-se a meus argumentos e dedicou-se a aproveitar nossos passeios e os banhos de esguicho, tomados, juntos. Todavia, foi só o novo ano romper e, ao morrer do sol do primeiro dia, mal ultrapassando o portão do parque, ele foi logo atacando: ele: “você jogou na megacena?” eu: “joguei vários jogos e, em um, consegui um “terno”, que nada vale”. Ele: “você acredita na seriedade do jogo? Digo isto porque é, no mínimo estranho que nossa Capital, que responde por quase 10% da totalidade das apostas, jamais ter ganhado megacena da virada ou qualquer outra de expressivo valor. Veja bem: à exceção do ganhador de Belo Horizonte, os demais são habitantes de remotas cidade que, se realmente existem, não são localizáveis, nem no Google. Acho estranho, para dizer pouco. O que você pensa sobre isto? Eu: “penso que você não resiste a uma teoria conspiratória. Sorte é sorte, meu caro! Ela pode pousar em qualquer lugar, mesmo em remotíssima cidade do remoto Maranhão. O importante é que o polpudo prêmio foi distribuído a seis ganhadores, produzindo efeito cascata, beneficiando várias pessoas. Tivesse ficado em mãos de um único sortudo, poderia provocar efeito devastador. O retrospecto mostra isto: você ainda estava longe de aparecer, mas o primeiro ganhador de um grande prêmio ficou conhecido comoDudu da loteca”. Pois este “desinfeliz”, pretendeu ingressar na “alta sociedade” e passou a freqüentar mesa de pôquer dos bacanas da época. Resultado: um pouco mais de um ano, estava “duro”, outra vez. Mais recentemente, conta-se a história de um “cadeirante”, que acertou megacena acumulada. Que fez ele? Arranjou uma jovem, falsa loura, com pinta de “biscate”. Que fez ela? Tramou com o amante o assassinato do infeliz, que não pode desfrutar do prêmio. Dinheiro é bom, mas, no exagero, descaminha o ser humano que, por natureza, é frágil de caráter e personalidade. É vaidoso e soberbo, para citar apenas dois dos “pecados capitais”. Agora, esta história de que o sorteio é “cascata”, não passa de bobagem, Rodolfo, ou, pior, é choro de perdedor. Não ganhei , mas olhe o lado bom da coisa: depois de jogar, fiquei vários dias planejando como gastar aquela grana toda. Mesmo distribuindo a maior parte, não consegui consumir o que sobraria. Lembrei-me do Laerte Codonho, dono da “Dolly”, hoje milionário, mas, quando me procurou, no começo dos anos 90,  sem dinheiro para pagar até a conta da luz. Tudo que ele tinha era o registro da marca “diet”. Impedi , judicialmente, que a coca-cola usasse a marca e ela nos chamou para um acordo, propondo 01 milhão de dólares, na mão, e a exclusividade da distribuição em todo o “ABC” paulista. Exultei, ante a possibilidade de botar a mão, de cara, em 100 mil dólares de honorários. Para minha surpresa e indignação Laerte recusou: queria 10 milhões de dólares e a exclusiva distribuição, em todo o Estado. A coca-cola não aceitou e voltamos à estaca zero. Para conter meu inconformismo, quase cólera, Laerte foi definitivo, dizendo-me: “sabe qual nossa diferença, meu caro? Eu sou pobre, mas tenho cabeça de rico e você é pobre, com cabeça de pobre”. O tempo provou que ele tinha razão: correu atrás de seus objetivos e hoje, com seus refrigerantes “dolly” e “diet Dolly”, detém cerca de 5% do mercado, o que é muita coisa. Nunca mais o vi. Ele mudou de patamar e eu continuo no meu, com minha “cabeça de pobre””. Rodolfo, com sua habitual demonstração de carinho, subiu no banco, onde me sentava, lambeu-me o rosto, dizendo-me: “ainda bem que você tenha continuado com sua cabeça de pobre” e nem tenha ganhado na megacena da virada, porque podemos continuar juntos, tanto que preciso de você.” Rodolfo não sabe (e não vou dizê-lo para não dar margem a nova discussão), mas ele é  que se tornou fundamental em minha vida.

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