sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

Um aniversário qualquer




Depois de uma noite agitada por ininterruptos pesadelos, Luiz Claudio acordou, com estranha sensação, no corpo e na alma. Era dia de seu aniversário, data que preferia esquecer. Na solidão do apartamento, roupa espalhada pelo chão, restos de comida no prato e na panela, seu primeiro pensamento foi para Maria Clara. Logo, logo ela telefonaria, desejando-lhe felicidades, como se ela nada tivesse a ver com aquele estado de desapego, em que se encontrava. Um dia, ela simplesmente jogou as roupas dentro da mala, roçou-lhe o rosto com os lábios e saiu para nunca mais. Quase 5 anos depois, voltou a ligar-lhe, apenas no dia do aniversário, para dizer aquelas baboseiras de sempre, como se eles não tivessem vivido tórrida historia de amor, que ela insistia em dizer que, para ele, era apenas sexo, como se as duas coisas, amor e sexo, não se fundissem. Resolveu que hoje não falaria com ninguém, principalmente com Maria Clara, porisso tirou o telefone da tomada e desligou o celular. Resolveu que passaria o dia na praia, não na sua praia, porque não queria encontrar conhecido, mas na mais distante possível. Todavia, ao abrir a cortina, chovia e o céu estava coberto de pesadas nuvens cinzentas, como sua alma. No banheiro, olhou-se no espelho e teve um susto: a imagem refletida era a dele menino, cabeça raspada, menos no topete. Menino sem passado ou futuro, apenas o presente, com o futebol de rua, o banho no rio e a matiné do domingo. Voltou para a cama atordoado. Talvez não acordara e o pesadelo se transformara em sonho. Fechou os olhos, mas o barulho da chuva, agora mais intensa, trazia a realidade para dentro do quarto. Voltou ao espelho, que agora refletia a imagem de um rapaz, com seus vinte e poucos anos, recebendo seu diploma de faculdade e, de cujos olhos emergia um misto de medo e esperança. Mais perplexo ainda, andou pela sala, foi até a cozinha, bebeu um resto de café adormecido e sentou defronte à janela, olhando a chuva molhar a rua, quase deserta, naquela inútil manhã de domingo. Pensou em sua vida, seus ganhos e perdas, principalmente em Maria Clara, que perdera, pela sua incapacidade de demonstrar que era muito mais do que sexo. Quase em pânico, voltou ao espelho. Agora, a imagem refletida era de um velho, absurdamente velho, olhos embaçados, pálpebras arqueadas e ralos fios de cabelos brancos, em desalinho. Numa fração de segundos, as três imagens, do menino, do jovem e do velho se superpuseram, dando-lhe a exata dimensão do tempo, de todos os tempos, como a dizer-lhe, sem palavras, só com imagens, que seu tempo acabara. Calmamente, como se cumprisse um ritual ensaiado, Luiz Claudio trocou de roupa, tomou o elevador, deu bom-dia ao porteiro, atravessou a rua e, serenamente, caminhou em direção ao mar. 

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