Vivemos tempo de quaresma, a exigir reflexão e jejum.
Todavia, é tempo vivido por minoria, mesmo de cristãos, mergulhados em seus
afazeres cotidianos, porque a barra tá pesada pra todo mundo, mas que, na minha
gasta memória, remete-me a minha infância. Encerrado o carnaval, ingênuo, à
época, em cidade do interior, começava a quaresma, com todo o seu ritual. Nas
Igrejas, as imagens dos santos eram cobertas com panos roxos e as rádios apenas
tocavam músicas sacras. Às 18 horas, o serviço de alto falante, instalado na
praça principal, tocava a “Ave Maria’’
e, a seguir, o locutor – Lourival Pechir era seu nome – lia uma mensagem,
alusiva à data. O único cinema da cidade exibia, durante todo o período
quaresmal, o mesmo filme, sobre a ‘’paixão
de Cristo’’, com lotação completa todos os dias, com as pessoas saindo,
olhos vermelhos do pranto derramado, durante a exibição. Durante a semana
santa, propriamente dita, o ritual seguia regras mais rígidas: não se podia
falar alto, palavrão, então, nem pensar, a carne era banida e os bares fechavam
suas portas, ao anoitecer. Mulheres, sobriamente vestidas e véu, cobrindo-lhes
a cabeça, organizavam grupos de oração, que percorriam as residências, rezando
o terço. Na sexta-feira, chamada ‘’da
paixão’’, nada funcionava, inclusive as casas, que não eram arrumadas e o
jejum era completo, quebrado, apenas, após a procissão do ‘’Senhor Morto’’. Às 15 horas – horário que se presume Cristo ter
expirado -, em frente à Igreja Matriz, encenava-se a ‘’paixão de Cristo’’, que
ia da ‘’última ceia’’, até o momento
que Ele é descido da cruz e depositado nos braços da mãe. Daí, seguia-se a
procissão, acompanhada por quase toda a população. Imagens gravadas tão fortes
em mim que, meio século depois, modificam meu comportamento, neste período,
como me abster das comidas e bebidas, que me dão prazer, mesmo sabendo que isto
é de pouca valia, porque não mitiga os pecados cometidos, durante o ano. Acho
cada vez mais difícil amar o próximo, principalmente quando ele não está tão
próximo assim e, muito mais principalmente, quando esse próximo está lá em
Brasília, desgraçando nosso País. O ser humano, ao contrário do que pretendia
Jesus, é movido pelo ressentimento, que parece brotar do inconsciente. De
qualquer maneira, é tempo de quaresma, de lembrar o sacrifício que Cristo fez
por nós. Tempo de exercitarmos a caridade, seja estendo nossa mão ao desvalido,
que repousa, abatido, física ou moralmente, à beira da calçada, seja levando um
átimo de afeto a quem sofre.
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