Por causa de um fim de semana com
Fernando Pessoa
Sozinho, na praia deserta, nesta manhã de outono, quase
inverno, olho para o indefinido, e, sob meus olhos, repousa, preguiçoso, o mar,
velho e eterno companheiro, de quem me afastara a tristeza do cotidiano. Ao
longe, quase na linha onde o oceano desaba, um ponto preto se desloca,
lentamente. Fixo-me nele, na ânsia irracional de identificá-lo. O ponto cresce
e se visualiza: um barco, vela içada, provavelmente retornando da lida. Percebo
que outros barcos surgem, pelo mesmo caminho, entrando, barra adentro em
direção ao cais, onde depositarão, seus ganhos e suas perdas. Invejo-os, porque
não tenho onde ancorar minhas
angústias e minhas alegrias. Mas, agora, agora, olhando o mar, de costas para a
mata, não me interessam angústias e alegrias. Com o sentido marítimo deste
momento mágico, só me interessa o mar e as coisas que estão em sua superfície,
como enfeites. Que se ralem os barcos, se não trazem peixes. Para meus olhos, são apenas enfeites
que adornam o dorso do mar.
Alguém - um pescador? – passa por mim e diz ‘’bom dia’’. Odeio-o, porque me
tirou da contemplação. Mas, assim mesmo, respondo ‘’bom dia’’, pouco me importando
se ele terá um dia bom. Provavelmente terá um dia como tantos outros,
indiferente ao barulho das ondas, tímidas a esta hora da manhã. Vem-me à
lembrança outras praias e outros tempos idos e vividos. O mistério de todas elas.
A beleza de todas elas. A chegada e a partida: ‘’Olá, mar, como vai você? Que
saudade!’’; ‘’Adeus, mar, será que volto a vê-lo?’’ A dolorosa instabilidade
deste impossível universo, em suas horas marítimas, indo e vindo, chegando e
vindo, gregos, rasgando as águas, Vikings, rasgando as águas; piratas, roubando
nas águas; ninfas camoneanas, banhando-se nas águas; navios guerreiros,
ensangüentando as águas. Pois o mar, velho e eterno companheiro, é isso: morte
e vida, que vem e vai. Trágico pensar que vou embora e ele vai ficar, braços
abertos a outros que, espero, saibam amá-lo, como eu, deixando-o molhar o
corpo, como carícia suave ou com o ardor de amante ensandecida.
Olá, mar, adeus mar!
Alguém senta a uma pequena distância de mim. Incomoda-me
aquela presença, porque me rouba a solidão e porque estupidamente, fecha os olhos.
Se veio à praia, é por causa do sol, do mar, da praia e das coisas que há nela.
Se fecha os olhos, apaga todas essas coisas. Dizer isso, pode soar ridículo aos
ouvidos de quem, por não saber o que é olhar para as coisas, não compreende
quem fala delas.
Se as coisas existem para serem vistas, por quê fechar os
olhos para elas? Ser assim é ser cego sem sê-lo. Se Deus está em todas as
coisas – e eu creio nisso – Ele está nesta praia, nas arvores que a circundam;
no mar que a banha; no sol que a aquece. Então aquela pessoa, estática, alheia
a este balé fantástico, fecha os olhos para Deus. Por certo deve ser um desses
cretinos que dizem: ‘’Não acredito em Deus’’, como se Deus precisasse que
acreditem nele. Ele apenas existe e se mostra em todas essas coisas simples de
se ver, como esta praia, este mar, este sol e estas arvores entorno. Não
acreditam Nele? Pior para eles, primeiro, porque são cretinos (embora não se
saibam cretinos); segundo, porque, quando precisarem Dele, sentir-se-ão menores
e piores.
Mas, como não suporto cretinos e, muito menos, sou Deus, vou
embora.
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