segunda-feira, 19 de maio de 2014

Por causa de um fim de semana com Fernando Pessoa
Sozinho, na praia deserta, nesta manhã de outono, quase inverno, olho para o indefinido, e, sob meus olhos, repousa, preguiçoso, o mar, velho e eterno companheiro, de quem me afastara a tristeza do cotidiano. Ao longe, quase na linha onde o oceano desaba, um ponto preto se desloca, lentamente. Fixo-me nele, na ânsia irracional de identificá-lo. O ponto cresce e se visualiza: um barco, vela içada, provavelmente retornando da lida. Percebo que outros barcos surgem, pelo mesmo caminho, entrando, barra adentro em direção ao cais, onde depositarão, seus ganhos e suas perdas. Invejo-os, porque não tenho onde     ancorar minhas angústias e minhas alegrias. Mas, agora, agora, olhando o mar, de costas para a mata, não me interessam angústias e alegrias. Com o sentido marítimo deste momento mágico, só me interessa o mar e as coisas que estão em sua superfície, como enfeites. Que se ralem os barcos, se não trazem      peixes. Para meus olhos, são apenas enfeites que adornam          o dorso do mar. Alguém - um pescador? – passa por mim e diz ‘’bom dia’’. Odeio-o, porque me tirou da contemplação. Mas, assim mesmo, respondo ‘’bom dia’’, pouco me importando se ele terá um dia bom. Provavelmente terá um dia como tantos outros, indiferente ao barulho das ondas, tímidas a esta hora da manhã. Vem-me à lembrança outras praias e outros tempos idos e vividos. O mistério de todas elas. A beleza de todas elas. A chegada e a partida: ‘’Olá, mar, como vai você? Que saudade!’’; ‘’Adeus, mar, será que volto a vê-lo?’’ A dolorosa instabilidade deste impossível universo, em suas horas marítimas, indo e vindo, chegando e vindo, gregos, rasgando as águas, Vikings, rasgando as águas; piratas, roubando nas águas; ninfas camoneanas, banhando-se nas águas; navios guerreiros, ensangüentando as águas. Pois o mar, velho e eterno companheiro, é isso: morte e vida, que vem e vai. Trágico pensar que vou embora e ele vai ficar, braços abertos a outros que, espero, saibam amá-lo, como eu, deixando-o molhar o corpo, como carícia suave ou com o ardor de amante ensandecida.
Olá, mar, adeus mar!
Alguém senta a uma pequena distância de mim. Incomoda-me aquela presença, porque me rouba a solidão e porque estupidamente, fecha os olhos. Se veio à praia, é por causa do sol, do mar, da praia e das coisas que há nela. Se fecha os olhos, apaga todas essas coisas. Dizer isso, pode soar ridículo aos ouvidos de quem, por não saber o que é olhar para as coisas, não compreende quem fala delas.
Se as coisas existem para serem vistas, por quê fechar os olhos para elas? Ser assim é ser cego sem sê-lo. Se Deus está em todas as coisas – e eu creio nisso – Ele está nesta praia, nas arvores que a circundam; no mar que a banha; no sol que a aquece. Então aquela pessoa, estática, alheia a este balé fantástico, fecha os olhos para Deus. Por certo deve ser um desses cretinos que dizem: ‘’Não acredito em Deus’’, como se Deus precisasse que acreditem nele. Ele apenas existe e se mostra em todas essas coisas simples de se ver, como esta praia, este mar, este sol e estas arvores entorno. Não acreditam Nele? Pior para eles, primeiro, porque são cretinos (embora não se saibam cretinos); segundo, porque, quando precisarem Dele, sentir-se-ão menores e piores.

Mas, como não suporto cretinos e, muito menos, sou Deus, vou embora.  

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