segunda-feira, 1 de outubro de 2012


EU, O MAR E OUTRAS COISAS

Sozinho, na praia deserta, nesta manhã de inverno-verão, olho para o infinito e, sob meus olhos, repousa, preguiçoso, o mar, velho e eterno companheiro, de quem o cotidiano, esta besta-fera, me afastara. Ao longe, quase na linha onde o oceano desaba, um ponto escuro se desloca, lentamente. Fixo-me nele, na ansia irracional de identificá-lo. O ponto cresce e se permite ser visto: um barco, vela içada, provavelmente retornando da lida. Percebo que outros barcos surgem, pelo mesmo caminho barra adentro, em direção ao cais, onde depositarão seus ganhos e suas perdas. Invejo-os, por não ter onde ancorar minhas angústias e minhas alegrias. Com o sentido marítimo deste momento mágico, só me interessa o mar e as coisas que estão em sua superfície, como enfeites. Que se ralem os barcos, se não trazem peixes. Para meus olhos, são apenas enfeites que adornam o dorso do mar. Alguém – um pescador? – passa por mim e diz "Bom dia". Odeio-o, porque me tirou da contemplação. Mas, assim mesmo, respondo "Bom dia", pouco me importando se ele terá um bom dia. Provavelmente, será um dia como tantos outros, indiferente ao barulho das ondas, tímidas a esta hora da manhã. Vem-me à lembrança outras praias, em outros tempos e lugares. O mistério de todas elas. A beleza de todas elas. A chegada e a partida: “Olá, mar, como vai você? Que saudade!” “Adeus, mar, quando será que volto a vê-lo?” A dolorosa instabilidade deste impossível universo, com suas horas marítimas, indo e vindo, gregos, rasgando as águas, vikings, rasgando as águas, piratas, roubando nas águas, ninfas camoneanas, banhando-se nas águas, navios guerreiros, ensanguentando as águas. Pois o mar, velho e eterno companheiro é isto: morte e vida, indo e vindo. Trágico pensar que vou embora e ele vai ficar, braços abertos a outros que, espero, saibam amá-lo, como eu, deixando-o molhar o corpo, como carícia suave ou com o ardor de amante ensandecido. “Olá, mar! Adeus,mar!” Alguém senta a uma pequena distância de mim. Incomoda-me aquela presença, porque me rouba a solidão e, porque, estupidamente, fecha os olhos. Se veio à praia, é por causa do sol, do mar, da praia e das coisas que há nela. Se fecha os olhos, apaga todas estas coisas. Dizer isso, pode soar ridículo aos ouvidos de quem, por não saber o que é olhar para as coisas, não compreende quem fala delas. Mas, se as coisas existem é para serem vistas, por que fechar os olhos para elas? Ser assim, é ser cego sem sê-lo. Se Deus está em todas as coisas (e eu creio nisto), Ele está nesta
praia, nas árvores, que a circundam, no mar que a banha, no sol que a aquece. Então, aquela pessoa estática, alheia a este balé fantástico, fecha os olhos para Deus. Por certo, deve ser um destes cretinos que dizem: “Não acredito em Deus!”, como se Deus precisasse que acreditem nele. Ele apenas existe e se mostra em todas essas coisas simples de se ver, como esta praia, este mar, este sol e estas árvores entorno. Não acreditam Nele? Pior para eles, porque são cretinos (embora
não se saibam cretinos). Segundo, porque, quando precisarem Dele, sentir-se-ão menores e piores. Mas, como não suporto cretinos e muito menos sou Deus, vou embora...

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