EU, O MAR E OUTRAS COISAS
Sozinho, na praia deserta,
nesta manhã de inverno-verão, olho para o infinito e, sob meus olhos, repousa, preguiçoso,
o mar, velho e eterno companheiro, de quem o cotidiano, esta besta-fera, me
afastara. Ao longe, quase na linha onde o oceano desaba, um ponto escuro se desloca,
lentamente. Fixo-me nele, na ansia irracional de identificá-lo. O ponto cresce
e se permite ser visto: um barco, vela içada, provavelmente retornando da lida.
Percebo que outros barcos surgem, pelo mesmo caminho barra adentro, em direção
ao cais, onde depositarão seus ganhos e suas perdas. Invejo-os, por não ter
onde ancorar minhas angústias e minhas alegrias. Com o sentido marítimo deste
momento mágico, só me interessa o mar e as coisas que estão em sua superfície, como
enfeites. Que se ralem os barcos, se não trazem peixes. Para meus olhos, são
apenas enfeites que adornam o dorso do mar. Alguém – um pescador? – passa por
mim e diz "Bom dia". Odeio-o, porque me tirou da contemplação. Mas, assim
mesmo, respondo "Bom dia", pouco me importando se ele terá um bom dia.
Provavelmente, será um dia como tantos outros, indiferente ao barulho das
ondas, tímidas a esta hora da manhã. Vem-me à lembrança outras praias, em
outros tempos e lugares. O mistério de todas elas. A beleza de todas elas. A
chegada e a partida: “Olá, mar, como vai você? Que saudade!” “Adeus, mar, quando
será que volto a vê-lo?” A dolorosa instabilidade deste impossível universo, com
suas horas marítimas, indo e vindo, gregos, rasgando as águas, vikings, rasgando
as águas, piratas, roubando nas águas, ninfas camoneanas, banhando-se nas águas,
navios guerreiros, ensanguentando as águas. Pois o mar, velho e eterno
companheiro é isto: morte e vida, indo e vindo. Trágico pensar que vou embora e
ele vai ficar, braços abertos a outros que, espero, saibam amá-lo, como eu, deixando-o
molhar o corpo, como carícia suave ou com o ardor de amante ensandecido. “Olá, mar!
Adeus,mar!” Alguém senta a uma pequena distância de mim. Incomoda-me aquela
presença, porque me rouba a solidão e, porque, estupidamente, fecha os olhos. Se
veio à praia, é por causa do sol, do mar, da praia e das coisas que há nela. Se
fecha os olhos, apaga todas estas coisas. Dizer isso, pode soar ridículo aos ouvidos
de quem, por não saber o que é olhar para as coisas, não compreende quem fala
delas. Mas, se as coisas existem é para serem vistas, por que fechar os olhos
para elas? Ser assim, é ser cego sem sê-lo. Se Deus está em todas as coisas (e
eu creio nisto), Ele está nesta
praia, nas árvores, que a
circundam, no mar que a banha, no sol que a aquece. Então, aquela pessoa
estática, alheia a este balé fantástico, fecha os olhos para Deus. Por certo, deve
ser um destes cretinos que dizem: “Não acredito em Deus!”, como se Deus
precisasse que acreditem nele. Ele apenas existe e se mostra em todas essas
coisas simples de se ver, como esta praia, este mar, este sol e estas árvores entorno.
Não acreditam Nele? Pior para eles, porque são cretinos (embora
não se saibam cretinos). Segundo,
porque, quando precisarem Dele, sentir-se-ão menores e piores. Mas, como não
suporto cretinos e muito menos sou Deus, vou embora...
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