A FÉ E A RAZÃO
De todos os pecados
capitais, o único que jamais me atingiu foi o da inveja. O sucesso ou a riqueza
de terceiros não me incomodam, talvez porisso possa conviver, harmonicamente, com
amigos e clientes que trafegam em carros importados, a falarem de restaurantes em Paris, Roma , Londres, como
falo da churrascaria da esquina. Por certo tempo, inquietou-me a fé inabalável
das pessoas humildes, que choram comovidas, ao receberem a hóstia, ou à
passagem do Santíssimo. Levei essa angústia a meu Padre confessor e ele a dissipou,
lembrando-me de que a fé é a antítese da razão, o que significa ser ela mais
forte nas pessoas de pouca ou nenhuma cultura, incapazes, portanto de maiores indagações.
Ao contrário – observou ele – se você questiona os elementos que integram sua
fé e, mesmo assim, a mantém, é porque ela é mais firme do que a daquelas
pessoas que creem, sem contestar ou avaliar. Faço esta reflexão porque constato
que são exatamente essas pessoas mais humildes, cuja fé se assenta na paixão, quando
não tem suas preces, atendidas, migram para seitas religiosas, que prometem curas,
para males físicos ou rápidos ganhos materiais. Com muita frequencia vacilo, porque
também, em minhas preces, formulo pedidos, como a solução do processo que vai
me render polpudos honorários, ou o cessar da dor no braço, que me tolhe o
sono. Quando o cansaço parece abalar minha fé, lembro-me do pedido maior que
faço, todos os domingos, durante a consagração: a paz e a saúde de minha
família, pedido sempre atendido. Quando me sobe essa constatação, minha fé se
restaura e não posso deixar de olhar, com tristeza, para as pessoas que se
dizem descrentes. A quem ou a que recorrem elas, em seus momentos de aflição? Serão
elas suficientemente fortes para, por si mesmas, superá-los, ou se transformam
em neuróticos e deprimidos, a tatearem no escuro? Talvez seja porisso que se
diz que o dom da fé não passa necessariamente pelo dom da razão.
Nenhum comentário:
Postar um comentário