segunda-feira, 15 de outubro de 2012


A FÉ E A RAZÃO

De todos os pecados capitais, o único que jamais me atingiu foi o da inveja. O sucesso ou a riqueza de terceiros não me incomodam, talvez porisso possa conviver, harmonicamente, com amigos e clientes que trafegam em carros importados, a falarem de restaurantes em Paris, Roma, Londres, como falo da churrascaria da esquina. Por certo tempo, inquietou-me a fé inabalável das pessoas humildes, que choram comovidas, ao receberem a hóstia, ou à passagem do Santíssimo. Levei essa angústia a meu Padre confessor e ele a dissipou, lembrando-me de que a fé é a antítese da razão, o que significa ser ela mais forte nas pessoas de pouca ou nenhuma cultura, incapazes, portanto de maiores indagações. Ao contrário – observou ele – se você questiona os elementos que integram sua fé e, mesmo assim, a mantém, é porque ela é mais firme do que a daquelas pessoas que creem, sem contestar ou avaliar. Faço esta reflexão porque constato que são exatamente essas pessoas mais humildes, cuja fé se assenta na paixão, quando não tem suas preces, atendidas, migram para seitas religiosas, que prometem curas, para males físicos ou rápidos ganhos materiais. Com muita frequencia vacilo, porque também, em minhas preces, formulo pedidos, como a solução do processo que vai me render polpudos honorários, ou o cessar da dor no braço, que me tolhe o sono. Quando o cansaço parece abalar minha fé, lembro-me do pedido maior que faço, todos os domingos, durante a consagração: a paz e a saúde de minha família, pedido sempre atendido. Quando me sobe essa constatação, minha fé se restaura e não posso deixar de olhar, com tristeza, para as pessoas que se dizem descrentes. A quem ou a que recorrem elas, em seus momentos de aflição? Serão elas suficientemente fortes para, por si mesmas, superá-los, ou se transformam em neuróticos e deprimidos, a tatearem no escuro? Talvez seja porisso que se diz que o dom da fé não passa necessariamente pelo dom da razão.

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