terça-feira, 9 de maio de 2017

Se esta rua ainda fosse minha...



Esta rua já foi minha. Quando aqui cheguei, no começo dos anos 80, éramos todos jovens, os filhos batendo na porta da puberdade. Eram 07 casas, a rua acabava em um dos  portões  do parque e se alargava ao meio. Em todas as casas havia crianças, como as nossas e pais, mais ou menos na minha idade. Estava pronto o cenário para comprarmos um par de traves de futebol e transformar “nossa rua” em majestoso estádio, onde os filhos jogavam jogo ameno e os pais se degladiavam. Naquela época, eu tinha escritório na Faria Lima e lá pelas 02 da tarde da sexta-feira o telefone tocava. Quase sempre era o Daniel: “ô tio, vem embora, que daqui a pouco começa o jogo”.  E eu ia. Quando a noite baixava, as traves eram juntadas, dando lugar à churrasqueira e muitas cervejas e refrigerantes. De quando em vez, aparecia um violão e, sem preconceitos, todos faziam serenatas  para si próprio, ou ligávamos o som e o campo de jogo se transformava em animado bailão. De repente, os filhos meninos, transformaram-se em rapazes e, por mais que esticássemos aquela alegria, em dia e hora, que não consigo precisar, eles, nossos meninos, abandonaram o ninho e foram pousar em outras ruas. A “nossa” começou a se transformar: uma casa virou escritório, outra, creche para cachorro. Chego a janela, como sobrevivente solitário de um naufrágio, buscando pedaços daquela felicidade que, de tão longe, parece que foi apenas sonho. Rostos estranhos passam! Invasores, a roubarem o que ficou de nossa história. Vou ao parque, outrora íntimo e me sinto estrangeiro em minha própria terra. Fico sabendo da morte do Vicente e constato que, daquela turma de “atletas”, sobramos Ivan e eu. Encontro-o e, como hienas,  rimos de nossa desventura de sermos nós, apenas nós, fósforos prestes a apagar, os que sobraram daquela algazarra matinal, quando se podia falar de tudo, menos assunto sério. Volto para casa  combalido. Paro no portão, à entrada da rua, na expectativa de ouvir crianças, de todas as idades comemorando o gol conquistado. Mas apenas escuto o melancólico silêncio do que não há e nunca mais haverá. Cabeça baixa e passos trôpegos,  percorro o caminho, que não mais me pertence. Chego em casa, Rodolfo compreende minha tristeza e me deixa entrar, sem pular em meu peito. Afago-lhe o dorso, sento-me ao pé da escada e ele, docemente como refrigério, coloca sua cabeça no meu colo e lambe-me as mãos. Não me envergonho de derramar algumas lágrimas e ele, adivinhando meus pensamentos, pede-me que lhe conte histórias da época em que esta rua era minha.

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