Esta rua já foi minha. Quando aqui cheguei, no começo dos
anos 80, éramos todos jovens, os filhos batendo na porta da puberdade. Eram 07
casas, a rua acabava em um dos portões do parque e se alargava ao meio. Em todas as
casas havia crianças, como as nossas e pais, mais ou menos na minha idade.
Estava pronto o cenário para comprarmos um par de traves de futebol e
transformar “nossa rua” em majestoso
estádio, onde os filhos jogavam jogo ameno e os pais se degladiavam. Naquela
época, eu tinha escritório na Faria Lima e lá pelas 02 da tarde da sexta-feira
o telefone tocava. Quase sempre era o Daniel: “ô tio, vem embora, que daqui a pouco começa o jogo”. E eu ia. Quando a noite baixava, as traves
eram juntadas, dando lugar à churrasqueira e muitas cervejas e refrigerantes.
De quando em vez, aparecia um violão e, sem preconceitos, todos faziam
serenatas para si próprio, ou ligávamos
o som e o campo de jogo se transformava em animado bailão. De repente, os
filhos meninos, transformaram-se em rapazes e, por mais que esticássemos aquela
alegria, em dia e hora, que não consigo precisar, eles, nossos meninos,
abandonaram o ninho e foram pousar em outras ruas. A “nossa” começou a se transformar: uma casa virou escritório, outra,
creche para cachorro. Chego a janela, como sobrevivente solitário de um
naufrágio, buscando pedaços daquela felicidade que, de tão longe, parece que
foi apenas sonho. Rostos estranhos passam! Invasores, a roubarem o que ficou de
nossa história. Vou ao parque, outrora íntimo e me sinto estrangeiro em minha
própria terra. Fico sabendo da morte do Vicente e constato que, daquela turma
de “atletas”, sobramos Ivan e eu.
Encontro-o e, como hienas, rimos de
nossa desventura de sermos nós, apenas nós, fósforos prestes a apagar, os que
sobraram daquela algazarra matinal, quando se podia falar de tudo, menos
assunto sério. Volto para casa
combalido. Paro no portão, à entrada da rua, na expectativa de ouvir
crianças, de todas as idades comemorando o gol conquistado. Mas apenas escuto o
melancólico silêncio do que não há e nunca mais haverá. Cabeça baixa e passos
trôpegos, percorro o caminho, que não
mais me pertence. Chego em casa, Rodolfo compreende minha tristeza e me deixa
entrar, sem pular em meu peito. Afago-lhe o dorso, sento-me ao pé da escada e
ele, docemente como refrigério, coloca sua cabeça no meu colo e lambe-me as
mãos. Não me envergonho de derramar algumas lágrimas e ele, adivinhando meus
pensamentos, pede-me que lhe conte histórias da época em que esta rua era
minha.
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