terça-feira, 23 de maio de 2017

Rodolfo, eu e a JBS



Foi um fim-de-semana para não se esquecer. A chuva inclemente prendeu-me, a mim e ao Rodolfo, em casa. Fiquei a ler, na sala e, de quando em vez, ele me espiava, pela janela, como a perguntar o que faríamos. A certa altura, contrariando ordens expressas de minha esposa, deixei-o entrar. Ele tem o hábito de, tão logo adentra ao ambiente, fazer rápido xixi no braço do sofá, que eu limpo, correndo. Diz que é para marcar território, o que afirmo ser desnecessário, porque todos os espaços, inclusive o do meu coração, já lhe pertencem. Peço-lhe que não faça barulho, pois, se a madame  acordar ele será posto pra fora e vou “ouvir um monte”, que eu preciso procurar psiquiatra, com essa loucura de conversar com cachorro. Ela jamais entendeu esta nossa sinergia, que surgiu desde o primeiro dia, quando fui buscá-lo lá no canil. Lembro-me de que, quando entrou no carro, foi logo dizendo – “que bom que é você!”. Confesso que tomei um susto, mas logo me acostumei e agradeci a Deus por me ter mandando você, disse-lhe, para me tirar da solidão, que a velhice traz, esta sensação, quase certeza, que vamos sendo postos de lado, como roupa velha que não serve mais, como dizia o excelente Belchior. A morte é, para mim, manifestação incompreendida de Deus, que leva tanta gente boa, como o próprio Belchior e deixa estes pústulas, que afundam, cada vez mais, o Brasil. Enquanto divagava, com a “Pastoral” de Beethoven, ao fundo, Rodolfo acomodou-se a meu lado, perguntando-me, como se fosse eu oráculo, se sairíamos desta enrascada toda, e o que justificava terem todos os partidos e tantos políticos estarem envolvidos neste esquema de corrupção.  Procuro explicar-lhe que este mal, desde sempre, esteve presente no sangue da política brasileira, cuja relação com o empresariado – de péssima qualidade, diga-se de passagem -, sempre foi espúria. Para não recuar muito, na história, lembrei que o governo Getúlio Vargas utilizava-se do Banco do Brasil, para ajudar os “amigos” e a construção de Brasília enriqueceu muitos “amigos” de Juscelino. Receber vantagens indevidas e pagar propina por isto, sempre foi regra dessa relação prostituída, na qual também está envolvida boa parte da Imprensa, apesar dessa pose de vestal, que não convence, pelo menos aos que, como eu, pela longevidade, passaram a “testemunhas oculares da história”. Mas Rodolfo quer saber o que acho de mais escabroso, nesta história, envolvendo a “JBS” e os políticos citados. “É claro que tudo é escabroso – respondo eu -. A começar pelo Presidente receber, na calada da noite, um pulha, como esse Joesley e com ele trocar diálogos, nada republicanos. E o interessante é que a “armação”, na qual se enroscou Temer, foi montada pela Polícia Federal, que é subordinada ao Ministério da Justiça que é subordinado... ao Presidente da República. Conclusão: o tapete de Temer e de seus aliados, como Aécio, foi puxado por gente de dentro da Casa, o que impõe concluir que os inimigos do governo são mais poderosos do que os amigos. Acrescento que os donos da JBS cometeram um rosário de crimes: organização criminosa, corrupção ativa, gestão temerária, sonegação fiscal, ocultação de bens e valores, remessa indevida de valores para o exterior, falsidade ideológica, obstrução da justiça e vários outros, cujas penas, somadas chegam a mais de 100 anos de reclusão. Deveriam ter tido a prisão preventiva decretada, como o tiveram Marcelo Odebrecht e tantos outros empresários. Ao invés disto, - informa a mídia – os donos e executivos foram liberados, sem qualquer medida restritiva, embarcando para os Estados Unidos onde, segundo a mesma Imprensa, levam vida de extremo luxo. Quem os liberou? Segundo o delator, Joesley, ele tinha, “no bolso”, juízes e procuradores. Quem os podia liberar era tão somente o Ministro Facchin, que homologou a delação e autorizou as medidas persecutórias, realizadas pela Procuradoria da República e Polícia Federal. A alegação de que os donos da JBS estavam sendo vítimas de ameaças e esta teria sido a justificativa para serem liberados a viajar, é pífio. Presos, estariam eles e os interesses nacionais, muito mais protegidos. Inaugura-se nova fase no Direito Brasileiro: quanto mais contundente for a delação, feita pelo criminoso, por mais grave que tenha sido o crime, por ele cometido, mais certo é que receba, por prêmio, sua liberdade, ampla, geral e irrestrita. Acho que os advogados de Fernandinho Beira-Mar e Marcola encontraram caminho para libertá-los.
Ao completar minha tímida exposição, Rodolfo ergueu-se e, olhos nos olhos, pediu-me, com profunda tristeza, para entregar-lhe seu passaporte alemão. Não sei não, mas acho que estou na iminência de perder meu melhor e mais íntimo amigo.

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