Foi um fim-de-semana para não se esquecer. A chuva inclemente
prendeu-me, a mim e ao Rodolfo, em casa. Fiquei a ler, na sala e, de quando em
vez, ele me espiava, pela janela, como a perguntar o que faríamos. A certa
altura, contrariando ordens expressas de minha esposa, deixei-o entrar. Ele tem
o hábito de, tão logo adentra ao ambiente, fazer rápido xixi no braço do sofá,
que eu limpo, correndo. Diz que é para marcar território, o que afirmo ser
desnecessário, porque todos os espaços, inclusive o do meu coração, já lhe
pertencem. Peço-lhe que não faça barulho, pois, se a madame acordar ele será posto pra fora e vou “ouvir um monte”, que eu preciso procurar
psiquiatra, com essa loucura de conversar com cachorro. Ela jamais entendeu
esta nossa sinergia, que surgiu desde o primeiro dia, quando fui buscá-lo lá no
canil. Lembro-me de que, quando entrou no carro, foi logo dizendo – “que bom que é você!”. Confesso que tomei
um susto, mas logo me acostumei e agradeci a Deus por me ter mandando você,
disse-lhe, para me tirar da solidão, que a velhice traz, esta sensação, quase
certeza, que vamos sendo postos de lado, como roupa velha que não serve mais,
como dizia o excelente Belchior. A morte é, para mim, manifestação
incompreendida de Deus, que leva tanta gente boa, como o próprio Belchior e
deixa estes pústulas, que afundam, cada vez mais, o Brasil. Enquanto divagava,
com a “Pastoral” de Beethoven, ao
fundo, Rodolfo acomodou-se a meu lado, perguntando-me, como se fosse eu
oráculo, se sairíamos desta enrascada toda, e o que justificava terem todos os
partidos e tantos políticos estarem envolvidos neste esquema de corrupção. Procuro explicar-lhe que este mal, desde
sempre, esteve presente no sangue da política brasileira, cuja relação com o
empresariado – de péssima qualidade, diga-se de passagem -, sempre foi espúria.
Para não recuar muito, na história, lembrei que o governo Getúlio Vargas
utilizava-se do Banco do Brasil, para ajudar os “amigos” e a construção de Brasília enriqueceu muitos “amigos” de Juscelino. Receber vantagens
indevidas e pagar propina por isto, sempre foi regra dessa relação prostituída,
na qual também está envolvida boa parte da Imprensa, apesar dessa pose de
vestal, que não convence, pelo menos aos que, como eu, pela longevidade,
passaram a “testemunhas oculares da
história”. Mas Rodolfo quer saber o que acho de mais escabroso, nesta
história, envolvendo a “JBS” e os
políticos citados. “É claro que tudo é
escabroso – respondo eu -. A começar pelo Presidente receber, na calada da
noite, um pulha, como esse Joesley e com ele trocar diálogos, nada
republicanos. E o interessante é que a “armação”, na qual se enroscou Temer,
foi montada pela Polícia Federal, que é subordinada ao Ministério da Justiça
que é subordinado... ao Presidente da República. Conclusão: o tapete de Temer e
de seus aliados, como Aécio, foi puxado por gente de dentro da Casa, o que
impõe concluir que os inimigos do governo são mais poderosos do que os amigos.
Acrescento que os donos da JBS cometeram um rosário de crimes: organização
criminosa, corrupção ativa, gestão temerária, sonegação fiscal, ocultação de
bens e valores, remessa indevida de valores para o exterior, falsidade
ideológica, obstrução da justiça e vários outros, cujas penas, somadas chegam a
mais de 100 anos de reclusão. Deveriam ter tido a prisão preventiva decretada,
como o tiveram Marcelo Odebrecht e tantos outros empresários. Ao invés disto, -
informa a mídia – os donos e executivos foram liberados, sem qualquer medida
restritiva, embarcando para os Estados Unidos onde, segundo a mesma Imprensa,
levam vida de extremo luxo. Quem os liberou? Segundo o delator, Joesley, ele
tinha, “no bolso”, juízes e procuradores. Quem os podia liberar era tão somente
o Ministro Facchin, que homologou a delação e autorizou as medidas
persecutórias, realizadas pela Procuradoria da República e Polícia Federal. A
alegação de que os donos da JBS estavam sendo vítimas de ameaças e esta teria
sido a justificativa para serem liberados a viajar, é pífio. Presos, estariam
eles e os interesses nacionais, muito mais protegidos. Inaugura-se nova fase no
Direito Brasileiro: quanto mais contundente for a delação, feita pelo
criminoso, por mais grave que tenha sido o crime, por ele cometido, mais certo
é que receba, por prêmio, sua liberdade, ampla, geral e irrestrita. Acho que os
advogados de Fernandinho Beira-Mar e Marcola encontraram caminho para
libertá-los.”
Ao completar minha tímida exposição, Rodolfo ergueu-se e,
olhos nos olhos, pediu-me, com profunda tristeza, para entregar-lhe seu
passaporte alemão. Não sei não, mas acho que estou na iminência de perder meu
melhor e mais íntimo amigo.
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