sexta-feira, 26 de maio de 2017

De volta ao passado



Como tanta gente por aí, estou na lida desde os 14 anos, quando fui trabalhar com um irmão, numa fábrica de pisos. Todavia, de tudo que fiz, até chegar ao exercício da advocacia, o mais prazeroso foi ter sido professor. Comecei dando aulas particulares, sempre na área de “humanas” e, aos 21 anos ingressei, como Professor de Português e Literatura, para o então curso colegial, período noturno, no “Liceu Siqueira Campos”, próximo ao Largo do Cambuci e freqüentado por alunos da classe média. Dava 100 aulas mensais, 05 por noite. A grana era pouca, mas, reunidas às aulas particulares, dava para pagar a faculdade e o aluguel de apartamento, à época chamado “já vi tudo”: bastava abrir a porta da frente, o que se devia fazer com cuidado, pelo risco de sair pela janela. Havia dois grupos de professores, os “velhões”, na faixa dos 40 e poucos anos e nós, os jovens, todos ainda na faculdade e rigorosamente iguais, em penúria financeira. Formávamos um time de futebol-de-salão, que não tinha pra ninguém, nem para alunos e muito menos para professores de outros colégios. Modéstia a parte, no gol, eu era muralha e, lá na frente, o José Milton Dallari – que me honra com sua amizade, até hoje – era o Messi, sem qualquer exagero. Chegou a ser convidado a jogar na Itália, mas preferiu servir ao Brasil, trabalhando, primeiro com o Ministro Delfim Netto e, depois, no governo Itamar, integrou, como Secretário de Controle de Preços, a equipe que criou o Plano Real. O certo é que nós, os “professores jovens”, formávamos uma “tribo”, fora e dentro do colégio. Algum tempo depois, fui lecionar no “Liceu Eduardo Prado” – também já “falecido” -, que ficava, se ainda me recordo, na Rua Urussuaí, no Itaim, então bairro de bacana. Como professor, reconheço, fui um chato, perseguindo os alunos com análise  sintática, através de intrincados períodos compostos, extraídos de Camões e Alexandre Herculano. Com indisfarçável sadismo, via-os correr atrás de orações principais, sujeitos e outros elementos, quase sempre encravados em lugares quase inacessíveis. E, naquela época, havia exame oral, que chamávamos a “hora da vingança”. Sabe aquele aluno, metido a engraçadinho, que perturbava a aula, com piadinhas sem graça? Pois ei-lo a nossa frente, pronto a ser inquerido. Que tal uma pergunta que tínhamos a certeza que ele não sabia a resposta? Por exemplo: “diga qual o poeta e a escola literária a que pertenceu, cujo nome é um alexandrino perfeito”. Por certo, fazia eu cara de desprezo, diante do silêncio do infeliz. Não cultivei o hábito de reprovar. Aprendi, desde cedo, que a vida se encarregaria de se desincumbir dessa desagradável missão. O tempo passou e o padrão de ensino sofreu radical transformação. O “idioma”, que se usa na internet, nada tem a ver, na forma e conteúdo, com o que aprendi e tentei ensinar. Se mudou para melhor ou pior, não tenho aptidão para avaliar. Aquela gama de conhecimentos, que acumulamos, hoje, é considerada “cultura inútil”, até porque o “Google” está aí mesmo para fornecer a informação desejada. Faço a memória viajar, sem melancolia. Como me ensinou o poeta Sergio Milliet, companheiro de “uisque sauer”, no velho “Paribar, o importante é ser do seu tempo, enquanto é tempo”.
Obs.: caso o Google não informe: o poeta cujo nome era um alexandrino perfeito, chamava-se “Olavo Braz Martins dos Guimarães Bilac” e pertenceu ao parnasianismo, escola literária que cultuava a arte pela arte – “ars gratia est”, como esculpido atrás do leão da “Metro”.

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