Como tanta gente por aí, estou na lida desde os 14 anos,
quando fui trabalhar com um irmão, numa fábrica de pisos. Todavia, de tudo que
fiz, até chegar ao exercício da advocacia, o mais prazeroso foi ter sido professor.
Comecei dando aulas particulares, sempre na área de “humanas” e, aos 21 anos ingressei, como Professor de Português e
Literatura, para o então curso colegial, período noturno, no “Liceu Siqueira Campos”, próximo ao Largo
do Cambuci e freqüentado por alunos da classe média. Dava 100 aulas mensais, 05
por noite. A grana era pouca, mas, reunidas às aulas particulares, dava para
pagar a faculdade e o aluguel de apartamento, à época chamado “já vi tudo”: bastava abrir a porta da
frente, o que se devia fazer com cuidado, pelo risco de sair pela janela. Havia
dois grupos de professores, os “velhões”, na faixa dos 40 e poucos anos e nós,
os jovens, todos ainda na faculdade e rigorosamente iguais, em penúria
financeira. Formávamos um time de futebol-de-salão, que não tinha pra ninguém,
nem para alunos e muito menos para professores de outros colégios. Modéstia a
parte, no gol, eu era muralha e, lá na frente, o José Milton Dallari – que me
honra com sua amizade, até hoje – era o Messi, sem qualquer exagero. Chegou a
ser convidado a jogar na Itália, mas preferiu servir ao Brasil, trabalhando,
primeiro com o Ministro Delfim Netto e, depois, no governo Itamar, integrou,
como Secretário de Controle de Preços, a equipe que criou o Plano Real. O certo
é que nós, os “professores jovens”,
formávamos uma “tribo”, fora e dentro
do colégio. Algum tempo depois, fui lecionar no “Liceu Eduardo Prado” – também
já “falecido” -, que ficava, se ainda
me recordo, na Rua Urussuaí, no Itaim, então bairro de bacana. Como professor,
reconheço, fui um chato, perseguindo os alunos com análise sintática, através de intrincados períodos
compostos, extraídos de Camões e Alexandre Herculano. Com indisfarçável
sadismo, via-os correr atrás de orações principais, sujeitos e outros elementos,
quase sempre encravados em lugares quase inacessíveis. E, naquela época, havia
exame oral, que chamávamos a “hora da
vingança”. Sabe aquele aluno, metido a engraçadinho, que perturbava a aula,
com piadinhas sem graça? Pois ei-lo a nossa frente, pronto a ser inquerido. Que
tal uma pergunta que tínhamos a certeza que ele não sabia a resposta? Por
exemplo: “diga qual o poeta e a escola
literária a que pertenceu, cujo nome é um alexandrino perfeito”. Por certo,
fazia eu cara de desprezo, diante do silêncio do infeliz. Não cultivei o hábito
de reprovar. Aprendi, desde cedo, que a vida se encarregaria de se desincumbir
dessa desagradável missão. O tempo passou e o padrão de ensino sofreu radical
transformação. O “idioma”, que se usa na internet, nada tem a ver, na forma e
conteúdo, com o que aprendi e tentei ensinar. Se mudou para melhor ou pior, não
tenho aptidão para avaliar. Aquela gama de conhecimentos, que acumulamos, hoje,
é considerada “cultura inútil”, até
porque o “Google” está aí mesmo para
fornecer a informação desejada. Faço a memória viajar, sem melancolia. Como me
ensinou o poeta Sergio Milliet, companheiro de “uisque sauer”, no velho “Paribar,
o importante é ser do seu tempo, enquanto é tempo”.
Obs.: caso o Google não informe: o poeta cujo nome era um
alexandrino perfeito, chamava-se “Olavo
Braz Martins dos Guimarães Bilac” e pertenceu ao parnasianismo, escola
literária que cultuava a arte pela arte – “ars
gratia est”, como esculpido atrás do leão da “Metro”.
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