sexta-feira, 12 de maio de 2017

Rodolfo, eu e o interrogatório de Lula



Apesar do frio, pré inverno , que rasgava a noite, Rodolfo, meu politizado pastor alemão, exigiu nossa ida ao parque. E sua exigência é irrecusável:  ele me olhou, por entre as grades, com olhar de ternura, quase saudade, como se um de nós fosse partir para nunca mais. Assim, troquei o terno por agasalho e lá fomos nós, apenas eu e ele, já que Nara, encolhida em seu canto, permaneceu inerte, atormentada que está, com infecção no ouvido. Algo me diz que ela está prestes a nos deixar e meu coração já se atormenta. Ainda insisti com ela, que o frio da noite poderia ser amainado com o caminhar, mas ela foi definitiva: “até já sei qual vai ser o papo de vocês: vão falar do interrogatório do Lula. O Rodolfo já me atormentou, por todo o dia, com este assunto e eu cheguei a lhe dar leve “pegada”, para que ele mudasse de assunto. Já vivi o bastante para saber que, neste País, tudo vira circo. Tinha coisa melhor pra fazer: atormentei o homem da Sabesp, que veio fazer a leitura da água. Depois, chegaram seus netos e foi uma alegria só. Imagine se poderia perder meu tempo, falando de Lula, Sergio Moro e quetais”. E Nara tinha razão: mal viramos a esquina, e Rodolfo foi logo me perguntando o que eu tinha achado do “debate”. Ri, esclarecendo que não se tratava de debate, mas do interrogatório do ex-presidente, “momento processual da maior importância”. Rodolfo, irrita-se: “não sou tão ignorante quanto você imagina. É claro que sei o que é interrogatório. Usei a palavra debate, porque o clima que se criou era que se travaria um confronto verbal entre Lula e Moro, inclusive com direito a claque”. Resolvi mudar de posição: “e você, Rodolfo, o que achou?” – “Para mim, em que pese a postura tendenciosa da mídia, acho que Lula ganhou a parada. Afinal, qual a prova material de que o apartamento é do Lula? Acho, até, que o Sergio Moro “jogou pra platéia, fazendo perguntas que não tinham a ver com o processo, em si, ou estou enganado? – “Está certíssimo, Rodolfo e digo mais, não fosse a pressão da mídia, a denuncia nem mesmo poderia ter sido recebida. Lula, no máximo, pode ter manifestado a intenção, ter cogitado em receber o triplex, como forma de propina, mas, se ele não tem a propriedade e nem mesmo a posse do apartamento, não há como caracterizar qualquer crime. Na sistemática de nosso direito penal, a chamada “cogitatio mentis”, isto é, a simples intenção de praticar o ato ilícito, não é considerado crime. É preciso que essa “cogitatio” se  transforme em  ação concreta,  o que não acontece, neste caso. Pode até ser que Lula e a OAS tenham combinado a transação, mas, como ficou só no “combinemos”, não há que se falar em crime. E que papel melancólico dos jornalistas da “globonews”, trabalhando como se Promotores fossem, esmiuçando as contradições de Lula, para caracterizar a culpa dele. Vou pedir a meu querido amigo, José Paulo de Andrade, para dar uma aula de bom jornalismo para eles. O certo, Rodolfo, é que, pelo menos neste processo, Lula tem que ser absolvido!”, Rodolfo, neste ponto, ergueu-se nas patas e, em tom inflamado, indagou “agora você trocou de lado, virou Lulista?“. Entre sorrisos e acariciando-lhe o pelo, retruquei: “nada disto, meu caro, continuo averso ao lulopetismo como nunca, mas, até por amor à profissão, de onde tiro sua ração de cada dia, sou contra o ato arbitrário, venha de cada lado vier. Há uma música antiga, não é nem do tempo da Nara, cantada pelo Emílio Santiago, que, a certa altura, dizia “se ela fez com ele, vai fazer comigo”. Este é o perigo de você se encantar com o ato arbitrário, quando lhe é conveniente. Amanhã, você pode ser a vítima e vai reclamar com quem? Lula Pode ser condenado por outros crimes, materialmente apuráveis, mas, no caso do triplex, nem mesmo crime há. E, agora, vamos voltar, que está muito frio e pense no que lhe falei, sem se deixar contaminar pelo jornalismo da globonews”. E saímos, os dois, a caminhar, vagarosamente, em busca de nosso aconchego.

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