Apesar do frio, pré inverno , que rasgava a noite, Rodolfo,
meu politizado pastor alemão, exigiu nossa ida ao parque. E sua exigência é irrecusável: ele me olhou, por entre as grades, com olhar
de ternura, quase saudade, como se um de nós fosse partir para nunca mais.
Assim, troquei o terno por agasalho e lá fomos nós, apenas eu e ele, já que
Nara, encolhida em seu canto, permaneceu inerte, atormentada que está, com
infecção no ouvido. Algo me diz que ela está prestes a nos deixar e meu coração
já se atormenta. Ainda insisti com ela, que o frio da noite poderia ser
amainado com o caminhar, mas ela foi definitiva: “até já sei qual vai ser o papo de vocês: vão falar do interrogatório do
Lula. O Rodolfo já me atormentou, por todo o dia, com este assunto e eu cheguei
a lhe dar leve “pegada”, para que ele mudasse de assunto. Já vivi o bastante
para saber que, neste País, tudo vira circo. Tinha coisa melhor pra fazer:
atormentei o homem da Sabesp, que veio fazer a leitura da água. Depois,
chegaram seus netos e foi uma alegria só. Imagine se poderia perder meu tempo,
falando de Lula, Sergio Moro e quetais”. E Nara tinha razão: mal viramos a
esquina, e Rodolfo foi logo me perguntando o que eu tinha achado do “debate”. Ri, esclarecendo que não se
tratava de debate, mas do interrogatório do ex-presidente, “momento processual da maior importância”.
Rodolfo, irrita-se: “não sou tão
ignorante quanto você imagina. É claro que sei o que é interrogatório. Usei a
palavra debate, porque o clima que se criou era que se travaria um confronto
verbal entre Lula e Moro, inclusive com direito a claque”. Resolvi mudar de
posição: “e você, Rodolfo, o que achou?”
– “Para mim, em que pese a postura
tendenciosa da mídia, acho que Lula ganhou a parada. Afinal, qual a prova
material de que o apartamento é do Lula? Acho, até, que o Sergio Moro “jogou
pra platéia, fazendo perguntas que não tinham a ver com o processo, em si, ou
estou enganado? – “Está certíssimo,
Rodolfo e digo mais, não fosse a pressão da mídia, a denuncia nem mesmo poderia
ter sido recebida. Lula, no máximo, pode ter manifestado a intenção, ter
cogitado em receber o triplex, como forma de propina, mas, se ele não tem a propriedade
e nem mesmo a posse do apartamento, não há como caracterizar qualquer crime. Na
sistemática de nosso direito penal, a chamada “cogitatio mentis”, isto é, a
simples intenção de praticar o ato ilícito, não é considerado crime. É preciso
que essa “cogitatio” se transforme
em ação concreta, o que não acontece, neste caso. Pode até ser
que Lula e a OAS tenham combinado a transação, mas, como ficou só no
“combinemos”, não há que se falar em crime. E que papel melancólico dos
jornalistas da “globonews”, trabalhando como se Promotores fossem, esmiuçando
as contradições de Lula, para caracterizar a culpa dele. Vou pedir a meu
querido amigo, José Paulo de Andrade, para dar uma aula de bom jornalismo para
eles. O certo, Rodolfo, é que, pelo menos neste processo, Lula tem que ser
absolvido!”, Rodolfo, neste ponto, ergueu-se nas patas e, em tom inflamado,
indagou “agora você trocou de lado, virou
Lulista?“. Entre sorrisos e acariciando-lhe o pelo, retruquei: “nada disto, meu caro, continuo averso ao
lulopetismo como nunca, mas, até por amor à profissão, de onde tiro sua ração
de cada dia, sou contra o ato arbitrário, venha de cada lado vier. Há uma
música antiga, não é nem do tempo da Nara, cantada pelo Emílio Santiago, que, a
certa altura, dizia “se ela fez com ele, vai fazer comigo”. Este é o perigo de
você se encantar com o ato arbitrário, quando lhe é conveniente. Amanhã, você
pode ser a vítima e vai reclamar com quem? Lula Pode ser condenado por outros
crimes, materialmente apuráveis, mas, no caso do triplex, nem mesmo crime há.
E, agora, vamos voltar, que está muito frio e pense no que lhe falei, sem se
deixar contaminar pelo jornalismo da globonews”. E saímos, os dois, a
caminhar, vagarosamente, em busca de nosso aconchego.
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