terça-feira, 16 de maio de 2017

O direito de morrer



Procura-me cliente, que se tornou quase amigo, com angustiante problema: sua filha, de 35 anos, professora universitária, foi diagnosticada como portadora de câncer de pâncreas e reuniu a família, - pais e irmãos – para informar que decidira por não realizar qualquer tratamento, a não ser o inibidor da dor. Seu médico, ao comunicar-lhe o diagnóstico, propôs-lhe cirurgia e sessão de quimio e radioterapia, o que lhe daria sobrevida razoável, apesar de todos os efeitos colaterais do tratamento. Exatamente em razão desses “efeitos colaterais” e de impossível cura, ela optara por deixar a doença seguir seu curso natural, o que, segundo o médico, lhe daria de 06 meses a 01 ano de vida. O pai queria saber de mim se havia algum meio jurídico para compeli-la ao tratamento. Para decepção dele, mostrei-lhe o artigo 15 do Código Civil, que assim dispõe: “ninguém pode ser constrangido a submeter-se com risco de vida, a tratamento médico ou intervenção cirúrgica”. Como só estariam excluídos deste dispositivo legal os menores de 16 anos e os interditados – e a filha não se incluía em nenhuma dessas hipóteses -, a vontade da mesma deveria prevalecer. Após algumas lágrimas de quase desespero e meu conselho de que procurasse outra opinião jurídica, começamos a conversar sobre a decisão da filha, ele a julgando egoísta por se deixar morrer, sem tratamento, desprezando a dor das pessoas que a amavam. Limitei-me a ouvi-lo, até porque não era o momento de expor meu pensamento sobre o tema que, graças a Deus, para mim, situava-se no campo da hipótese. Na verdade – penso eu – o egoísmo era dele, que queria a filha por perto, por piores que fossem suas condições de vida, durante um tratamento, que prolongaria a vida, por impreciso tempo, mas que não impediria, depois de muito sofrimento físico e psicológico, o encontro marcado com a morte. Por maior que seja minha religiosidade, concordo com a decisão da moça, de não impedir que a doença siga seu caminho, sem utilização de métodos, dolorosos métodos, que apenas adiarão o desfecho. Quantas pessoas, prostradas em cama, a depender de terceiros, até para higiene pessoal, não gostariam de exercer este direito de abreviar o sofrimento e a dependência, abrindo espaço para o abraço da morte? Amo a vida e as coisas que ela proporciona: o carinho dos que me querem bem; o trabalho, que me faz sentir útil, mas abomino a idéia de restar inerte e constatar que as pessoas, que chorem por mim, depois de certo tempo, estarão chorando por elas mesmas e, finalmente quando disserem “ele descansou” estarão, na verdade dizendo: “finalmente, nós descansamos”. Ao contrário do que afirmam alguns apressados, o Código Civil, ao estabelecer que ninguém  pode, contra sua vontade, ser submetido a tratamento médico ou internação cirúrgica, não abraçou, de forma indireta, a eutanásia, mas, na verdade, preservou o direito individual à  dignidade, a dignidade de não se submeter a sofrimento inútil.

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