Procura-me cliente, que se tornou quase amigo, com
angustiante problema: sua filha, de 35 anos, professora universitária, foi
diagnosticada como portadora de câncer de pâncreas e reuniu a família, - pais e
irmãos – para informar que decidira por não realizar qualquer tratamento, a não
ser o inibidor da dor. Seu médico, ao comunicar-lhe o diagnóstico, propôs-lhe
cirurgia e sessão de quimio e radioterapia, o que lhe daria sobrevida razoável,
apesar de todos os efeitos colaterais do tratamento. Exatamente em razão desses
“efeitos colaterais” e de impossível cura, ela optara por deixar a doença
seguir seu curso natural, o que, segundo o médico, lhe daria de 06 meses a 01
ano de vida. O pai queria saber de mim se havia algum meio jurídico para compeli-la
ao tratamento. Para decepção dele, mostrei-lhe o artigo 15 do Código Civil, que
assim dispõe: “ninguém pode ser
constrangido a submeter-se com risco de vida, a tratamento médico ou
intervenção cirúrgica”. Como só estariam excluídos deste dispositivo legal
os menores de 16 anos e os interditados – e a filha não se incluía em nenhuma
dessas hipóteses -, a vontade da mesma deveria prevalecer. Após algumas
lágrimas de quase desespero e meu conselho de que procurasse outra opinião
jurídica, começamos a conversar sobre a decisão da filha, ele a julgando
egoísta por se deixar morrer, sem tratamento, desprezando a dor das pessoas que
a amavam. Limitei-me a ouvi-lo, até porque não era o momento de expor meu
pensamento sobre o tema que, graças a Deus, para mim, situava-se no campo da
hipótese. Na verdade – penso eu – o egoísmo era dele, que queria a filha por
perto, por piores que fossem suas condições de vida, durante um tratamento, que
prolongaria a vida, por impreciso tempo, mas que não impediria, depois de muito
sofrimento físico e psicológico, o encontro marcado com a morte. Por maior que
seja minha religiosidade, concordo com a decisão da moça, de não impedir que a
doença siga seu caminho, sem utilização de métodos, dolorosos métodos, que
apenas adiarão o desfecho. Quantas pessoas, prostradas em cama, a depender de
terceiros, até para higiene pessoal, não gostariam de exercer este direito de
abreviar o sofrimento e a dependência, abrindo espaço para o abraço da morte?
Amo a vida e as coisas que ela proporciona: o carinho dos que me querem bem; o
trabalho, que me faz sentir útil, mas abomino a idéia de restar inerte e
constatar que as pessoas, que chorem por mim, depois de certo tempo, estarão
chorando por elas mesmas e, finalmente quando disserem “ele descansou” estarão,
na verdade dizendo: “finalmente, nós descansamos”. Ao contrário do que afirmam
alguns apressados, o Código Civil, ao estabelecer que ninguém pode, contra sua vontade, ser submetido a
tratamento médico ou internação cirúrgica, não abraçou, de forma indireta, a
eutanásia, mas, na verdade, preservou o direito individual à dignidade, a dignidade de não se submeter a
sofrimento inútil.
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