quinta-feira, 31 de julho de 2014

Baudelaire revisitado

Reler Baudelaire é sempre como beber vinho de safra rara: o sabor não se detém apenas no paladar. Invade o cérebro e povoa a alma de sentimentos múltiplos. Talvez seja por isso que jamais gostei muito de compartilhar bebida e leitura. Ambas requerem meditação, só possível no ato solitário de ser e estar. Baudelaire me joga nos meus próprios braços, envolve-me na doce melancolia do que se desconectam com a realidade objetiva. A sensação de que tudo é sonho, como dizia Fernando Pessoa. A diferença é que o primeiro não precisa (ou não pretende) olhar pela janela. Satisfaz-se com seu mundo interior e vive nele, malgrado o “spleen”.  Incrível como Baudelaire, quase 150 anos passados, é capaz de falar claro às almas e corações, principalmente os encanecidos. Viver não é um ato de coragem, como queria Sartre. Prefiro a “expiação”, conceito que emerge do velho testamento. Mas importa falar de Baudelaire, a razão de ter me curvado sobre o papel. O efêmero das coisas e das pessoas como verdade absoluta. O “poetinha”, de forma mais simples, dizia que “a vida vem em ondas, como o mar”. Baudelaire apascenta a alma atormentada, oferecendo-lhe a noite solitária, onde das ondas só se escuta o quebrar longínquo. Parar o barco, a meio de um lago sem margens, contemplando o brilho monótono e estático da água. Porque ficamos assim, velhos barcos parados ao meio de um lago sem margens, guardando, em seu bojo, historias, reais ou fictícias, mas todas elas, sem importância. Viver ou é um ato de irresponsabilidade, ou é estar parado no meio do lago.

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