segunda-feira, 21 de julho de 2014

A noite ainda não abrira seu negro manto sobre a cidade, mas um silencio ensurdecedor já podia ser ouvido, em todas as ruas. O homem caminhava atônito, ouvindo os ruídos de seus próprios passos. Tudo muito estranho. Em condições normais, aquela era a hora em que as pessoas buscavam, apressadamente, suas casas e os carros congestionavam as ruas. O homem passou por um bar que deveria estar explodindo em gargalhadas e conversas babélicas. Mas, nenhum ruído. Cadeiras e mesas vazias, a indicarem a presença única da ausência total. Onde teriam ido todos? Recompunha seu dia: trabalhara por toda a madrugada, no seu fazer de guarda noturno; adormecera pela manhã; acordara às 4 horas da tarde, comera o sanduiche de sempre, tomara um banho e saíra para ver o movimento de final de tarde. Esse era seu grande prazer: sentar no banco da praça, que dava para a grande avenida e ficar olhando as coxas que passavam. Algumas, já conhecia de cor. Olhava apenas para as coxas, sem se atentar para suas donas. Apenas olhava, sem qualquer tesão especial. Chegara àquela altura da vida em que se sepulta o desejo e se resgata a pureza de olhar, sem desejar. Mas, naquele momento, sozinho, andando pelas ruas desertas, não pensava em coxas. Apavorava-lhe a idéia de todos terem ido embora (para onde?) e ele estivesse abandonado, em uma cidade fantasma. Será que não estaria dormindo, em pesadelo? Não, tudo era muito real. Talvez fosse melhor voltar para casa e se enfiar debaixo do cobertor, como fazia, quando criança, sentia-se ameaçado pelo lobisomem. Todavia um medo-curiosidade-surpresa o mantinha estático, naquela esquina, onde o semáforo abria e fechava, inutilmente. Subitamente, uma nuvem espessa passou, bem ali, debaixo de seus pés e, num estalo, compreendeu tudo: a cidade morrera e como, provavelmente, na hora da morte, da qual o sono é primo irmão, ele dormia, foi transportado para aquele não mundo, feito de ausências e silencio. A principio, a percepção da nova realidade apavorou-lhe. Pouco a pouco, a euforia foi se espalhando pelo seu coração, que passou a bater em ritmo acelerado. Agora, aquela era sua cidade e sua todas as coisas que nela existiam: o bar da esquina; o cinema com seu luminoso multicolorido, todos os bancos da praça. Mas... para que os bancos da praça, sem as coxas para serem vistas? Foi então que o homem chorou.  

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