A noite ainda não abrira seu negro manto sobre a cidade, mas
um silencio ensurdecedor já podia ser ouvido, em todas as ruas. O homem
caminhava atônito, ouvindo os ruídos de seus próprios passos. Tudo muito
estranho. Em condições normais, aquela era a hora em que as pessoas buscavam,
apressadamente, suas casas e os carros congestionavam as ruas. O homem passou
por um bar que deveria estar explodindo em gargalhadas e conversas babélicas.
Mas, nenhum ruído. Cadeiras e mesas vazias, a indicarem a presença única da
ausência total. Onde teriam ido todos? Recompunha seu dia: trabalhara por toda
a madrugada, no seu fazer de guarda noturno; adormecera pela manhã; acordara às
4 horas da tarde, comera o sanduiche de sempre, tomara um banho e saíra para
ver o movimento de final de tarde. Esse era seu grande prazer: sentar no banco
da praça, que dava para a grande avenida e ficar olhando as coxas que passavam.
Algumas, já conhecia de cor. Olhava apenas para as coxas, sem se atentar para
suas donas. Apenas olhava, sem qualquer tesão especial. Chegara àquela altura
da vida em que se sepulta o desejo e se resgata a pureza de olhar, sem desejar.
Mas, naquele momento, sozinho, andando pelas ruas desertas, não pensava em
coxas. Apavorava-lhe a idéia de todos terem ido embora (para onde?) e ele
estivesse abandonado, em uma cidade fantasma. Será que não estaria dormindo, em
pesadelo? Não, tudo era muito real. Talvez fosse melhor voltar para casa e se
enfiar debaixo do cobertor, como fazia, quando criança, sentia-se ameaçado pelo
lobisomem. Todavia um medo-curiosidade-surpresa o mantinha estático, naquela
esquina, onde o semáforo abria e fechava, inutilmente. Subitamente, uma nuvem
espessa passou, bem ali, debaixo de seus pés e, num estalo, compreendeu tudo: a
cidade morrera e como, provavelmente, na hora da morte, da qual o sono é primo
irmão, ele dormia, foi transportado para aquele não mundo, feito de ausências e
silencio. A principio, a percepção da nova realidade apavorou-lhe. Pouco a
pouco, a euforia foi se espalhando pelo seu coração, que passou a bater em
ritmo acelerado. Agora, aquela era sua cidade e sua todas as coisas que nela
existiam: o bar da esquina; o cinema com seu luminoso multicolorido, todos os
bancos da praça. Mas... para que os bancos da praça, sem as coxas para serem
vistas? Foi então que o homem chorou.
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