Baudelaire revisitado
Reler Baudelaire é sempre como beber vinho de safra rara: o
sabor não se detém apenas no paladar. Invade o cérebro e povoa a alma de
sentimentos múltiplos. Talvez seja por isso que jamais gostei muito de
compartilhar bebida e leitura. Ambas requerem meditação, só possível no ato
solitário de ser e estar. Baudelaire me joga nos meus próprios braços,
envolve-me na doce melancolia do que se desconectam com a realidade objetiva. A
sensação de que tudo é sonho, como dizia Fernando Pessoa. A diferença é que o
primeiro não precisa (ou não pretende) olhar pela janela. Satisfaz-se com seu
mundo interior e vive nele, malgrado o “spleen”. Incrível como Baudelaire, quase 150 anos
passados, é capaz de falar claro às almas e corações, principalmente os
encanecidos. Viver não é um ato de coragem, como queria Sartre. Prefiro a “expiação”, conceito que emerge do velho
testamento. Mas importa falar de Baudelaire, a razão de ter me curvado sobre o
papel. O efêmero das coisas e das pessoas como verdade absoluta. O “poetinha”, de forma mais simples, dizia
que “a vida vem em ondas, como o mar”.
Baudelaire apascenta a alma atormentada, oferecendo-lhe a noite solitária, onde
das ondas só se escuta o quebrar longínquo. Parar o barco, a meio de um lago sem
margens, contemplando o brilho monótono e estático da água. Porque ficamos
assim, velhos barcos parados ao meio de um lago sem margens, guardando, em seu
bojo, historias, reais ou fictícias, mas todas elas, sem importância. Viver ou
é um ato de irresponsabilidade, ou é estar parado no meio do lago.