Sobre
a obrigação de deixar morrer
O Conselho Federal de Medicina baixou
Resolução obrigando os médicos a, nos casos em que não há mais perspectiva de
cura, respeitar a vontade do paciente, e sem interferir no processo, deixá-lo
morrer, desde que manifeste ele tal disposição de forma voluntária e
consciente. Em que pesem os eufemismos empregados, objetivamente, trata-se de
uma forma de eutanásia. A perpetuação de uma vida, onde vida já não há, é
indiscutivelmente traumática, além dos desastrosos e inúteis gastos financeiros
para a manutenção do nada. Todavia, duas questões devem ser levantadas, a
indicarem não ser o tema tão pacífico assim. A primeira, é a questão religiosa.
Para os verdadeiramente cristãos, na acepção ampla do termo, a vida pertence,
exclusivamente, a Deus e só Ele tem o poder de fazer o ser humano exalar o
último suspiro. Emerge, via de consequência, a pergunta: o médico, verdadeiramente
cristão, estará obrigado a se submeter à Resolução do CFM? Não terá ele direito
de invocar suas convicções religiosas e esperar que seja feita a vontade de
Deus? A segunda questão é de ordem legal. Pelo menos até que se mude a legislação,
o médico tem a obrigação de lutar pela manutenção da vida de seu paciente, sob
pena de se caracterizar o crime de omissão de socorro, assim descrito no artigo
135 do Código Penal Brasileiro: “deixar
de prestar assistência, quando possível fazê-lo, sem risco pessoal, à criança
abandonada ou extraviada, ou à pessoa inválida ou ferida, no desamparo ou em grave e iminente perigo...”. Tal
crime, nossa lei penal prevê pena privativa de liberdade que pode chegar a três
anos, na hipótese específica, aqui tratada.
Li que, em algum País, cujo nome não me
ocorre, a decisão sobre “deixar morrer”
um paciente, cuja vida só permanece graças a mecanismos e tratamentos
paliativos, é decisão confiada a um Conselho integrado pelo médico, responsável
pelo tratamento, por um membro da família, previamente escolhido pelos iguais e
por um religioso, na hipótese de o paciente professar qualquer credo. Esse
Conselho recebe o nome de “Conselho
Morituri”, palavra essa que, traduzida do latim, significa “aquele que vai (ou deve) morrer.” Se o
Conselho decidir, por unanimidade, pelo passamento do doente – e todas as
questões precisam ser discutidas, em todos os seus aspectos – tal decisão é
submetida à aprovação de um Juiz togado e, nessa e apenas nessa hipótese,
encerra-se todo o conjunto de tratamento, a que está sendo submetido o doente.
Talvez seja essa uma alternativa de solução para problema tão complexo. Quanto à
Resolução do Conselho Federal de Medicina, quer sobre o ângulo religioso e
ético-profissional, quer à luz da legislação vigente, parece-me carecer ela de
legitimidade e legalidade.
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