quinta-feira, 6 de setembro de 2012


Sobre a obrigação de deixar morrer

O Conselho Federal de Medicina baixou Resolução obrigando os médicos a, nos casos em que não há mais perspectiva de cura, respeitar a vontade do paciente, e sem interferir no processo, deixá-lo morrer, desde que manifeste ele tal disposição de forma voluntária e consciente. Em que pesem os eufemismos empregados, objetivamente, trata-se de uma forma de eutanásia. A perpetuação de uma vida, onde vida já não há, é indiscutivelmente traumática, além dos desastrosos e inúteis gastos financeiros para a manutenção do nada. Todavia, duas questões devem ser levantadas, a indicarem não ser o tema tão pacífico assim. A primeira, é a questão religiosa. Para os verdadeiramente cristãos, na acepção ampla do termo, a vida pertence, exclusivamente, a Deus e só Ele tem o poder de fazer o ser humano exalar o último suspiro. Emerge, via de consequência, a pergunta: o médico, verdadeiramente cristão, estará obrigado a se submeter à Resolução do CFM? Não terá ele direito de invocar suas convicções religiosas e esperar que seja feita a vontade de Deus? A segunda questão é de ordem legal. Pelo menos até que se mude a legislação, o médico tem a obrigação de lutar pela manutenção da vida de seu paciente, sob pena de se caracterizar o crime de omissão de socorro, assim descrito no artigo 135 do Código Penal Brasileiro: “deixar de prestar assistência, quando possível fazê-lo, sem risco pessoal, à criança abandonada ou extraviada, ou à pessoa inválida ou ferida, no desamparo ou em grave e iminente perigo...”. Tal crime, nossa lei penal prevê pena privativa de liberdade que pode chegar a três anos, na hipótese específica, aqui tratada.
Li que, em algum País, cujo nome não me ocorre, a decisão sobre “deixar morrer” um paciente, cuja vida só permanece graças a mecanismos e tratamentos paliativos, é decisão confiada a um Conselho integrado pelo médico, responsável pelo tratamento, por um membro da família, previamente escolhido pelos iguais e por um religioso, na hipótese de o paciente professar qualquer credo. Esse Conselho recebe o nome de “Conselho Morituri”, palavra essa que, traduzida do latim, significa “aquele que vai (ou deve) morrer.” Se o Conselho decidir, por unanimidade, pelo passamento do doente – e todas as questões precisam ser discutidas, em todos os seus aspectos – tal decisão é submetida à aprovação de um Juiz togado e, nessa e apenas nessa hipótese, encerra-se todo o conjunto de tratamento, a que está sendo submetido o doente. Talvez seja essa uma alternativa de solução para problema tão complexo. Quanto à Resolução do Conselho Federal de Medicina, quer sobre o ângulo religioso e ético-profissional, quer à luz da legislação vigente, parece-me carecer ela de legitimidade e legalidade.

Nenhum comentário:

Postar um comentário