Era uma vez um amigo, queridíssimo amigo. Conheci-o, quando
cheguei, povoado de medos, no Liceu Pasteur, para fazer o curso clássico. Como
eu, vinha ele do interior e trombou com aquele casarão imponente, que cobria o
quarteirão e de onde saíam jovens adolescentes, recheados de arrogância da
cidade grande. Aproximou-nos a timidez dos que julgam pouco ou nada saber perto
dos que aparentam notória sabença. Por conta de muita dedicação, passamos a
contar entre os melhores. Quando chegou o vestibular, esquecemos do bom viver, porque estudar e (quase) só
estudar, era preciso. E colhemos o fruto, pois, de primeira, estávamos na
faculdade e no topo da lista. Como era aluno interno, vivia em minha casa e eu,
por vezes várias, corri ao interior, a conviver com a família, a ouvir, atento,
a sabedoria do pai, que só não tornou meu amigo, porque era muito desejar para
mim. Posso dizer que amadurecemos juntos, marido e esposa irmanados, a viajarem
viagens de folguedos, aquém e além mar. Ele, do alto de sua classe, degustava o
fino camarão e o acarajé de beira de calçada. Assim, sem frescura, alma lavada
e pronta para o bom viver. Éramos irmãos que se queriam até não poder mais.
Certo aniversário meu, ele recuperado de insidiosa doença, passei-o com ele,
pois tê-lo, de volta, era o maior presente. Até que um dia, talvez pelos uísques
bebidos, ele agrediu, não a mim, mas a fé, que eu tinha sem medidas. Poderia
ter deixado passar, que palavras não são para embrutecer. Mas, embrutecido,
disse-lhe palavras duras e as disse por escrito, que era para marcar, com tinta
indelével, a ruptura de amizade, que tínhamos, como definitiva. Mas o tempo –
quase nenhum tempo – passou e eu me arrependi, não desses arrependimentos que,
histéricos, correm a se desculparem, mas arrependimento sem força, até porque o
cristal se trincara. Deixei-me ficar com a memória dos momentos de folguedos e,
principalmente, das tristezas e dificuldades que, juntos, transpusemos, porque tínhamos
corações e mentes unidas.
Amanhã, 04, ele comemora vários anos, dois a menos do que eu,
o que já é “barbaridade”, palavra que
ele costumava usar. Como posso pouco, rezarei por ele, pedindo a Deus proteção
para a família, que construiu e, também que não deixe morrer em mim esta
amizade que, mesma rompida e distante
foi um dos melhores momentos que vivi.
“Fabius, morituri te
salutant”
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