segunda-feira, 3 de setembro de 2018

O elo desfeito


Era uma vez um amigo, queridíssimo amigo. Conheci-o, quando cheguei, povoado de medos, no Liceu Pasteur, para fazer o curso clássico. Como eu, vinha ele do interior e trombou com aquele casarão imponente, que cobria o quarteirão e de onde saíam jovens adolescentes, recheados de arrogância da cidade grande. Aproximou-nos a timidez dos que julgam pouco ou nada saber perto dos que aparentam notória sabença. Por conta de muita dedicação, passamos a contar entre os melhores. Quando chegou o vestibular, esquecemos  do bom viver, porque estudar e (quase) só estudar, era preciso. E colhemos o fruto, pois, de primeira, estávamos na faculdade e no topo da lista. Como era aluno interno, vivia em minha casa e eu, por vezes várias, corri ao interior, a conviver com a família, a ouvir, atento, a sabedoria do pai, que só não tornou meu amigo, porque era muito desejar para mim. Posso dizer que amadurecemos juntos, marido e esposa irmanados, a viajarem viagens de folguedos, aquém e além mar. Ele, do alto de sua classe, degustava o fino camarão e o acarajé de beira de calçada. Assim, sem frescura, alma lavada e pronta para o bom viver. Éramos irmãos que se queriam até não poder mais. Certo aniversário meu, ele recuperado de insidiosa doença, passei-o com ele, pois tê-lo, de volta, era o maior presente. Até que um dia, talvez pelos uísques bebidos, ele agrediu, não a mim, mas a fé, que eu tinha sem medidas. Poderia ter deixado passar, que palavras não são para embrutecer. Mas, embrutecido, disse-lhe palavras duras e as disse por escrito, que era para marcar, com tinta indelével, a ruptura de amizade, que tínhamos, como definitiva. Mas o tempo – quase nenhum tempo – passou e eu me arrependi, não desses arrependimentos que, histéricos, correm a se desculparem, mas arrependimento sem força, até porque o cristal se trincara. Deixei-me ficar com a memória dos momentos de folguedos e, principalmente, das tristezas e dificuldades que, juntos, transpusemos, porque tínhamos corações e mentes unidas.
Amanhã, 04, ele comemora vários anos, dois a menos do que eu, o que já é “barbaridade”, palavra que ele costumava usar. Como posso pouco, rezarei por ele, pedindo a Deus proteção para a família, que construiu e, também que não deixe morrer em mim esta amizade que,  mesma rompida e distante foi um dos melhores momentos que vivi.
Fabius, morituri te salutant

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