Ela era linda, assim, quase um metro e oitenta de formosura,
olhos verdes, espiando dentro do corpo dele, longos cabelos pretos que se
agitavam quando ela ria aquele sorriso largo e solto que calava o gorjeio do
pássaro, postado no muro defronte. Era muito para ele, inaugurando 50 anos,
olhos embaçados, pele manchada pela desenfreada corrida do tempo. Mas ela quis,
aceitou emprestar-lhe um pouco de juventude, estendeu-lhe a mão, como a um
naufrago e ele a reteve – quisera, para sempre -, afagara-lhe os dedos longos, encaixou-os nos seus e apenas disse “fica comigo” e ela, sem apagar o
sorriso, respondeu-lhe “eu quero” e
eles seguiram em direção à pedra do Arpoador, ele, próximo e distante, sentindo
o hálito de hortelã, que ela exalava, ouvindo sua voz, mas apenas vendo-a,
assim, absurdamente linda, mostrando as coxas, maravilhosas coxas, pela fenda
da saia. Sentaram-se, num banco da praia e ele extasiou-se com os seios,
rígidos seios, apontados para o norte e que teimavam em fugir da blusa. De repente ele quis sair dali, da
multidão, que passava e olhava para ele, uns com inveja, outros, por certo, com
piedade, pois sabiam – ou, julgavam saber – que, em pouco tempo, ela diria “cansei, vou embora ao encontro de outra
juventude”. Ele contou isto para ela, que lhe apertou a mão, beijou-lhe o
rosto e, em sussurro, apenas disse “bobo,
eu quero você” e ele abraçou-a e a beijou, em público, porque ali, naquele
momento, todos foram desaparecidos, ficando apenas a magia do mar batendo. Aí
veio tempo de loucura, loucura de amor, todos os dias, em qualquer lugar, como
aquela vez, no banheiro do supermercado. E quando ela telefonava, dizendo “eu quero” e ele largava tudo, cliente,
reunião e dirigia loucamente, ela o
esperando na porta do prédio e o amor, frenético amor, subia de elevador
e continuava, na sala, no quarto, dois
bêbados, embriagados de suor e desejo.
Um dia, passados dois verões, uma noite úmida de outono, o
inverno espreitando para encolher as pessoas e apagar a paisagem, ele chegou, o
apartamento grávido de silêncio, e, sobre o travesseiro, rescendendo a perfume
dela, apenas um bilhete: “cansei vou em
busca de outra juventude!”. Calmamente, como quem cumpre um ritual antigo,
ele percorreu os quartos, querendo acreditar que era mais uma brincadeira dela.
Os minutos se eternizaram na procura inútil. O que restou dela foi a minúscula
calcinha, ainda molhada, pendurada no box do banheiro. Apanhou-a, vestiu-a e,
com tresloucada gargalhada, braços abertos em hipotético abraço,
saltou para a noite escura.
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